Otis Johnson foi à Times Square após 44 anos na prisão – e viu um mundo que não era o seu

Há 44 anos não havia celulares, internet ou refrigerantes azuis

Não sou lá muito velha, mas não posso negar que me sentei no sofá algumas manhãs pra assistir Os Jetsons. E consigo imaginar que você também tenha feito isso, estivesse no seu colo a sua própria mamadeira ou seu próprio filho.

Ainda que existam helicópteros e alguns afortunados possam pagar por um táxi aéreo, continuo esperando que aquelas espaçonaves Brastemp Cidadão Comum Premium sejam inventadas pra que cheguemos mais rápido aqui no PdH.

Ao contrário de Brás Cubas, acredito estar certa quando digo que a maioria de nós ainda tem filhos e insiste em transmitir a uma outra criatura o legado da nossa miséria. E parte intrínseca do processo de criar uma pessoa é sentar-se com ela pra imaginar seu futuro, traçando saudosos contrapontos com a própria infância e os hábitos de um passado que nem é lá essas coisas.

Agora imagine você, um adulto feito, homem barbado, mulher madura, estar diante do vislumbre de um futuro sobre o qual você não faz a menor ideia e nem pode medir o avanço.

Tá que não é exatamente muito diferente do que é a própria vida, mas não deixa de ser desesperador.

Foi isso o que aconteceu com Otis Johnson, só que pior: preso aos 25 anos pela tentativa de assassinato de um policial, só saiu do cárcere aos 69.

Otis não teve a chance de brincar com o jogo da cobrinha nos antigos Nokia antes de descobrir que smartphones agora são computadores completos. Ele não pôde absorver aos poucos o funcionamento do Windows 95 antes de se deparar com o MacBook Air mais leve que sua própria mão e quase mais eficiente que sua própria mente.

Não teve colchão de ar para Otis. Da porta pra fora, viu um mundo que não era o seu.

E é admirável que ele tenha tido a sabedoria de usar seu tempo encarcerado para reflexões profundas e práticas de meditação que, sem dúvidas, devem estar ajudando-no a entender por que raios as pessoas agora misturam pasta de amendoim com geleia.

As suas falas atestam a atemporalidade de tudo aquilo que aprendemos sobre nós mesmos e os outros – tudo pode se transformar, e tudo aquilo que produzimos é sujeito da mudança, mas o modo como sentimos, agimos e nos expressamos tende a movimentos cíclicos.

É possível aprender em qualquer ambiente, até mesmo no cárcere.


publicado em 30 de Novembro de 2015, 17:15
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Marcela Campos

Tão encantada com as possibilidades da vida que tem um pézinho aqui e outro acolá – é professora de crianças e adolescentes, mas formada em Jornalismo pela USP. Nunca tem preguiça de bater um papo bom.


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