Tributo à Legião Urbana: a culpa é do Renato Russo

Não podia dar certo. Eu já disse há algum tempo, mas agora, no meio dessa febre Legião Urbana/Dado/Bonfá/Wagner Moura, só confirmei ainda mais todas as teorias sobre tanto tempo perdido. Não podia dar certo. Uma geração que foi educada sentimentalmente pelo Renato Russo não ia crescer direitinho. E deu no que deu: tudo acabou no Rivotril.

Se pá, um pouco de uísque também. Vodka talvez.
Tributo à Legião Urbana

Um amigo disse: "pros fãs de Camisa, tinha a piranha da Sílvia; quem gostava de Ultraje, tinha sexo pelado. A gente não. A gente estava ali, pirando em Acrilic on Canvas com nossos LPs na mão. E o que nos sobrou?"

Saudade então, e mais uma vez. Que escolha foi essa? E...

Pra que mesmo?

Quando escutei sobre o show com Wagner, não entendi a proposta. Alguém ainda quer gritar, sofrendo na frente de um palco, frases sobre um suicídio e dizer que a culpa é dos nossos pais?

Quer.

Depois, com olhos mais pacientes, assisti aos ensaios da banda com o ator, num making of bem editado pela MTV. Wagner Moura me conquistou pela verdade com que interpretou "A Via Láctea", música que os fãs conheceram depois da morte de Renato, no lançamento de A Tempestade, em 1997. Ele é um fã. Se nessa faixa, um compositor agonizante se esforça para dizer que "queria ser como os outros e rir das desgraças da vida", a versão de Wagner é uma interpretação cheia de ternura de uma das músicas mais depressivas do rock brasileiro. E quem é que sabe por que se sente assim? Nem o Rivotril explica.

Link YouTube | Sai dessa que é cilada do Renato Russo, Wagner!

Somos quase tão jovens

Enquanto as novas gerações estão por aí querendo tchu, querendo tcha (parece simples, não parece?), a gente está querendo alguém com quem conversar. E não é só isso. Precisa ser alguém que não use o que eu disser contra mim. Diz aí: tá fácil?

Não é culpa nossa. A culpa é do Renato Russo. E dos nossos pais, claro, que deixaram a gente trancado nos quartos por horas com aqueles disquinhos e a desculpa: “deixa as crianças, é só rock”. Nem rock era. Eu não queria me ver assim (onde já se viu sorriso ferir?).

Não fosse o Renato, eu, barco a motor que sou, não estaria aqui insistindo em usar os remos. Há muito estou alheia (precisa ser tão cafona?) e quem entende? Ninguém, lógico. Nem você, que chegou até aqui com paciência em meio a tanta poesia de parachoque de caminhão – na época da faculdade eu briguei com alguém que usou essa definição ofensiva, mas guardei achando que um dia serviria.

Só terminou pra você? Como assim?

Não fosse essa educação sentimental equivocada, não estaríamos discutindo em nossas intermináveis DRs se é dor ou vaidade – muito menos argumentando que o relacionamento terminou só pra uma das partes. Desculpe, Renato, não tem como. Fim é fim e pronto, cara.

Olha o tempo que você tá fazendo a gente perder com tanta dor. Só porque você não vê o tempo que passou todo dia quando acorda, não quer dizer que a gente vai fazer o mesmo. Ou vai. A gente precisou do líder sentimental na adolescência. E agora, precisamos mesmo é de culpados. Sinto muito.

Link YouTube | Lembra que o plano era ficarmos bem, Renato? Pois é. Não estamos. Culpa tua.

Foi você que ensinou que era normal sermos animais sentimentais que se apegam facilmente ao que desperta o desejo. Pô, podia ter pegado mais leve nessa. E agora? Estamos há 20 anos cortejando a insanidade e o equilíbrio que é bom, ninguém viu. Tá, já passou, quem sabe outro dia.

Ficamos aqui sozinhos com Dado e Bonfá – cujas fotos mostram que o tempo passou sim – e, agora, veio o Wagner Moura, solidário à nossa causa. O mundo não anda tão complicado. Quem ficou complicado foi a gente mesmo. E a culpa é sua.

Nós não temos nenhuma resposta (não que tenha alguém esperando) e o caos tá aí, seguindo em frente com essa calma toda. E o único alento que você deixou foi uma condenação: é só a gente quem tem que decidir o que fazer para tentar ser feliz. Aí sim, nada mais vai nos ferir.

***

No fim do making of, quando alguém afirma que Wagner estava solto no ensaio, o ator explica com um substantivo simples e velho conhecido nosso: "é a cachaça. Cachacinha...”

A gente entende, Wagner. Sem ela, não seria possível. Você é uma vítima, como nós. Poucos se salvaram.

Link YouTube | Nós não vencemos, Renato. Só você

Urbana Legio Rivotril Vincit.

Obs: Esse texto é um mea culpa. Comprei o ingresso e vou ao show hoje. Ontem fui correndo pra casa, ver na tv.


publicado em 30 de Maio de 2012, 07:12
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Luciana Bugni

Luciana Bugni só fez jornalismo para entrevistar seus amigos quando eles virarem rock stars. Pode ser encontrada no Twitter.


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