Sexo & literatura, ou se a cona tivesse outro nome, ainda assim teria o mesmo perfume

Sexo e literatura deveriam andar sempre juntos. Mas, se você olhar com cuidado, repara que a poesia da cama fica um pouco mais embaixo.

Um sexo é metade do sexo?

Ah, a criatividade! Semelhante ao vocabulário popular, que cria, modifica e incorpora todo tipo de nome para os órgãos sexuais, a literatura também mostra a que veio quando precisa descrever isso ou aquilo.

Em um primeiro momento, imaginamos que a diferença entre a expressão erudita e a popular é o nível de bizarrice conferido às denominações (priquito, xiri, xana, xereca, prexeca, ad infinitum). Mas, aparentemente, os literatos não conseguiram se decidir em qual ala ficar...

O membro

“Sente os remanescentes de meu grande membro. Deixei as margens um pouco mais largas. Alisei as pregas” (Henry Miller – “Trópico de Câncer”).

Clap-clap-clap para o personagem bem dotado do Henry Miller. Mas e o bofe da vida real? O que você faz se ele chega com o membro em riste e solta:

“Agora, vou te penetrar com o meu membro”?

UOTI? Eu, no mínimo, abafaria um risinho.

Henry Miller, sacana até o fim.
Henry Miller, sacana até o fim.

O sexo

Parente próximo do membro é o sexo. Não o sexo ato, o sexo como parte do corpo.

“[...] eu tinha a sensação de que meu sexo todinho estava mergulhado em uma caverna quente e estranhamente móvel [...]” (Boris Vian – “Escritos Pornográficos”).

Nóssa! Tá, antes de tirar onda, temos que reconhecer que “sexo”, nesse sentido, faz bonito na linha escrita. Deve ser por isso que vários escritores, como Saramago em Ensaio sobre a cegueira, optam por essa solução.

Mas antes de querer ser um bonitinho ou uma bonitinha bem informado, certifique-se de que o parceiro vai entender bem um: “chupa o meu sexo” ou até um “cola teu sexo no meu”. Nunca se sabe...

A cona

Se por um lado, há os mais recatadinhos, que falam de membros e sexos ou partem com gosto para as metáforas e descrições, por outro, há a ala dos engraçadinhos. Os engraçadinhos que pegam aquele mesmos nomes bizarros do dia-a-dia e resolvem fazer arte.

“Começarás a remexer-te desajeitadamente e então lamberei os lábios da cona de meu amor” (James Joyce – “Cartas a Nora Barnacle”).

Ok, Joyce (e tradutor), você é um fofo. Acho que poucas mulheres recusariam ser acordadas desse jeitinho todo especial. Mas cona? Digo, C-O-N-A?

O peru gordo

E não bastasse emplacar aqui na lista com a cona, Joyce contra-ataca com o “peru gordo”. Como o senhor espera ser acordado com uma boquinha esperta desse jeito?

Olha, pinto até que vai. Mas peru, piu-piu, passarinho, rola e tudo mais está desaconselhado pelas autoridades ornitológicas.

James Joyce & Nora Barnacle
James Joyce & Nora Barnacle. A cona e o peru gordo não aparecem.

Teso, rígido & túrgido

Quanto virilidade! Quanta beleza! Fala sério, teso não é uma palavra muito mais bonita que tesão?

“me atirando na cama fiquei aguardando por ela já teso e pronto”(Raduan Nassar – “Um Copo de Cólera”).

Legal, né?

De verdade, faço sinal de positivo pros três, mãs... Infelizmente, não consigo imaginar alguém falando: mano, meu pau tá rigidozão. E turgidão? Blerg. O teso até fica em cima do muro, mas confesso que se ouvisse um cara falando que já estava teso, num dia normal, sentado num bar da Augusta, eu ia pensar:

1. Ele é gay.

2. Ele está declamando alguma poesia ou esse trecho do Raduan Nassar.

3. Ele é um gay que está declamando alguma poesia ou esse trecho do Raduan Nassar.

Agora, pior do que o cara que está teso é o cara vem dizer que sentiu uma pulsaçãozinha no baixo ventre quando me viu. Não vem bancar o Harry Potter com a sua “ligeira pulsação na região do baixo ventre” ao olhar a Cho Chang, em O Prisioneiro de Azkaban.

Sabe por quê? Pega o exemplo do Harry: ele demorou 15 anos pra dar seu primeiro beijo!

Trespassar, enganchar & estraçalhar

Alto lá, espertinho. Guarda esse negoço aí nas calças. Que mané trespassar? Muito menos enganchar. E estraçalhar então? Isso é cena de filme de serial-killer?

“Enchi-me de coragem e estraçalhei-lhe o rabo com inglesas ou americanas (Who knows?) e babados e o chapéu, não naturalmente sem antes lhe tapar a boca, porque tinha certeza que ela ia zurrar como um asno.” (Hilda Hilst – “Contos D’Escárnio”).

Bom, não se pode dizer que era um personagem delicado. Mas acho que mesmo pra quem gosta de um lance hardcore, trespassar e estraçalhar é um pouco demais. Imagina a situação. O cara chega todo armado e diz que vai te trespassar. Passado o momento de “hã? Esse cara é louco?”, você se morde pra não soltar um: “Ah vai. É o que vai!”.

E enquanto isso, o Saramago fica de castigo pelo casal enganchado.

Hilda Hilst, uma velhinha sem-vergonha.
Hilda Hilst, uma velhinha sem-vergonha.

Roer

“Sorvi o sumo suculento que passou a me escorrer para a boca e nesse instante dei-me conta de que havia alguém sobre o meu corpo, num sessenta-e-nove, roendo meu membro, enquanto eu, de outro lado, lhe devolvia a amabilidade” (Boris Vian – “Escritos Pornográficos”).

Oi? Ainda tô me decidindo o que é pior: roer ou mamar? Na dúvida, podemos fazer como na Pornopopéia do Reinaldo Moraes, na qual só rolava lambida e chupada (salva de palmas para o Reinaldão!). Serve de dica para todos!

Outras leituras

Tenho um sinceríssimo respeito pela coletânea de 25 trepadas literárias feita pelo escritor Joca Terron e fiz da indicação do ganhador do Bad Sex Award, Rowan Somerville, se não uma meta, pelo menos um dos caminhos para percorrer na literatura. Recomendo.


publicado em 17 de Julho de 2012, 06:57
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Seane Alves Melo

Jornalista e aspirante a mestranda. É estranha, invocada, amante de vírgulas e apaixonada por milhares de coisas aleatórias. Escreve o que vem à cabeça em E o mundo seguiu adiante e posta coisas de menina semanalmente em Kitty Cat Makeup.


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