Trabalhar de casa é uma merda

Nota do editor: esse artigo é resultado de uma discussão surgida na lista de emails de comparsas do PdH, ao debatermos o excelente texto "A realidade contraria os sonhos de trabalhar em casa". Em breve, vamos publicar também um relato de quem conseguiu ser eficiente e construir um negócio bem sucedido trabalhando de casa. Assim, garantimos a amplitude da conversa.

* * *

Acho que sou um bom exemplo para ilustrar a discussão.

Trabalho em uma multinacional, em um belo e bem pago cargo. Teoricamente, eu deveria viajar a trabalho uma semana sim, uma semana não. Por cada viagem, ganho um dia de homeoffice, usualmente a segunda-feira. Por cada viagem com mais de 8 horas de deslocamento, ganho um dia extra de homeoffice, podendo ficar em casa também na terça-feira.

Em teoria.

No sonho, tudo é perfeito, organizado e branco, tudo funciona...

Há anos, chego a viajar 6, 7 semanas consecutivas, voltando para casa somente nos sábados e domingos. Então, como a empresa não respeita as regras, os funcionários também não. Na prática, vai quem quer para o escritório. Somos umas equipe de 12 colegas trabalhando juntos. Não vejo vários deles há meses. Alguns encontro em aeroportos por aí, fazendo alguma conexão.

Temos um ou outro colega que somente aparecem no escritório caso se agende uma reunião importante, algo já não tão frequente assim. Ficam meses sem aparecer na empresa, literalmente.

Temos também como regra teórica estar disponível 24x7. Quem não estiver na frente do laptop com acesso a emails ou communicator interno, que esteja com o celular ligado. Na prática, há muita gente que não liga nem mesmo o celular. E vez ou outra acontecem problemas, chamadas de atenção generalizadas e puxões de orelha quando um recurso desaparece.

Fazemos muitas ligações internacionais. Para evitar que usemos nossos celulares corporativos para ligar para o exterior sem dó contratamos um serviço de calling card, uma empresa que fornece um número no Brasil que então transfere via VOIP para o exterior. Mesmo assim, já tivemos casos de chamadas de atenção por uso excessivo do telefone corporativo.

Uma vez que as ligações locais são ridiculamente baratas, muitos colegas sequer possuem número pessoal. Além de cortar um custo na vida, não temos que carregar dois telefones o que todos odiamos. Imagine andar por ai de calça social com um telefone em cada bolso. Não dá. Há quem comprou aqueles smartphones 2 chips, há casos como o meu, em que uso somente meu pessoal para não abrir mão do 3G e, consequentemente, pago do meu bolso para fazer ligações de trabalho. E claro, há quem ande com os dois. Para receber chamadas, configuro o telefone corporativo para redirecionar tudo ao meu número pessoal. Logo, quando o número da empresa me liga fora do horário de trabalho, consigo facilmente destinguir que o assunto não é pessoal e posso optar por não atender.

Antes de virmos para essa área tínhamos uma equipe muito unida. Jogávamos poker nas segundas à noite, futebol nas quartas e saíamos para encher a cara nas quintas. As respectivas todas se conheciam e se tornavam amigas. Hoje temos um evento de natal onde os mais íntimos se reencontram e só. A galera tá começando a ter filhos, então temos nos encontrado também em eventos para bebês. E só.

Esse afastamento natural enfraquece a amizade. Claro que colocamos muito papo em dia quando nos vemos, mas não é mais a mesma dinâmica. Acabou aquela coisa de chegar de manhã e chorar de rir no fumódromo tomando um cafézinho ao falar daquela gostosa que deu o fora em um de nós na noite anterior. Acabou, é um ciclo que se foi e não volta mais.

Entendo que a idade influencia e que todos, exceto por mim, já passaram dos 30 – e o perfil muda sim.

Trabalhar na empresa é bem diferente de trabalhar na sala da sua casa

Na empresa tenho dois monitores de 20", copiadora, telefone à vontade, café infinito e a tia juntando minhas xícaras. Quando preciso de algo o TI faz para mim. Em casa não tenho nenhum monitor externo já que meu "homeoffice" é uma mesa daquelas unfoldable no meio da sala – que também é cozinha, sala de jantar, tv, tudo junto, pois resolvi fazer um loft. Justamente por ser sala e por minha mesa ser a mesma mesa que vai ser usada para o jantar logo mais, a namorada não aceita monitores ali de jeito nenhum. Trabalho só com a telinha do meu laptop quando estou em casa.

Eu vejo a patroa ali no sofá fazendo as coisas dela, pergunto se quer um café, vou preparar o expresso, que por si só já é um ritual de uns bons 20 minutos (tenho uma Nespresso mas enjoeei dela). Ela resolve querer comer algo, e assim vai.

"Ah, se tivessem me dito que era assim..."

Quando ela faz comida tenho que lavar a louça. Outra parada. Já que ela está ali, comenta as coisas do dia dela, o que leu de notícias ali e acolá. Enfim, você se concentra menos se não possuir um escritório dedicado em casa e uma política que deixe claro para sua família que "trabalho é coisa séria".

Devido a todas essas variáveis, embora eu faça em média 3 a 4 dias por semana de homeoffice – sabendo que sou bizarramente menos produtivo – sinto falta do escritório.

No entanto, moro em uma cidade a 40km da empresa e isso não me faz gostar muito de ir para o trabalho. O trânsito é horrível e uma pessoa normal pode levar 1h30min para chegar lá. Eu faço em 35min dirigindo como um lunático pois virar roda me dá agonia. A PRF me para uma vez por mês. Eles já conhecem meu carro e ainda brincam, "de novo"? Mas insisto e ainda vou para a empresa 1 ou 2 dias na semana.

Às vezes é chato para caramba quando dou o azar de não encontrar quase ninguém da minha equipe. Quando aparecem uns 4 ou mais já é diversão garantida. É outra coisa tomar café com a galera, sacanear os amigos, filosofar sobre a vida e tomar mais café ainda. Não sou exatamente produtivo pois tudo o que fazemos é bater papo, tomar café, sair para almoçar, jogar Xbox (tem na empresa), tomar mais café, sair para tomar café no shopping, voltar para trabalhar um pouco, sair para comer algo de tarde e tomar outro café antes de ir embora.

Essa socialização, ao menos para mim, faz uma falta absurda.

Resumindo a ópera, trabalho muito mais em homeoffice do que na empresa. Porém, não aprovo, não gosto, não acho eficiente e não recomendo.


publicado em 23 de Janeiro de 2013, 11:35
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Autor Anônimo

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