Um pouco de contexto sobre o pornô (vindo de um ator)

Alguns meses atrás recebi um e-mail de uma jornalista, e marcamos um encontro num café perto de meu apartamento. Ela queria me entrevistar sobre algo, o que seria exatamente eu não pude determinar. Enfim, ela estava trabalhando numa matéria sobre pornô, ainda que minha participação no fim das contas fosse irrelevante para o tom final da coisa.

Mesmo assim, ela queria conversar. Algumas das coisas que ela tinha a dizer me interessaram. Não recordo exatamente nenhuma delas, mas lembro de uma ideia que ela propôs com relação a uma afirmação comum. A jornalista me disse muitas vezes ter ouvido sobre a influência perturbadora da pornografia nos jovens, principalmente pelo acesso extremamente fácil e pela falta de um contexto que a acompanhasse. Ela então disse que eu era um contra-exemplo. E que agora, mais do que nunca, há um grau avassalador de contexto. Apenas se as pessoas forem atrás.

Meu papel como “exemplo” tinha a ver com o fato de que sou ator pornô e escrevo sobre pornografia. Algumas vezes o faço para sites ou publicações impressas, mas muitas vezes num formato não oficial de blog (Trve West Coast Fiction). Mais ainda do que isso, eu estou sempre jogando meus pensamentos, piadas, interesses e sugerindo elenco de pornôs nas minhas várias linhas do tempo em redes sociais.

Um dia de trabalho
Um dia de trabalho

Não sou o único. Quase todas as “estrelas” pornôs que conheço têm Facebook, Twitter, Tumblr, Instagram, blog, etc… nos quais pensamentos, sentimentos, imagens, interesses, fantasias e verdades sobre pornografia são compartilhados diariamente. Essa vasta gama de informação provê, no mínimo, algum contexto para o que ocorre em (insira-url-de-tube-feed-pirateado).

É claro, há certo limite de idade abaixo do qual qualquer ser humano não possui grande capacidade de lidar com contexto. E, sem dúvida, quanto mais jovem for a criança exposta ao pornô hardcore da internet, menos provavelmente ele/ela vai entender que porra está acontecendo. Por outro lado, quando estamos falando de gente um pouco mais velha, alguma responsabilidade precisa ser estabelecida seja a um estado de profunda dificuldade econômica, ou a um estado de ser um consumidor preguiçoso e desinteressado. Para aqueles que tem um computador e um acesso rápido à internet, vou assumir a segunda condição.

Pense dessa forma:

A primeira exposição à música que uma criança vive deve ter sido algo como Hannah Montana ou Justin Bieber. Por um tempo essa criança pode acreditar que determinada versão enlatada de pop é a única música que existe. Ele/ela então cresce e continuar a ouvir música daquele tipo. Mas se aos cerca de dezesseis anos a criança ainda não estiver ciente que a categoria “música” é tão vasta quanto a categoria “mamífero”, e que Hannah Montana é um personagem fictício interpretado por (Miley) Destiny Hope Cyrus, e que Justin Bieber não ascendeu ao sucesso em virtude de mero talento, há algo errado. Há algum elemento de inaptidão social, falta de exploração, uma natureza desinteressada com relação ao ambiente, ou…

Ok, esta analogia não é totalmente justa no que diz respeito à pornografia. Uma criança assiste – pela primeira vez – um vídeo de duas pessoas nuas fodendo. Os pais não querem falar sobre o assunto. A escola também não quer falar. Os colegas têm pouco conhecimento sobre o assunto. O processo exploratório natural se torna imediatamente hostil e limitado.

Até que damos conta de colocar a internet na equação.

* * *

Minha amiga, Cindy Gallop, administra um site chamado MakeLoveNotPorn.com que fornece o que creio serem informações bem básicas. O conceito ali é que a pornografia expressa certa visão da sexualidade, que nem sempre é a mesma da vida real. Essencialmente, “pornografia é diferente de sexo”.

Cindy Gallop, fundadora do MakeLoveNotPorn.com
Cindy Gallop, fundadora do MakeLoveNotPorn.com

De início achei muito óbvio. Mas eu já assisti pornô, fiz sexo, participei de pornô, e então fiz mais sexo. Entendo que minha própria experiência em frente às câmeras não seja exatamente a experiência do público geral. É bem possível que minha visão esteja distorcida.

Reconheci algum feedback sobre minha visão acontecendo no site “Make Love Not Porn”, e comecei a compreender quanto ela estava distorcida. Muitas pessoas consideravam a discussão sobre a pornografia ser diferente do sexo na vida real bastante profunda.

Por quê? Talvez nós na indústria do pornô não estejamos fazendo nossa parte. Talvez nós não estejamos permitindo um discurso autêntico sobre nosso próprio e amplamente consumido produto.

Então quando entrei no site e vi todas aquelas pessoas falando sobre pornô. “Onde tava essa gente uns anos atrás?” Não conseguia responder. Mas agora estavam ali.

O site de Cindy Gallop foi notícia no mundo inteiro. Ela chegou a me convidar para falar sobre ele em programas de entrevistas diurnos na TV.

Mês passado fui a uma conferência sobre pornô feminista. Uma das palestrantes (e uma líder do movimento do pornô feminista), Tristan Taormino, falou sobre o contexto como sendo algo implícito na produção de seus filmes.

Estrelas pornô de primeira linha como Jessica Drake e Stoya escreveram artigos e colunas sobre seus trabalhos, e muitas vezes atuam como educadoras sexuais.

O professor Constance Penley tem lecionado cadeiras universitárias sobre pornografia desde o início dos anos 90, e inspirou a criação de um campo de estudo. Já existe até mesmo um periódico acadêmico inteiramente dedicado ao assunto.

Até onde posso ver, o contexto está presente por todo lado.

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Sei que é um pouco difícil lidar com isso em termos da juventude. É ilegal crianças assistirem pornografia, e assim os adultos não sabem falar com eles sobre o assunto. Ainda assim, é com as crianças que todo mundo se preocupa tanto. Porque já fomos crianças, e a maioria de nós sabe que conseguiu obter pornografia enquanto criança.

Certo, hoje em dia é mais fácil do que nunca. Essa realidade deve ter suas ramificações. Mas para aqueles que cresceram antes da revolução da pornografia na internet: “Que contexto você tinha quando descobriu sua primeira revista de mulher pelada?”

O que é constante nisso tudo é que o sexo, como tudo mais, requer certo grau de aprendizado e experimentação, e isso geralmente começa com avanços desajeitados. O desafio da juventude é que sempre há mais conteúdo a cavocar, a aprender, e a digerir do que foi disponibilizado para a geração anterior. Diria que é responsabilidade das gerações mais velhas fornecer aos jovens ferramentas para lidar com tudo isso. As ferramentas são a educação e o contexto.

Em setembro de 1994, você ia ver essa capa da Playboy em qualquer banca de revistas
Em setembro de 1994, você ia ver essa capa da Playboy em qualquer banca de revistas

Estamos fornecendo isto aos jovens? Talvez não de forma explícita. Mas também não orientamos o mercado do pornô diretamente para eles. Ainda assim os garotos e garotas são espertos, e estão interessados em sexo. Vão encontrar o pornô porque ele existe. Minha esperança é que eles também encontrem o contexto.

E é aqui que sinto que a responsabilidade recai sobre o indivíduo. A informação é fácil de achar. Vivemos na era da informação. Se está lá – e acredito que esteja – vá atrás dela. De outra forma existimos num estado de guerra quanto a censura iminente (para nos “salvar”, o que seja).

Como todo movimento de censura, o ativismo contra a pornografia diz que o pornô é ________. Preencha esse campo com violência contra mulheres, exploração, ou qualquer traço indesejável que se possa afixar a um filme de sacanagem. É uma afirmação geralmente baseada na observação da realidade.

Porém, com ultimatos desse tipo, quase equivale a dizer que comida significa fazendas industrializadas e aditivos químicos que causam o câncer. Talvez seja verdade se a experiência culinária da pessoa não vai além do McDonald’s. Mas a mim parece mais útil avisar sobre o mercado da fazenda familiar do que dizer, “comida é prejudicial e você não a deve ingerir”. Esse é o papel de um adulto responsável.

O papel do consumidor é simplesmente chegar nessa conclusão. Não é possível jogar toda essa responsabilidade sobre as crianças. Mas digamos que quando você completar dezoito, ou pelo menos vinte um anos de idade. Você não pode seguir na sua vida simplesmente aceitando a primeira coisa que lhe apresentam como sendo uma verdade essencial.

Talvez você tenha assistido uma cena do Brazzers aos doze anos de idade e a considere influente. Alguma vagabunda tomando pau de um garanhão esculpido e bem dotado. Ela gozou várias vezes em galinha assada reversa, e isso na pia da cozinha. Ele a engasgou com o pau e então gozou em seu rosto. No fim ela cospe a porra bem na boca de sua melhor amiga. Grande fantasia, certo? Bem, tente recriar esse cenário na noite em que pretende perder o cabaço. Tenho certeza que não vai dar certo.

E se isso é tudo que você precisa saber sobre sexo (ou até mesmo só sobre pornografia) quando chegar na idade adulta, algo deu errado. Em plena era da informação você falhou em aprender qualquer coisa útil. Exceto como se masturbar. O que – vamos convir – também é algo que é bom saber.

* * *

Mas o que seria esse tal “contexto útil”? Suponho que não seja justo apenas dizer “está por aí”, e deixar isso assim. Aqui listo algumas coisas que considero importantes. Se você as achar óbvias, ótimo! Elas justamente devem ser óbvias para um adulto.

Primeiro, considere as linhas de tempo de estrelas pornô nas redes sociais. Se você cresceu pensando que uma pessoa que faz sexo como ganha-pão deva ser _______ (preencha esse espaço com qualquer qualidade arbitrária), você provavelmente está errado. O chapéu pode servir para alguns entre nós. Porém, atores de pornô são pessoas. Somos seres complexos com interesses, motivações, sonhos e aspirações.

Meu ponto aqui é que uma garota até pode ser chamada de “puta” momentos antes de implorar pela “porra” de algum cara. Logo depois disso, ela sai do estúdio de filmagens e segue administrando seus negócios, ou vai para casa cuidar dos filhos. Um astro ou estrela pornô não existem apenas dentro dos limites da atuação.

Por que é importante saber isso? Bem, li várias histórias reais sobre assédio sexual na rua ou no local de trabalho. A frequência desse comportamento sugere que muitas pessoas mantém a crença (consciente ou inconsciente) de que o assédio sexual agressivo é adequado em qualquer ambiente, e será aceito de braços abertos. Você gostaria que alguém se masturbasse sobre você em toda e qualquer situação de sua vida? Se você respondeu “não”, é provavelmente porque você é um ser humano. É preciso lembrar que até mesmo o mais tarado astro ou estrela pornô possui esse traço em comum com você.

Em segundo lugar, a pornografia é um meio visual como o cinema ou a televisão. Há documentários e espetáculos de produção luxuosa, e tudo mais que possa existir entre estes extremos. Quando parece elaborado e cuidadoso, é provavelmente porque foi feito assim. E quando astros e estrelas se viram para a câmera e dizem “é assim que quero fazer sexo”, temos a inclinação de acreditar neles.

Deixe-me fornecer alguns exemplos.

Recentemente fiz uma cena para o site da Naughty America chamado MySistersHotFriend.com. Deve sair daqui um ou dois meses (Nota do editor: em referência ao texto original). Kleio Valentien contracenava comigo. Nosso sexo foi uma atuação. Ainda assim, foi tão bom quanto poderia ser, dadas as circunstâncias. Evidente que curtimos um ao outro, nos beijamos muito, e nos divertimos. Ainda assim, eu abri a minha coxa e puxei a bunda dela para o lado para que a câmera pudesse ver melhor a penetração. Inclinei-me quando o fotógrafo se aproximou por trás para obter uma tomada “ponto-de-vista”. Esse tipo de coisa eu nunca faria na vida real. Não são coisas práticas e não tornam o sexo melhor para mim ou para minha parceira.

Se você comparar o cenário acima com o vídeo que fiz com minha parceira na vida real e disponibilizei em MakeLoveNotPorn.TV, você verá algumas diferenças. Não abro minhas coxas. Não puxo a bunda para o lado. Muitas vezes não se vê penetração alguma. Nossos corpos estão muito mais próximos um do outro. Há mais preliminares.

Link Youtube

Agora, eu também atuo regularmente num site chamado HardcoreGangbang.com. A maior parte dos cenários envolve cinco a oito caras fazendo sexo com uma mulher. Muitas vezes há uma sequência introdutória na qual a garota é mostrada sendo sequestrada ou forçada a fazer o sexo. As cenas são geralmente violentas e envolvem dupla penetração.

Nunca participei de um gangbang na vida real. Fora do pornô, houve só uma circunstância em que fiz sexo com mais de uma pessoa ao mesmo tempo. E depois de atuar em algumas dúzias de gangbangs filmados, não posso imaginar querer recriar algo assim na minha vida pessoal. São muito difíceis de se fazer funcionar.

Há muito parar e recomeçar. Temos que nos reposicionar de forma que a câmera possa ver o que está acontecendo. Muitas vezes a garota precisa descansar. Os caras perdem as ereções. A maior parte do tempo se fica de pé, se masturbando. É trabalho.

Ainda assim, de um ponto de vista de fantasia, os gangbangs ficam ótimos na tela, quando são bem feitos. É uma bravata sexual exagerada. É o equivalente pornô de um filme do Michael Bay. É a prova de que não importa o meio, as pessoas gostam de um espetáculo.

Algum desses filmes é melhor do que o outro? Falando objetivamente, “não”. Porém, alguns são exclusivamente para finalidade de entretenimento, enquanto que outros possuem valor no mundo real (como por exemplo apresentando formas de se conectar com parceiros sexuais).

Parte do crescimento e do aprendizado é a capacidade de diferenciar. Porque sim, você realmente pode assistir um filme de ação e então sair por aí atirando nas pessoas. Mas é uma terrível má ideia. E, porra, você devia entender isso.

Então tome responsabilidade e aprenda sobre as coisas que o interessam. Vivemos numa era de internet, e é muito provável que você assista pornografia. Talvez você deva buscar mais informação sobre ela. Obter algum contexto. Há muitas pessoas fazendo sua parte em facilitar isso. Quanto mais velho você fica, mais será sua culpa você não dispor do contexto. Isso significará apenas que você não está prestando atenção.

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Nota do editor: este texto foi publicado originalmente no Medium do autor e traduzido sob autorização.


publicado em 27 de Setembro de 2014, 11:09
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Danny Wylde

Pornógrafo, escritor, músico e produtor de filmes residente em Los Angeles, Califórnia.


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