Nota editorial: acreditamos que nudez, sensualidade, desejo e diversidade são discussões essenciais de nosso tempo. E que há espaço para tratar disso sem objetificar e ofender, mas sim valorizando toda a riqueza do masculino e do feminino. Para entender porque publicamos ensaios de homens e mulheres e saber mais sobre o que aspiramos para a série "Bom dia", leia o que escrevemos aqui. E se tem um ensaio que deseja publicar, fale conosco pelo luciano@papodehomem.com.br .
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Tirar a roupa não é fácil. Ainda que eu seja ator e que a exposição deste corpo como objeto de trabalho seja pressuposta. Ainda que o João seja um amigo próximo em cujo o trabalho eu confio profundamente.
Tirar a roupa não é fácil porque sou um corpo grande, cheio de dobras e gordura, volumes, buracos, pêlos, estrias e trejeitos numa sociedade que preferia não me ver. Sou um corpo afeminado, viado e bicha. Por mais que essa seja minha força, é nesse corpo que eu carrego minha insegurança.
E nesse balaio todo, ainda veio a questão da drag. Comecei a me montar há dois anos e meio, e nesse tempo fui descobrindo que a Chica Didi é o melhor de mim e sua concepção estética é profundamente ligada à minha visão de mundo e às minhas questões com o corpo. Ficar quatro horas na frente do espelho, se encarando de frente e repensando suas formas, suas cores, traços e proporções não deixa de ser um processo terapêutico para esse corpo-pessoa que não sabe ao certo seu lugar no mundo. É minha armadura de guerra, meu flerte com o grotesco para aceitar o que há de esquisito em mim.
No dia do ensaio, saí montada de casa, depois desse processo ritualístico de me maquiar. Pegar transporte público durante o dia sempre é uma loteria, nunca sei como vai ser a abordagem das pessoas. (À noite também, mas como criaturas noturnas, as drags geralmente têm maior aceitação depois do horário nobre).
Nesse dia, entre os olhares assustados, reprovadores e negativos, tive sorte de recolher sorrisos e uma conversa em especial que me deixou intrigado, no mínimo.
Passei alguns minutos conversando com uma senhora pra quem dei carona no guarda-chuva, e ela não cansava de ressaltar a beleza da minha maquiagem. O que é, afinal, o belo? Minha maquiagem, provocativa e fora do padrão das drags femininas, era bela? Meu corpo, então,poderia ser belo?
Ainda com essas perguntas na cabeça, tirei minha última peça de roupa em frente à câmera, ressabiado como uma criança acuada que não acredita que a injeção não vai doer.
publicado em 18 de Fevereiro de 2019, 00:00