6 coisas que aprendi na Cracolândia — vamos conversar sobre drogas?

Para entender melhor do que estou falando, fui conversar com quem lida com essa situação há anos. Seja como usuário, cuidador ou funcionário público

Eu nunca tinha ido para a Cracolândia. Eu só passava na frente, via aquele emaranhado de barracas, espiava de longe – sempre de dentro do carro – um ou outro usuário saindo do fluxo e pensava "como é que a prefeitura permite que isso fique desse jeito?"

A gente vai olhando aquela estado degradante e não consegue mais imaginar quem pode viver naquela situação. É irritante olhar aquilo e entender que tem gente ali. A gente prefere imaginar que ali só tem zumbi.

Para gravar o vídeo Overdose de Erros abaixo – brilhantemente dirigido pelo Gut Simon, filmado pelo Renato Helena e editado pela Maria Luisa Frasson-Nori – fui à Craco pela primeira vez. Depois mais algumas vezes. Li e estudei um tanto sobre o assunto. E aprendi as coisas que vou compartilhar com vocês abaixo.

 

O que aprendi

1. A Cracolândia é, antes de tudo, uma comunidade.

As pessoas que estão ali estão encurraladas entre a polícia, que as vê como uma ameaça à ordem pública; e o crime organizado, que as trata como mercado, fonte de renda e mão de obra. Elas vivem uma angústia enorme tanto por seus problemas pessoais quanto por saber que serem tratadas como um fardo para a sociedade.

2. A população que frequenta a Cracolândia é extremamente diversa.

Você nota isso muito claramente ao passar por lá. Na Cracolândia existem pessoas de todos os tipos que chegaram ali pelos mais diversos motivos. Enquanto alguns já dão sinais claros de que são dependentes químicos, outros você duvidaria que são usuários de drogas e muitas vezes eles não são mesmo.

Uma pesquisa realizada pelo Pnud, o Programa de Desenvolvimento da ONU, a pedido da própria Coordenadoria de Política sobre Drogas do governo do Estado de São Paulo, revelou que mais de um terço dos frequentadores não fazem uso do crack. Além disso, mais de 40% não era de São Paulo antes, dois terços nunca tinham morado na rua, 34,5% completou pelo menos o Ensino Médio, resumindo, é muito complicado tratar todo mundo do mesmo jeito.

3. O crack é o último estágio.

Isso quem me disse foi o Zé de Abreu Neto, um usuário de crack acolhido por um programa de redução de danos entrevistado por nós quando na produção do vídeo. Se eu fosse você, (re)assistiria o vídeo só para ouvir e prestar atenção no que o Zé tem a dizer.

Ele conta como a pessoa vai passando por várias drogas até chegar no crack, por um simples motivo:

4. O crack é uma droga perversa, potente e barata.

Geralmente, o crack se torna o último estágio porque é a solução que tem a 'melhor' relação entre o custo e o efeito. E é por isso que é muito difícil que o usuário reaja bem a uma política pública de tratamento que prevê a abstinência absoluta.

Pela experiência que tivemos lá e também por uma série de pesquisas realizadas recentemente, as políticas públicas que mais tem surtido efeito são as de redução de danos. Existe o exemplo internacional de países que estão a nossa frente no combate à dependência química, mas também estudos que comprovam isso baseados em exemplos de São Paulo, Rio de Janeiro e Pernambuco. Além disso, dados do Conselho Regional de Medicina de São Paulo dão conta de que 95% das pessoas internadas compulsoriamente tem recaídas e voltam ao vício.

5. A gente tem pressa em resolver os problemas da cidade, do país e do mundo.

Tanto as pesquisas quanto as mesas de bar confirmam que cada um de nós tem uma opinião muito fechada a respeito de como devemos tratar dependentes químicos. Em relação aos governantes não é diferente e o fato de que em São Paulo, especialmente, nenhum prefeito se reelegeu desde a redemocratização, faz com que as políticas sejam trocadas toda hora.

Vislumbrando um período curto no prazo, todos querem resolver a questão de maneira imediatista, mas os problemas de hoje são o acúmulo de século. Não dá para a gente achar que, só porque tem eleição em 2018, essas coisas vão se resolver de uma hora pra outra. Pensar política pública exige cuidado e planejamento.

6. Precisamos melhorar o debate sobre as drogas.

Considerando quão raro são os debates bem informados sobre as drogas, é compreensível que muitas pessoas estejam irritadas e desejando que o problema simplesmente suma, ainda que seja com ação policial. Mas as drogas são uma questão de saúde pública, não de polícia. Ninguém convence um usuário a força porque trata-se de uma dependência química. Tirá-lo de um lugar, só vai fazer com que ele ocupe outro.

Conversar com as pessoas que estão de fato sofrendo com o problema me convenceu de que a gente precisa urgentemente melhorar o nível da nossa conversa e para isso espero contribuir com mais alguns links abaixo.

Como aprender

1. Veja esse relatório que ouviu dependentes químicos

Se você não consegue conversar diretamente com um usuário, sugiro que leia esse relatório da Open Society (já citado aqui no texto) produzido por pessoas que puderam disponibilizar seu tempo para ouvi-los.

2. Leia essa explicação do que é Redução de Danos

Está claro pra mim que essa é a melhor alternativa que temos no momento, mas sei que você talvez não esteja convencido. Para que possamos conversar a respeito, sugiro que leia essa explicação do que é Redução de Danos muito bem baseada e sustentada por estudos acadêmicos produzida pela ONG/Centro de Convivência "É de Lei".

3. Assista essa palestra do Ted Talks sobre vício

Esta é provavelmente a melhor fala, versão resumida, sobre o que é vício, como ele acontece e quais suas consequências que está disponível na internet com legenda em português.

4. Assista a essa entrevista do Dr. Dráuzio Varella com Carl Hart

Um dos médicos mais respeitados do Brasil conversando com um dos maiores especialistas em crack no mundo, é quase uma referência obrigatória para quem for brasileiro e estiver interessado na questão.

Link Youtube

Por último, também te convido para participar dessa petição no site Minha Sampa e pressionar a prefeitura a ter atitudes mais eficazes e duradouras em relação a este problema.

* * *

Sei que escutamos por aí uma enxurrada de informações desencontradas, mas espero ter um diálogo construtivo, escutar perspectivas diversas e construir pontes de entendimento com vocês.

O que você considera bons caminhos para lidarmos com as drogas? Como tem se informado e conversado a respeito com seus amigos?

Seguimos nos comentários.

* * *

Nota da Edição: entrando na onda das referências que podem acrescentar ao debate, deixo aqui quatro links de veículos distintos no Brasil que foram usados na criação deste texto.

SuperInteressante: Drogas o que fazer a respeito

Politize!: O que o mundo anda fazendo em alternativa à atual política

Nexo: Por que o crack não é o único problema de quem está na Cracolândia


publicado em 21 de Julho de 2017, 16:57
File

Ricardo Borges Martins

Cientista Político e ativista apostando em construções coletivas em lugares como o Pacto pela Democracia, a Virada Política e o Advocacy Hub. Pode ser encontrado no Facebook.


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