3½ Minutes, Ten Bullets: um documentário sobre violência e racismo

Jordan Davis foi assassinado por estar ouvindo música alta e o que isso tem a ver com preconceitos implícitos

Estreou ontem, na HBO americana, o longa documentário 3 12 Minutes, Ten Bullets e já adianto a carga desse filme.

A história é da morte de Jordan Davis, um adolescente negro de 17 anos que foi assassinado pelo que poderíamos chamar, no Brasil, de motivo fútil – estava ouvindo música alta com seus amigos no posto de gasolina – não fossem essas razões impregnadas de racismo.

Michael Dunn, o assassino de 45 anos, disparou dez tiros contra Jordan e seus amigos, e, no julgamento, chegou a alegar legítima defesa, insinuando que Jordan estaria armado, e expressa, sem reservas, sua irritação com o rap que ouviam os meninos.

O documentário, ganhador do Sundance Award, perpassa as minúcias do julgamento e põe gás no debate público que se iniciou desde o ocorrido sobre violência, armas de fogo e racismo, em um país que já vem fazendo os mesmos questionamentos de forma ativa – quem não lembra de Baltimore?

A história é contada do ponto de vista dos pais de Jordan, Ron Davis e Lucy McBath, que deram uma entrevista para a jornalista Erica Williams Simon, do Upworthy. Eles abriram não só as suas motivações pra fazer o filme, mas também os impactos esperados e a discussão que esperam gerar.

As falas de Ron e Lucy são muito lúcidas. Sabem que seu filho é um entre vários e que a vitória na corte representa muito, mas é um caso entre tantos outros que ficam sem justiça. Mas é bonito saber que ainda têm esperanças.

Tomei a liberdade de traduzir alguns trechos. Voilá.

EWS: Por que foi importante pra vocês dividir a sua história, a do Jordan, com o mundo todo? Por que vocês quiseram fazer o filme?

Lucy: (...) Também queríamos cutucar a consciência daqueles que assistem a filme. Queríamos abrir conversas nos lares, igrejas, ambientes de trabalho e na academia sobre o preconceito implícito, o racismo de Dunn e a violência das armas de fogo. Sabíamos que o único modo de realmente dar visibilidade ao que estamos tentando fazer é expor a nossa história como meio de motivar as pessoas a se mobilizar por algum tipo de mudança.

EWS: O veredicto culpado de Michael Dunn envia que mensagem pro mundo?

Lucy: Eu não acho que o veredicto tenha sido suficiente. Oferece algo de esperança, mas não é suficiente porque somos um dos únicos casos que viram a justiça. Há muitos outros casos injustiçados. Ainda há muito trabalho a ser feito.

Ron: O veredicto atestou que a vida dos negros importa. E também que Michael Dunn não estava certo em vir à Jacksonville e matar um de seus cidadãos. Eu queria esse lastro do estado da Flórida pra dizer que a vida de Jordan importa e que Michael Dunn não tinha direito de matá-lo.

EWS: Que efeito você quer que esse filme cause?

Ron: Que esse filme reconecte o público com as famílias e as vítimas. Lembro de ficar pensando no caso de Trayvon Martin – o júri estava desconectado de sua pessoa, se sentiram mais próximos a George Zimmerman (o assassino). É um modo de ajudar as pessoas que servem nos júris, gente que não tem contato com jovens negros ou afro-americanos em geral, a nos enxergar, a nos ver.    Eles precisam, de algum modo, conectar-se ao que nós e nossos jovens sofremos. (...) O que eu quero que aprendam com esse filme é a ver quem somos e o quanto podemos nos machucar quando perdemos alguém que amamos. A nossa humanidade.

EWS: Uma das coisas que me chamou mais atenção no filme é que ele tocou em diversas questões importantes como racismo e a violência das armas de fogo. Você acredita que o filme tenha sido capaz de despertar conversas significativas sobre esses assuntos?

Lucy: Em um festival de cinema recente, homens adultos se aproximaram de mim chorando. Três deles eram jovens brancos, millenials, e um era negro e mais velho, talvez lá pros seus 40 anos. Todos chorando muito.

O homem mais velho disse ‘Eu sei que isso existe, e sei que eu também passei por isso, mas tenho sido omisso e não tenho feito nada sobre o problema. E sou professor. Mas vou voltar atrás, incitar essa discussão na minha sala de aula. O filme fez meu senso de ativismo acordar.’

Um dos meninos brancos chorava e me dizia: ‘Eu sinto muito. Sinto muito que minha gente tenha feito isso com você’. Mas além de dizer que sentiam muito, as pessoas estavam dizendo que uma mudança havia de acontecer e que elas tinham que ser parte dela. E é isso o que as pessoas precisam fazer.

(...)

As pessoas tem uma propensão a não se preocupar com o que não é a sua realidade, mas quando você expõe essa realidade à elas, quando você as mostra a verdade, qualquer um que tenha senso moral não consegue ignorar a questão.

EWS: E por que esse filme deveria ser assistido?

Lucy: Porque vidas podem depender dele.”


publicado em 24 de Novembro de 2015, 15:02
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Marcela Campos

Tão encantada com as possibilidades da vida que tem um pézinho aqui e outro acolá – é professora de crianças e adolescentes, mas formada em Jornalismo pela USP. Nunca tem preguiça de bater um papo bom.


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