Sociedade de cárcere

Nascemos presos e morremos presos.

Chegamos ao mundo ligados a um cordão umbilical e nos despedimos dele trancados em um caixão. No decorrer da vida, este cenário não é muito diferente – é apenas pior. Entenda, isso não é um desabafo de um revolucionário de sofá – faz tempo que minha alma revolucionária anda de férias. A única intenção é discutir a maneira condicional como vivemos.

Pois bem, vamos às vias de fato.

Ao nascer, somos libertados das algemas maternas para sermos entregues ao nosso primeiro confinamento: a maternidade. Esta não é das piores. Afinal, ainda não temos condições de nos virarmos sozinhos. Mas isso não muda o fato de estarmos com nosso direito de ir e vir cerceado.

Acostume-se com a algema, filho

A segunda eu não diria ser uma prisão, mas ainda assim temos a imagem de um “carcereiro”. Estou me referindo às babás. Sim! Elas, tão cuidadosas, outras nem tanto, servem para nos limitar, nos conter e outorgar, juntamente com nossas mães, as primeiras normas do meio social em que vivemos. Esta é a forma mais primária de opressão que sofremos.

Logo depois, ou paralelamente às babás, vem a creche. É lá onde encontramos a primeira instituição carcereira. Tudo funciona muito bem: somos trancados, vigiados e temos horário para tudo. Devemos comer na hora determinada, dormir no horário estipulado e ainda passamos por uma “catequização” de dar inveja aos colonos portugueses. Tudo nos é ensinado: comportamento, limites, senso de educação etc.

Seria injusto dizer que a principal parte do processo de lavagem cerebral é feita nos limites de uma creche. Muito pelo contrário. O sistema carcereiro que eu considero o vilão de toda esta história ainda está por vir: o jardim de infância. Encaro esta como a pior forma de aprisionamento e opressão, pois é nesta fase que começamos a ter nossas próprias vontades e iniciamos a formação da nossa personalidade. Talvez, por este motivo, seja neste ambiente onde somos mais castrados nas nossas atitudes. Aprendemos a seguir a massa e anular qualquer opinião ou comportamento que vá de encontro ao interesse coletivo. Sofremos castigos quando não seguimos o padrão e somos excluídos quando não nos interessamos pelas mesmas coisas que os demais.

A semente foi plantada e agora somos pequenos seguidores que levarão, intrinsecamente, esta filosofia. Que a passarão adiante.

Link YouTube | Quem cuida no nosso cárcere?

Jovens em jaulas

Ainda não somos livres: temos de passar pelo colégio. Este é o terror de muitos. Há pessoas que levam traumas desta época para toda a vida. Creio que esta etapa seja tão dura porque, além dos opressores adultos, corremos o risco de sofrer com ataques de nossos semelhantes, que já estão adestrados nas leis do convívio social – é pior ser rejeitado por um semelhante a sê-lo por alguém, teoricamente, superior.

Universidade. Esta é a fase que mais se assemelha à liberdade. Talvez seja por isso que universitários tenham, em sua maioria, um perfil um tanto anarquista, liberal, surtado... Afinal, é tempo de curtir emancipação, “independência” e, acima de tudo, não estar mais inserido em um panopticon social. Entretanto, logo após um raro momento de falsa liberdade, somos forçados a retornar ao mundo factual onde somos meras peças de xadrez conduzidas por mãos e mentes hábeis.

Chegou a hora de se encaixar no mercado de trabalho. Este é o momento decisivo. Ou você luta por suas vontades, se desvia do caminho proporcionado pelo sistema e segue sua vida sendo apontado como um excêntrico, um vagabundo, um doidão, ou segue os padrões de uma vida normal. Neste momento surge o subemprego e este funciona como uma mordaça. A vítima fica escravizada e sem tempo para novas oportunidades e perspectivas. Não tem espaço para estudo, para lazer ou até mesmo para cuidar da saúde.

O martelo foi batido e sua sentença decretada.

Logo depois deste arame farpado está sua felicidade. Não o ultrapasse

Prisão perpétua

Ao longo de vários anos você terá que se sacrificar por migalhas, passará mais tempo com estranhos do que com as pessoas que você ama e terá que ser agradável com pessoas que são desagradáveis com você. Você vai passar por algumas evoluções, mas, junto a elas, vêm mais encargos. O que manterá sua vida em um padrão mediocremente aceitável.

Os anos passam e parece cada vez mais normal a autocensura. Estamos amestrados e, assim como bananas são dadas aos macacos, pequenas doses de felicidade virão. Uma casa na praia, um carro do ano, uma viagem internacional... Ao fim de tudo, quando a vida em sociedade nos permitir um momento de alívio e descanso, não teremos mais saúde nem forças para aproveitar o que construímos durante toda essa odisseia.

Então, por que isso? Por que toda essa corrida do ouro? Será que a formiga está mesmo com a razão perante a cigarra? Se a vida é tão curta, por que não temos outros objetivos? Por que ficamos cegos atrás do status, do dinheiro e da evolução profissional?

Vivemos numa sociedade que nos impõe este modelo de sucesso, mas temos opções. O fato de tocar violão não o impedirá de ser um grande administrador de empresas. Desenvolver o dom da pintura não fará de você um médico pior. Há tempo para tudo. Priorize o que é importante para você. Tenha sua individualidade. Isso impedirá que você, ao fim de sua vida, se pergunte: "O que eu fiz por mim mesmo?"


publicado em 29 de Agosto de 2011, 05:08
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Bruno Freire

Publicitário carioca.


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