12 trechos para conhecer a literatura contemporânea brasileira

E ir além do café com leite.

Do que você lembra quando pensa em literatura brasileira? Talvez seja involuntário passar por Machado de Assis, Jorge Amado, Carlos Drummond de Andrade, Clarice Lispector e esse povo todo. Isso é bom, essa galera manda muito mesmo, mas tá na hora de dilatar um pouco isso aí, de conhecer algumas referências mais atuais que lutam pela identidade de uma coisa que custa a emplacar e se chama literatura contemporânea.

Antes de trazer alguns exemplos, vale uma definição que encontrei no excelente Ficção contemporânea brasileira, o professor de letras da PUC-Rio, Karl Erik Schøllhammer, onde é abordada a produção literária nacional nas últimas três décadas. 

Ele tasca um Barthes logo no comecinho: “o contemporâneo é intempestivo”, e tenta firmar o sentido de seu estudo a partir disso:

“[...] a literatura contemporânea não será necessariamente aquela que representa a atualidade, a não ser por uma inadequação, uma estranheza histórica que faz perceber as zonas marginais e obscuras do presente, que se afastam da sua lógica. Ser contemporâneo, segundo esse raciocínio, é ser capaz de se orientar no escuro e, a partir daí, ter coragem de reconhecer e de se comprometer com um presente com o qual não é possível coincidir”.  (Pág. 10)

Schøllhammer, de forma sofisticada, quer dizer basicamente que a literatura contemporânea é o registro ficcional da confusão do agora, a imprecisão histórica do instante que há e que, a gente sabe, é uma bagunça. Como escrever sobre uma realidade que são várias, num período de desconstrução do homem e das suas relações políticas? Como enfiar internet, propaganda de cerveja, robôs, Estado Islâmico, genética, pornografia, depressão, WhatsApp e Malandramente numa narrativa?

Beatriz Resende, que também é pesquisadora literária, destaca os escritores da nova geração pela “sua multiplicidade e heterogeneidade tolerante”, alegando que “o século XXI se iniciou com amostras de uma grande dispersão de temas e estilos em convivência múltipla, sem a imposição de nenhuma tendência clara”. Ainda com ajuda deste livro, e levando em consideração as experiências literárias que tive lendo brazuca pra caralho, procurei identificar as principais características da ficção contemporânea nacional, a maioria delas bem observáveis nos trechos ali embaixo:

  • Estética experimental [linguagem, forma, técnicas];

  • Coexistência de elementos eruditos e populares;

  • Preocupação em abordar questões políticas e sociais;

  • Hiper-realismo e abordagens cotidianas e regionalistas (praticamente um flerte com a crônica);

  • Intertextualidade e forte diálogo da literatura com ela própria.

Foi mal ter me alongado um pouco nesse começo, mas acho interessante dar uma contextualizada, principalmente porque períodos não são divididos somente pelo tempo, mas por transformações práticas. Enfim, vamos ao que interessa: aos trechos!

A escolha dos textos foi feita pelo Leia Brasileiros, uma newsletter que criei. Lá envio, todos os dias, um trecho de literatura brasileira de forma bem democrática: romance, conto, poesia, autores negros, autoras mulheres, literatura indígena, repente etc. E é de graça, claro, porque a ideia é compartilhar. Como a proposta deste texto é falar sobre literatura contemporânea, selecionei 12 trechos, que já enviei por lá, para vocês ‘degustarem’. Caso se interesse em saber mais, dá pra se inscrever pelo site. É facinho. Só nome e e-mail.

1. Rogério Pereira

Este foi o primeiro trecho que enviei. Livro fabuloso da falecida Cosac Naify. São apenas 128 páginas, dá pra ler numa tacada só. O Rogério Pereira também fundou o jornal Rascunho, uma das maiores (e únicas, infelizmente) publicações literárias do Brasil.

2. Elvira Vigna

Tenho o orgulho de estar constantemente enviando trechos de autoras. A Elvira Vigna é uma das minhas preferidas, por exemplo, e é uma pena que ela é pouco lida. Mas este mulherão, de 69 anos, só escreveu livro bom na carreira. Tá rolando uns boatos que o último (Como se estivéssemos em palimpsesto de putas) é o seu melhor. Tô ansioso pra pegar.

3. Daniel Galera

Este é o trecho que mais me emocionou em toda minha história de leitor. O Galera já apareceu aqui no PdH em outra ocasião, mas é sempre bom lembrar de um dos melhores escritores da atualidade. Pra quem curte HQ, ele criou uma em parceria com o filho do Laerte (Rafael Coutinho). Recomendo também.

 

4. João Gilberto Noll

Este, imagino, é um dos nomes mais conhecidos da lista, talvez o mais. O Noll é uma autoridade quando o assunto é literatura nacional. O Harmada dele teve repercussão mundial e talvez esteja figurando a lista dos dez melhores livros desta geração aí. Mas vocês têm que ver mesmo o vídeo do youtube dele fazendo leitura de um livro dele. Lê com a voz fininha, é engraçado pra caralho.

5. Michel Laub

O Laub, além de um ótimo escritor, é também um crítico literário de mão cheia. Ele tem um blog onde compartilha todos os filmes, livros, documentários, álbuns e reportagens que viu em fins de semana. Tirei muitas sugestões de lá.

6. Vilto Reis

Dono do maior blog de literatura que eu conheço, o Homo Literatus, e do maior podcast literário do país, o 30:MIN, o Vilto é um cara mega dedicado à literatura e que agora vai lançar um livro, que financiou junto com a própria editora via Catarse (a editora Nocaute).

7. Luiz Ruffato

No Facebook, eu disse fim do ano passado que o melhor livro que li em 2016 havia sido um do Marçal Aquino (também nesta lista de trechos), mas a verdade é que foi esse do Ruffato, sem dúvida. Ele narra um único dia em SP em vários recortes, trocando de linguagem, invadindo a realidade de várias famílias e pessoas. O livro todo tem uma ‘audição’ linda.

8. Rafael Sperling

 

Este livro do Sperling gerou um bafinho quando saiu, devido ao seu teor bem experimental e nonsense. Foi o e-mail mais aberto no Leia Brasileiros até hoje.

9. Lísias

O Lísias é um ótimo escritor e este conto dele aí deu uma confusão danada. Ele narra a própria morte utilizando montagens de notícias e documentos de investigação. A Justiça ficou sabendo deste conto pelo Facebook e não curtiu muito; abriram um inquérito por falsificação e uso de documento público. O Lísias teve que ir lá explicar que tudo era literatura.

10. Marçal Aquino

Tá aí, outro livraço! Não foi o melhor que eu li ano passado, mas foi o segundo, sem dúvida. E o mais bacana é que a história se passa no Pará, um cenário incomum se tratando de literatura brasileira.

11. Ana Martins Marques

Também não posso deixar os amantes de poesia fora da brincadeira, né, então eu mando bastante poesia – principalmente contemporânea. A Ana Martins é de uma nova safra muito boa de poetisas. Vale citar também o nome da Bruna Beber e da Alice Sant'Anna.

12. Giovanni Arceno

Opa! Na humilda queria falar do meu livro também. Ainda não tenho link pra vender nem saiu a pré-venda, mas finalzinho de fevereiro ele tá aí. Sairá pela Editora Oito e Meio. Se você curtiu, se inscreve na news que eu falo sobre ele lá de vez em quando – embora este não seja nem de longe o foco do projeto. Meu livro aparece lá no máximo uma vez por mês.

Espero que vocês tenham gostado! Deixei bastante coisa de fora, então diz aí se você sentiu falta de algum livro aqui na lista.

 


publicado em 21 de Janeiro de 2017, 00:05
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Giovanni Arceno

Giovanni Arceno é estudante de jornalismo. Tem mais amor pela literatura que amor próprio.


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