[+18] Bom dia, Bruno Penteado

O Bruno foi fotografado pro Projeto Imersão, criado pela Andrea Vicente.

Nota editorial: acreditamos que nudez, sensualidade, desejo e diversidade são discussões essenciais de nosso tempo. E que há espaço para tratar disso sem objetificar e ofender, mas sim valorizando toda a riqueza do masculino e do feminino. Para entender porque publicamos ensaios de homens e mulheres e saber mais sobre o que aspiramos para a série "Bom dia", leia o que escrevemos aqui. E se tem um ensaio que deseja publicar, fale conosco pelo luciano@papodehomem.com.br .

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Quase sempre, ao passar por tempestades mentais, acabo saindo fortalecido, evoluído, amadurecido… normalmente, com uma melhor relação comigo mesmo e com o mundo.

Cresci numa casa de pais que haviam sido jovens nos anos 60 e 70 e a questão do corpo nu nunca foi um tabu. Vivi por quase uma década na Itália, onde se convive o tempo todo com pinturas e esculturas das mais variadas épocas nas quais o corpo é representado sem vestes e onde o povo se desnuda na presença de desconhecidos com naturalidade, como nas praias e piscinas públicas, onde mulheres de todas as idades exibem os seios sem causar qualquer constrangimento, apesar de o país sediar o Vaticano. Mais tarde, estudei Artes Visuais e tinha contato frequente com modelos vivos nus nas aulas, performances e peças de colegas onde o corpo era mostrado com algum propósito relacionado ao trabalho. Sempre convivi com a questão do corpo nu com naturalidade e sem grandes preconceitos ou julgamentos.

Assustadoramente, uma onda conservadora, até há pouco velada, tem vindo à luz num país tão jovem e tão cheio de liberdades aos olhos do mundo; onde nos carnavais grande parte da população se aproveita do momento para se desvencilhar de suas vergonhas e paradigmas acumulados ao longo do ano, justamente mostrando o corpo. E onde até pouco tempo atrás, crianças cresciam assistindo a programas com apresentadoras seminuas e palhaços drogados, eu incluso. Onde um artista performando nu em um museu causa uma revolta de tais proporções que lembra um inimigo público ou um demônio a ser exterminado nos tempos da Idade Média ou das Trevas, termo que melhor se encaixa no acontecido.

Como artista e, principalmente, como pessoa, tais reações a algo tão simples, comum e corriqueiro como o corpo, que todos possuímos e carregamos enquanto pertencentes a este planeta, me causa extrema estranheza. Mesmo tentando com muito esforço, neste caso não consigo exercer minha empatia. Me colocar no lugar deste outro que luta contra algo tão natural e pertencente a ele também, me soa doentio.

Justamente por ter passado recentemente por uma turbulência mental, como já citei no início, venho sofrendo um processo de análise e retomada do meu eu, reavaliação de paradigmas e consequente amadurecimento.

Tenho revisto conceitos, desatado nós, me libertado de bloqueios, atos, hábitos e sentimentos ruins e inúteis. Por conta da questão de tentar me olhar de fora, me avaliar e mudar o que não andava bem e talvez também como uma forma de protesto e participação artística, moral e de resistência, consegui desatar mais esse nó ou tabu que carregava comigo.

Apesar de conviver com naturalidade com a questão do nu alheio, trazia ainda um bloqueio em relação a minha própria nudez em público. Daquelas coisas que se formam na mente sem que nem mesmo se perceba, regras sociais não ditas que tomam conta da gente e acabam nos impondo limites. 

Acabei por tomar a decisão de participar do Projeto Imersão, da Andrea Vicente. Nos falamos, marcamos data e local e nos conhecemos pessoalmente apenas no momento do ensaio. Surpreendentemente, o que poderia ter sido um grande desafio cheio de bloqueios e travas metais, acabou se mostrando algo totalmente oposto. Desde o primeiro minuto o trabalho fluiu com uma naturalidade tão grande que parecia que já havia feito aquilo milhares de vezes e a pessoa desconhecida ali presente, me observando através da lente, passou de um momento a outro a alguém íntimo e familiar. A conexão de ideias foi tão incrível que o trabalho resultou maravilhoso.

A experiência acabou me servindo, entre outras coisas, como uma espécie de terapia. O sentimento no final era de aceitação e libertação. Não a aceitação do meu corpo físico em si, pois nunca tive problemas com ele mas uma espécie de aceitação íntima, emocional, de quem sou e do que preciso reformular no meu caminho por aqui. Vivo bem melhor comigo mesmo depois disso.

Projeto Imersão 

O Projeto Imersão foi criado por Andrea Vicente e pretende evidenciar aquilo que há de mais íntimo em cada indivíduo, a sua morada. Mostrar e revelar diversas pessoas, comuns e iniguláveis, de duas formas distintas, apresentando sua pele e sua casa.

Desnudar quem se é, mostrando seu íntimo, seu hábito e o prazer de estar em seu templo - seu corpo e sua casa.

A pele é o órgão que separa o nosso interior do meio externo, é o que dá contorno e limite a quem somos, ao nosso corpo. É o que garante a nossa individualidade, o que nos dá forma. Revelar a própria pele, no local mais íntimo e prazeroso do seu cotidiano é revelar, também, a alma. O intuito do projeto é captar, com um olhar único e cuidadoso, este momento de pura harmonia do ser, expondo as diferentes formas que cada indivíduo encontra para estar em plenitude.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


publicado em 03 de Setembro de 2018, 10:15
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Bruno Penteado

Bruno Penteado, 39 anos, natural de Campinas, SP é artista plástico e arte-educador formado pela Unicamp; atua ocasionalmente como modelo.


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