Tem roupas que não querem chamar a atenção | O que minha roupa diz #4

E a nova seção não para!

Antes de começarmos, apenas uma pequena observação: recebo uma quantidade muito maior de e-mails com perguntas do que fotos para participar da seção. Muitas pessoas chegam até mim com várias dúvidas, mas a maioria não me envia fotos para participar. Como, infelizmente, não consigo responder todos os e-mails com a qualidade necessária, muito de vocês ficam sem informação pelo simples fato de estarem envergonhados com a própria imagem e não a enviarem.

Não estou aqui para falar o que ninguém deve fazer, mas quero que meus textos gerem um pouco de reflexão para quem os lê, então pense consigo mesmo, vale a pena perder um conhecimento que pode te ajudar tanto, apenas porque aquele teu camarada zé ruela vai tirar uma onda ou porque você está com preguiça de tirar uma foto?

Eu sei, é “zé ruela”, mas é irmão. Pô, então mais um motivo pra enviar, afinal, você não perde um irmão por causa de uma foto, correto?

Tá com medo do que, isto não é um espaço pra ridicularizar ninguém, muito menos é uma coluna de moda. Como diria o Muricy, aqui é trabalho, estética e um pouco de semiótica!

Ok, o Muricy não fala exatamente isso, mas você pegou o espírito.

Passada nossa conversa inicial, é hora de mais uma análise de composição! O camarada da vez é o Ismael dos Anjos. Vamos ver o que ele diz sobre si mesmo.

Ismael é mineiro, mas mora em São Paulo. Jornalista e fotógrafo, é um cruzeirense meio maluco que não sabe se gosta mais de queijo, de cachaça ou de cerveja. Pra não errar na moda, combina preto com preto mais do que deveria para alguém que já não é mais metaleiro”.

Composição 1: trabalho diurno

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Nosso amigo começa bem. Peças funcionais sempre auxiliam a transmissão de uma imagem fisicamente ativa. Neste caso, o óculos e a mochila cumprem bem seus respectivos papéis.

Como os óculos escuros são utilizados para proteger nossos olhos do sol, eles sempre nos dão a ideia de movimento, de estarmos transitando entre um lugar e outro e fazendo isso independentemente da condição climática favorável ou não (afinal, se caminhássemos na sombra, provavelmente não utilizaríamos os óculos). Não à toa, esta peça é utilizada constantemente no cinema (Stallones Cobras e afins) e na TV (alô CQC).

Ao optar por um modelo clássico (o aviador), nosso amigo já nos disse inconscientemente que ele tem um pezinho no old school.

Agora falando sobre a mochila, embora o modelo seja coerente com as cores das outras peças, temos aqui um problema bastante grave a ser observado.

A mochila está torta. Não só torta (um lado mais alto que o outro), como também com um lado mais cheio que o outro. Saiba que, quando você veste uma mochila, ela se torna parte de sua estrutura física. Repare principalmente na foto de frente, como o tronco do Ismael parece desequilibrado, embora a posição disfarce um pouco, se ele estivesse gesticulando teríamos um homem bastante torto aqui, e tudo isso é resultado de uma mochila má preenchida.

Portanto, a dica é simples, porém muito útil: sempre quando for arrumar a mochila, tente deixar seu conteúdo da maneira mais simétrica possível. Não será só coluna que irá agradecer. E lembra aquele pacote de bolacha que você deixou no zíper lateral? Pois é, ele também pode ficar deitado no centro da mochila sem problema algum.

Agora, falando sobre o croma das peças, o valor (claro/escuro) e a saturação (“intensidade”) estão ótimos, pois criam harmonia com a semelhança, porém a matiz (cores) poderia ser aperfeiçoada. A calça tem matiz vermelha e, se fosse substituída por uma mais amarelada, teríamos algo próximo a um marrom bem lavado, o que criaria outra harmonia por semelhança, desta vez com o tom de pele dele.

Já a matiz vermelha está sozinha e não encontra razão em nenhuma outra cor da composição (se a pele dele fosse mais esverdeada talvez funcionasse cromaticamente, mas teríamos um problema para aparentar boa saúde).

Outra constatação muito importante: provavelmente o Ismael durma virado para a esquerda.

Como eu sei disso? Repare no rosto dele, você verá que o lado esquerdo da barba está mais afundado que o direito (não só nesta composição, como na seguinte). Isso torna sua face um tanto torta e faz com que seja mais difícil achá-lo bonito pela lógica racional habitual: a simetria.

Mais uma vez a dica é simples. Se você é barbado ou se usa seu cabelo dividido ao meio, sempre quando acordar, cheque se um lado não está muito mais amassado que o outro. Ah, no caso da barba, outra boa observação é sempre apará-la utilizando luz frontal, nunca lateral, assim evitará um indesejado rosto “gingado”.

Quanto aos calçados, boa proporção em relação ao corpo, também estão coerentes com a ideia de corpo em trânsito que o resto do vestuário sugere e têm ótima escolha de matiz.

Composição 2: rolê à noite

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Ao vermos a segunda opção de vestuário, podemos perceber que o Ismael tem bastante noção -- mesmo que inconsciente -- do que significam a maioria de suas peças.

E você também já adquiriu esse conhecimento. É só pensar se o calçado da combinação anterior ficaria bom nesta. Você sabe que ele não iria comprometer tanto, mas já percebe que talvez fosse ficar muito pesado e que seria contrastante demais com a camisa, podendo até criar o famoso “look modernete” que tantos temem.

Como o Ismael também sabia disso, ele optou por um modelo mais enxuto que fosse coerente com a nova opção de calça, também mais enxuta. Como calçado e calça tem a mesma lógica, nós não estranhamos a escolha dele em usar uma calça mais justa, mesmo que a modelagem desta não tenha nenhuma semelhança com a modelagem da calça anterior.

Ao optar por harmonizar por semelhança, ele pode variar bastante seu estilo sem que cause estranheza aos que convivem com ele no dia a dia.

A meia preta foi uma ótima escolha, mas só funcionou bem porque o solado do tênis é contrastante, caso contrário, teríamos a impressão que ele está só de meias ou algo do gênero.

Vamos falar sobre a peça chave desta composição, a camisa pode ser bastante saturada, afinal as outras peças são neutras. O modelo também é uma boa pedida, como é uma peça mais casual (podemos ver pelos botões e bolsos), ele pode vesti-la mais amassada que não dará a impressão de desleixo.

Agora vamos aos dois pontos negativos da camisa:

1. a modelagem da manga é quase “bufante”. É nítido como, a partir do cotovelo, a peça parece ficar mais larga. Esse problema costuma ocorrer em peças mais casuais. Teria funcionado melhor se ele tivesse dobrado a camisa ou então se tivéssemos modelistas mais atentos ao corpo humano nas empresas de confecção.

2. O Ismael tem os ombros “altos”. Eles ficam numa altura bastante próxima ao trapézio e início do pescoço. Se somarmos esta característica física à maneira com que ele utiliza o abotoamento da camisa (até o penúltimo botão), teremos a percepção de uma pose de tensão (como quando levantamos os ombros quando estamos em dúvida). Duas coisas podem ser feitas neste caso: ele pode abotoar a peça toda, o que dará a ele um ar mais moderno e meticuloso, ou então poderá deixar um botão solto a mais, que fará com que ele ganha um ar mais relaxado e descontraído.

É isso, amigos. Mais uma análise realizada! Agora torcendo para que não seja a última edição desta seção e, como sempre, esperando que tenha sido útil ou, ao menos, divertido!

Nos ajudem a manter a Minha roupa diz viva

Nota do editor: pessoal, Jader falando com vocês. O "Minha roupa diz" é uma série que chegou pra ficar. A ideia é ótima e as pessoas são muito interessadas nas dicas do Bruno, comentários curiosos, agradecimentos. Está com uma cara bem boa. Mas os textos tem rendido menos acessos do que os textos que o Bruno costuma publicar e queremos saber como a série pode ficar ainda mais atrativa e recheada. Podemos colocar mais estilos em um único texto? Uma análise mais profunda de uma única composição? O "Minha roupa diz" pode falar de uma peça por vez? Vamos conversar sobre isso aqui nos comentários.


publicado em 17 de Setembro de 2014, 06:00
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Bruno Passos

Pintor. Ama livros, filmes, sol e bacon. Planeja virar um grande artista assim que tiver um quintal. Dá para fuçar no Instagram dele para mais informações.


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