Volvo Ocean Race: por que eu estava lá?

No exato momento em que começo a escrever este artigo sobre a Volvo Ocean Race, fazem 11 dias, duas horas e 57 minutos que os participantes do evento saíram de Alicante, na Espanha, rumo a uma disputa que durará nove meses e percorrerá "só" o mundo todo.

E fazem pouco mais de 11 dias que eu estou me perguntando: “Que porra eu fui fazer lá?”.

Link YouTube | Quase 40 anos de história e o PapodeHomem lá, descascando batata no porão

Eu não sou especialista em barco a vela, nem em mar e muito menos tenho contato algum com qualquer tipo de esporte náutico. Acompanhei, por quatro dias, outros jornalistas brasileiros: um garoto do portal Terra, uma linda apresentadora da ESPN e um diretor de redação de revista especializada no assunto. Todos eles focados em cobrir um puta evento de grande porte sobre vela e oceano; E eu estava ali, correndo por fora, representando o Papo de Homem, a não-revista masculina. Tinha, eu, a obrigação de ver tudo aquilo sob a ótica masculina para escrever para vocês, homens.

Loucura, não? Eu poderia falar da aventura, de seis equipes que estão correndo o mundo, passando por quatro mares e enfrentando todos os tipos de condições de comportamento das águas, ventos e humores. Eu podia citar também as gostosas europeias, as espanholas charmosas e extremamente maquiadas, a equipe da Volvo que era formada por vistosas suecas e dizer que eu fiz uma bela suruba ou saí cada noite com uma garota de nacionalidade diferente para tentar bater meu objetivo no War da vida de conquistar 24 territórios da minha escolha. Mas tudo isso seria balela perto do que vivenciei.

O que vi por lá foi uma corrida de barcos a vela guiados por seis equipes de atletas muito experientes e entregues à aventura plena. São homens que saíram da Espanha rumo à Cidade do Cabo, que depois passarão por Abu Dabhi, por Sanya (na China), Auckland (Nova Zelândia), Itajaí (Santa Catarina, Brasil), Miami (Estados Unidos), Lisboa (Portugal), Lorient (França) até o destino final, em Galway, na Irlanda. Em todas essas etapas, cada um  deles passará por provas de resistência enormes, ventos estúpidos, ondas de tamanho incomum, convivência obrigatória, alimentação regrada e até banheiro aberto com todo o incômodo balanço do mar. Esses atletas dormirão em pequenas macas acopladas no interior dos barcos, serão acordados a todo o momento para traçar planos e domar seus transportes nas águas enjoadas do planeta.

Eu olhei nos olhos desses caras. E vi, dentro de todos eles, uma excitação fora do comum.

Na coletiva de imprensa com os capitães de cada equipe, todos eles foram duramente questionados sobre o percurso para Abu Dabhi, momento em que percorrerão a costa norte da África, tomada de piratas como os da Somália. Pensando na continuidade do evento e na segurança dos atletas, em determinado ponto as seis equipes terão que colocar seus barcos dentro de um grande navio para percorrer o trecho mais conturbado pela ameaça pirata e continuarão a corrida quando o “perigo” passar.

Bandidos somalis (chega a ser ofensa chamá-los de piratas) podem colocar em risco a graça do evento e a integridade física dos atletas

Sobre o questionamento sobre pensamentos, equívocos e cuidados com os barcos, todos foram bem diretos ao afirmar que tudo pode acontecer e que a corrida deve sim passar por esses percalços. Foi interessante ouvir isso deles. Foi mais ou menos aí que comecei a entender o que estava além de tudo aquilo. Comecei a entender o que eu estava fazendo ali.

A audiência da corrida em seus nove meses é de 1,3 bilhões de pessoas. O controle da prova monitora os barcos a cada 15 minutos e possui sensores que monitoram a velocidade do vento, tamanho das ondas e acompanham toda a movimentação em cada barco com sete câmeras em cada um deles. Muitas dessas pessoas estão interessadas no esporte, nos detalhes da prova, nas nuances da estratégia de cada equipe. Mas a maioria esmagadora está com os olhos voltados para a excitação, a aventura, a inspiração que todo o evento provoca.

No grande dia da largada, uma massa compacta de pessoas se espremiam para acompanhar a grande sacada da Volvo Ocean Race: o drama humano.

Esse foi o dia da benção dos barcos, com quebra de champanhe em cada um deles. Foi o dia em que o príncipe Felipe de Bourbon foi ao local para desejar boa sorte aos atletas. Foi o dia da linda despedida de cada homem da sua família, que acompanhará a distância todas as provações de cada um deles. Esse foi o dia de uma catarse fora do comum, em que seis equipes de velejadores receberam graças de guerreiros que partem para salvar seu povos. Foram momentos de ansiedade, sorrisos e lágrimas. Foram minutos finais de glória e desafio em longo prazo. Foi dia da celebração do drama humano.

E eu estava lá, dentro de um barco de imprensa, acompanhando cada movimento, cada adeus. Vi a admiração de todos os jornalistas daquele barco. Não era uma cobertura comum e fria de uma competição. Era o acompanhamento de um bando de homens prontos para enfrentar a batalha de suas vidas. Homens dispostos a chegar ao limite do drama humano de superação, de encontro de uma energia que não se sabe de onde vem e de uma vontade de vencer, não só uma prova, mas de vencer todos os obstáculos que estarão sedentos pelo fracasso alheio.

Link YouTube | E olha que o que não falta é situação adversa pronta pra lhe pontuar um fracasso

E eu estava lá, em meio a tudo isso, para chegar a conclusão de que todo homem nesse mundo tem a obrigação de conhecer o drama humano, absorver toda a lição e construir pra si seu próprio drama, com todas as provações e todos os méritos digno de um homem.

É isso que o tal drama humano que tanto repeti faz: constrói um homem digno.


publicado em 16 de Novembro de 2011, 13:00
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Jader Pires

É escritor e colunista do Papo de Homem. Escreve, a cada quinze dias, a coluna Do Amor. Tem dois livros publicados, o livro Do Amor e o Ela Prefere as Uvas Verdes, além de escrever histórias de verdade no Cartas de Amor, em que ele escreve um conto exclusivo pra você.


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