3 motivos para não ter medo de gays

Um artigo baseado no inédito estudo "Você tem medo do quê?", sobre o medo entre homossexuais e heterossexuais

Eu sei que o o título deste texto parece provocação. Mas não é. Nós, brasileiros, temos medo da homossexualidade.  Somos um dos países mais violentos e homofóbicos do mundo. Humilhamos, agredimos e matamos gays, lésbicas e trans. 

Não integramos o grupo de 78 países onde a homossexualidade é considerada crime, mas ser gay, aqui, é aterrorizante e aterrorizador. 

No final do ano passado, Caio Coimbra, Julio Fucuta e eu, parceiros da agência Design de Causas, começamos a estudar essa relação: medo e homofobia

Começamos de um jeito bem informal: convidando amigos dos amigos e amigos dos filhos, de 20 a 30 anos de idade, a participar de conversas livres sobre o tema. Foi um debate tão bom, tão rico, que decidimos envolver a pesquisadora Marcela Malzone, do Estúdio Alecrim. Depois de dois meses, tínhamos entrevistado 35 jovens e doze militantes e estudiosos do assunto.

De um início sem objetivo muito definido, chegamos ao final do projeto com uma coleção rica de reflexões sobre homossexualidade e a convivência entre gays e héteros. Aqui estão os três motivos para não ter medo de gay.

1. Gay tem medo de morrer, hétero tem medo de ver menino usando saia

“Tenho medo de sair de casa e não voltar. Mas não estou falando desse medo que qualquer ser humano tem, especialmente os que vivem numa cidade grande. Falo do medo de sofrer uma violência física bárbara simplesmente pelo fato de ser gay.”  

Esse foi o relato de um de nossos entrevistados, um estudante de teatro, homossexual. Segundo as contas do último relatório da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República sobre homofobia, foram mortas 388 pessoas homossexuais e trans no Brasil, em 2012. 

O medo de nosso entrevistado é mais do que fundado.

“Aqui em casa, menino não usa saia.” Essa frase não saiu da nossa pesquisa, mas de um vizinho, um cara com quem encontro várias vezes no bairro tranquilo onde moro. 

Ele tem filhos da idade dos meus, uma kalopsita com meu nome (muito simpática, por sinal) e a capacidade de dizer uma barbaridade dessa para uma criança que estava usando uma camiseta na altura do joelho. Um menino. Que se expulsou da casa do amigo quando percebeu que o pai, o meu vizinho, estava falando sério. Eu estava na rua, ouvi e vi a cena. Como diz o genial Drauzio Varella, no famoso vídeo que fez sobre homossexualidade, esse meu vizinho deveria procurar ajuda. 

Alguém que rejeita e maltrata uma criança por medo de que… De que mesmo? De que o filho dele também passe a usar camiseta comprida?

Nossa pesquisa identificou uma lista de quatro grandes temores que a comunidade gay e lésbica tem dos héteros: além da homofobia enrustida, os entrevistados homossexuais declararam ter medo de morrer, de sofrer violências e de ser rejeitados

“Eu respeito, mas não acho legal.” Quantas vezes a gente ouve essa frase? Imagine passar a vida com ela. 

Tem um truque fácil de inversão de papéis que sempre funciona quando se fala de preconceito. Troquem a homossexualidade por qualquer outra característica: cor da pele, peso corporal, religião, estado de origem. “Eu respeito os evangélicos, mas não acho legal.” “Eu respeito os índios, mas não acho legal.” “Eu respeito as  mulheres, mas não acho legal que elas tenham os mesmos direitos que os homens.” 

Ui! Dói o ouvido? Pois é disso que estamos falando: rejeição. 

Sem querer vitimizar a comunidade LGBT, a lista de medos dos héteros passa por territórios menos, digamos, concretos do que a morte: medo de assédio, medo da promiscuidade, medo do fim da família, medo de privilégios. 

Boa parte desses temores têm os pais e a religião como base, o que não é novidade. O medo de ver os gays com mais privilégios do que outros grupos apareceu bastante na nossa pesquisa.  A luta por direitos iguais na Justiça e na sociedade provoca um sofrimento aparentemente e curiosamente inexplicável. 

Por que namorar em público, casar e adotar crianças é considerado algo ameaçador? Um privilégio? 

Só o fato de existir já faz da pergunta um elemento importante do debate. 

2. O segundo motivo é uma aposta na nossa capacidade de fazer piadas mais engraçadas. 

Um dos caras mais legais que entrevistamos confessou que se preocupa, se sente vigiado na hora de fazer brincadeiras com as palavras gay, bicha, viado. 

Como disse a Bruna, 10 anos, que participou de um debate sobre gênero, versão kids

“O menino não consegue subir na árvore, é gay. Não consegue tirar nota alta, é gay. Não joga bem futebol, é gay. Acho isso errado. Não tem nada a ver essas coisas com ser gay.” 

Me desculpe o meu entrevistado legal, mas não faltará repertório para a brincadeira entre homens. 

3. O amor é inclusivo

Como diz o escritor Andrew Solomon, autor de Demônio do Meio-Dia e Longe da Árvore, “não acredito em formas de amor não inclusivas”. 

Se é pra gente acreditar que o amor deve reger o nosso ideal das relações, por que incentivamos políticas e crenças que excluem? Eu adoro esse conceito do Solomon. 

Que medo é esse? O que horroriza tanto o meu vizinho ou as milhares de pessoas que “respeitam, mas não acham legal” a homossexualidade? As pessoas já têm medo de um bocado de coisas, especialmente do que não conhecem direito. Mas (em geral) os jovens ouvidos que convivem com gays na família ou no grupo próximo de amigos não vêem a homossexualidade como uma ameaça. 

Daí a proposta divertida de um dos entrevistados: “Ei, adote um gay!” Isso, adote. Ou ensine seu filho a respeitar os outros. (Também serve!)

Quero acreditar que a gente seja capaz de criar uma geração que não xingue meninos que usam saias, que não estranhe meninas que não usam rosa e que não mate homens que beijam outros homens. 

Paz, pelo amor!


"Você tem medo de quê?" – o estudo inédito entre jovens brasileiros sobre o medo entre homossexuais e heterossexuais, no qual se baseou esse artigo, pode ser baixado em pdf aqui. Lá, dentre outras coisas, você vai descobrir os 7 principais medos dos heterossexuais em relação aos gays.


publicado em 02 de Maio de 2015, 12:11
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Brenda Fucuta

Jornalista e sócia da Design de Causas, agência que desenvolve projetos de diversidade.


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