Assista ao trailer do documentário "Precisamos falar com os homens? Uma jornada pela igualdade de gênero", em primeira mão

"Se os homens são parte do problema, eles também devem ser parte da solução." – Marcos Nascimento

Todo nosso 2015 e começo de 2016 foi dedicado a um projeto que vem correndo nos bastidores. Os mais atentos já me viram falar sobre.

Uma iniciativa conjunta entre PapodeHomem e ONU Mulheres, viabilizada pelo Grupo Boticário, cuja fagulha surgiu a partir de um desafio aberto por eles (e pela Emma Watson, também):

– Como podemos envolver mais homens no movimento pela igualdade de gênero?

A resposta está no trailer abaixo, de um documentário a ser lançado após o meio do ano. Nosso coração está em cada canto desse trabalho.

Ter a chance de conceber e executar empreitadas com essa dimensão e potencial benéfico é parte do que sonhamos quase dez anos atrás, quando surgimos:

Assista ao trailer antes de ler o restante do artigo, é essencial ;-)

Como os dados no trailer mostram, a desigualdade não é um achismo ou exagero. As mulheres são discriminadas na política, no ambiente de trabalho, nas relações domésticas e sofrem também com condições precárias ligadas à saúde reprodutiva – sendo essas as principais dimensões do índice de igualdade de gênero das Nações Unidas.

São violentadas abertamente (a cada quatro minutos, uma mulher é vítima de agressão no Brasil) e sofrem também de modo silencioso, por conta de vieses muitas vezes inconscientes que as fazem ser julgada menos capazes.

Ano passado ficou marcado como a "primavera das mulheres" no Brasil.

Elas ocuparam as redes sociais com as hashtags #PrimeiroAssédio, #Agoraéquesãoelas e #MeuAmigoSecreto. Ocuparam as ruas com manifestações contra a "PL do Aborto". Tivemos a redação do ENEM cujo tema foi violência contra a mulher. Isso só para citar algumas das movimentações mais importantes.

primavera-das-mulheres.jpg

Absolutamente ninguém passou imune. A conversa, agora, envolve todos.

Tá, mas o que é mesmo igualdade de gênero?

Uma das maiores dificuldades ao dialogar sobre qualquer coisa é a falta de uma linguagem compartilhada, de saber o que o outro quer dizer quando ele diz o que diz.

Compreensivelmente, cada um interpreta de modo particular o que igualdade de gênero significa e gastamos pouco tempo checando qual o entendimento do outro.

Dizer "não sei" ou "talvez meu entendimento seja incompleto" ou, ainda, "acho que sei, mas qual sua opinião a respeito?" são algumas das melhores ferramentas ao entrar em papos difíceis, a meu ver.

Para fins desse texto, vamos estabelecer que "igualdade de gênero será alcançada quando homens e mulheres tiverem os mesmos direitos e oportunidades em todos os setores da sociedade, incluindo participação econômica e poder de decisão. E também quando os diferentes comportamentos, aspirações e necessidades de mulheres e homens forem igualmente valorizados e favorecidos." (se usa outra definição, peço que a exponha antes de comentar, para garantir melhor qualidade em nossa conversa)

Ou seja, um mundo mais justo pras mulheres passa necessariamente por mais liberdade de papéis pra todos nós. Mais fluidez para homens e mulheres poderem se expressar e decidirem viver do modo como considerarem melhor.

Igualdade de gênero não é sobre impor, é sobre flexibilizar noções antigas de como devemos nos comportar

Isso beneficia mulheres e homens. Ambos têm a ganhar. Falo muito em minha coluna "Homens possíveis" sobre as dificuldades que eles enfrentam.

Ao termos mais equivalência de oportunidades, o leque de escolhas se abre para todos. Isso não obriga mulheres a serem presidentes de empresa e dividir tudo meio a meio com os homens. Também não define que os homens devem trocar fralda do bebê todos os dias. Mas contribui para que cada pessoa, casal, família, empresa, possa definir como considera mais adequado viver sua realidade.

E os homens, como estão em meio a isso tudo? Quais perguntas sobre eles ainda não foram respondidas?

Sugiro algumas que merecem nossa atenção.

Bastidores de linda conversa que tivemos com o pai Joaquim Pessoa, em sua casa, em Recife

Quais as principais tensões culturais que os inibem e aprisionam em modelos estereotipados de como devem ser e se portar? Quais são os seus sofrimentos em decorrência disso? Como os homens percebem o seu papel na relação com as mulheres e sociedade, hoje e amanhã? Quais são os gatilhos para transformações deles que possam beneficiar às mulheres e a si mesmos, na perspectiva de mais igualdade de gênero? E quais transformações seriam essas?

Foi para investigar essas e outras perguntas que rodamos Recife, Rio de Janeiro e São Paulo (capital e interior) em busca de histórias e iniciativas inspiradoras.

Alcançar igualdade passa por olhar para mulheres e homens, na vida real. Ler artigos e postar textões de desabafo no Facebook não basta. Por isso fomos pra rua.

Como abordo com frequência em meus textos, os homens, ainda que gostem de posar como heróis, não estão bem. Eles se suicidam quatro vezes mais do que as mulheres no Brasil, estão mais expostos ao abuso de drogas, violência entre outros homens e acidentes de trânsito. Em larga medida vivem de modo autodestrutivo e fechado, raramente se abrindo sobre as dificuldades enfrentadas.

O que nem de longe significa comparar sofrimentos. Podemos ser empáticos com homens e mulheres. A questão é olhar para a real complexidade do tema.

Precisamos avançar juntos, por meio de mais acolhimento, compaixão, abertura, tolerância, paciência, generosidade. Ainda que seja para agir de forma dura, podemos carregar essas qualidades em nossa motivação.

Pra alcançarmos a tão sonhada igualdade, será necessário transformar antigas estruturas que constringem, aprisionam e perpetuam papéis que gerem sofrimento para os diferentes gêneros.

Penso que enxergar inimigos ao olhar para o outro (ou outra) não vai nos levar a lugar algum.

Uma das histórias que mais me tocou: reduzindo a reincidência de agressão de 75% para até 2%

Foi descobrir o trabalho de institutos como o Pró-Mundo, Papai e o NOOS, que atuam há mais de vinte anos transformando masculinidades.

IMG_5254.JPG

Gabriel Rosemberg, um dos sócios da Questto | Nó Research, entrevista Sirley Vieira, coordenador executivo do Instituto Papai, em Recife

O Instituto NOOS desenvolveu uma metodologia chamada "Grupo Reflexivo", criada para trabalhar com homens que cometeram agressões e foram condenados pela lei Maria da Penha. Essa lei, inclusive, determina que os condenados devem receber tratamento, aspecto pouquíssimo conhecido.

Por meio dos grupos reflexivos, a reincidência de agressão chega a cair para 2%. Sendo que no Maranhão, há pesquisas mostrando que a reincidência usual está na casa dos 75%.

No entanto, 50% da população acredita que a sanção mais eficaz é a prisão. E apenas 11% defendem a participação em grupos reflexivos como medida jurídica.

Essa metodologia precisa ganhar o mundo e sua eficácia deve ser reconhecida.

Penso que o homem não deve apenas ser punido e excluído do drama social que é a violência contra a mulher. Infelizmente, os serviços para homens que cometeram agressões ainda são escassos. E sua criação e manutenção sofrem com resistência da sociedade, das entidades do Judiciário, além da compreensão de alguns grupos de mulheres. Creio que isso pode mudar à medida em que dermos mais visibilidade a informações como as que coletamos durante nossa pesquisa.

Mais do que beneficiar homens que cometeram agressões e suas futuras parceiras, os grupos reflexivos tocam as próprias raízes da violência. Transformam aqueles que agrediram em agentes de mudança. Isso é tão fundo quanto precisamos chegar.

Construir pontes de lucidez.

Parar de enxergar inimigos e inimigas quando podemos ver parceiros e parceiras.

Esse trailer é apenas a pontinha do iceberg. Além de lançar o documentário completo no meio do ano, vamos divulgar pequenos vídeos complementares ao longo dos próximos meses e divulgar também um relatório completo da pesquisa e dos dados coletados.

Como posso apoiar o projeto? =]

Preenchendo esse questionário da pesquisa quantitativa que está em curso agora.

Clicar na imagem também te leva ao questionário

A pesquisa quantitativa é chave para checarmos hipóteses e insights levantados durante a etapa qualitativa, que já está encerrada.

O questionário leva cerca de 10 minutos pra ser preenchido.

Compartilhe com seus amigos e amigas. O principal desafio é escutar opiniões sinceras de quem ainda não está envolvido com o tema – queremos diversidade e autenticidade. Nossa meta é alcançar cerca de 2000 respostas, proporcionalmente representativas de todos os estados brasileiros.

Agradecimentos sem fim

Nada disso seria possível sem os parceiros da ONU Mulheres, com as incansáveis Amanda Lemos, Adriana Quadros, Isabel Clavelin e Nadine Guzman; do Grupo Boticário, com a equipe liderada pela Luana Suzina e Renato Amêndola, que estão acompanhando e atuando de perto em todo o projeto, por terem uma crença na causa que vai infinitamente além da missão pendurada na parede da empresa; da Questto Nó | Research, pesquisadores brilhantes – Gabriel Rosemberg, Juliana Fava, Gustavo Rosas –, responsáveis pela pesquisa qualitativa e co-realizadores do documentário; da Monstro Filmes, espetacular produtora que assina a direção audiovisual e realização do documentário por meio dos diretores Luiza de Castro e Ian Leite; do Gustavo Venturi, pesquisador e professor especialista em gênero, que nos ajudou em todas as pontas do trabalho; da Zooma, com seus experts em pesquisa, Leandro Tonetto e Rodrigo Trevisan; da Heads Propaganda e da Carla Alzamorra, que abriram as portas para o Grupo Boticário.

Ian Leite, co-diretor do documentário, filma Isabela, a corajosa aluna da Escola COOPEN (em Rio Preto/SP), que iniciou o movimento que acabou por nos levar a conhecer o excelente trabalho de igualdade de gênero feito pela escola

Seguindo, não podemos esquecer de todos os institutos e iniciativas educacionais que abriram as portas pra conversar conosco, como o Pró-Mundo, o Papai, o NOOS, a escola COOPEN e seus professores, assim como dos especialistas e não especialistas que abriram seus escritórios e casas, gentilmente cedendo seu tempo e, por vezes, expondo suas intimidades, suas crenças e seus obstáculos ao buscar uma sociedade mais igual.

A eles e a todos que possa por ventura ter esquecido, que apoiaram direta e indiretamente o projeto, um obrigado maior do que consigo fazer caber nessa tela!

* * *

Agora é sua vez. O que pensa disso tudo?

Será um prazer recebermos críticas respeitosas e bem embasadas. Que a não-violência impere na caixa de comentários e possamos viver aqui um pouco do que aspiramos viver lá fora.

Um imenso abraço a todos. Seguimos.


Leituras sugeridas para aprofundamento:


Mecenas: Grupo Boticário

O Grupo Boticário acredita que homens e mulheres são igualmente capazes de construir um mundo mais belo, equilibrado e justo. E que, juntos, conseguimos transformar o ambiente à nossa volta. É por essa crença e por respeitar e valorizar as características individuais de cada um que nos envolvemos em iniciativas como o estudo “Precisamos falar com os homens?” e que assinamos os Princípios de Empoderamento das Mulheres.

E, aqui, deixamos um convite. Vamos, juntos, em busca desse mundo mais justo e equilibrado. Vamos rever papéis, conceitos e atitudes que já não nos servem mais. Vamos transformar realidades e construir um mundo novo. Onde todos buscam fazer o melhor. Onde o que importa é o que você faz.


publicado em 01 de Março de 2016, 13:12
File

Guilherme Nascimento Valadares

Editor-chefe do PapodeHomem, co-fundador d'o lugar. Membro do Comitê #ElesporElas, da ONU Mulheres. Professor do programa CEB (Cultivating Emotional Balance). Oferece cursos de equilíbrio emocional.


Puxe uma cadeira e comente, a casa é sua. Cultivamos diálogos não-violentos, significativos e bem humorados há mais de dez anos. Para saber como fazemos, leianossa política de comentários.

Sugestões de leitura