Ser livre é fazer o que se quer? | Mundo interno #7

A liberdade sempre foi algo muito importante pra mim. Liberdade de poder colocar a mochila nas costas e ir pra qualquer lugar do globo; de escolher qualquer oportunidade que o destino me apresentasse; de usar o meu tempo da forma que eu quisesse; de ser quem ou o que eu bem entendesse. Mas será que isso é ser livre?

As pessoas (e eu me incluo nessa) costumam dar mais valor para a liberdade expressa em grandes atitudes, em rebeldias, aventuras, movimentos externos, do que aquelas liberdades comezinhas do cotidiano. Como se uma viagem de volta ao mundo fosse uma prova de liberdade maior do que a de escolher comer ou não um chocolate. É como se seguir os próprios impulsos fosse a liberdade suprema, aquilo que todos entendem por "ser livre".

Por que quase a ideia de liberdade é retratada assim?
Por que quase sempre a ideia de liberdade é retratada assim?

Em outras palavras: achamos que quem tiver mais momentos de suposto prazer, relaxamento e êxtase certamente é a pessoa mais livre.

Mas, analisando melhor, talvez essa parte, a de seguir os próprios impulsos, seja justamente o que nos faz viver numa prisão permanente, bem longe da tão almejada liberdade.

Pense bem, nós somos reféns de qualquer vontade que pipocar na nossa cabeça. Nós pensamos que somos livres obedecendo ao menor impulso que vier, sem nem questionar de onde vem, o que ele está apontando e quais as consequências de seguir esse desejo. Tal qual uma pessoa pega pela torrente de um rio gritar que é livre, que escolheu estar na correnteza e que pode sair dela quando quiser.

Exemplificando: a gente foi xingado durante o jogo de futebol e surge raiva, uma vontade enorme de bater em quem nos ofendeu. De repente a raiva somos nós, personificamos a raiva rangendo e cerrando os dentes, contraindo os músculos, encurtando a respiração e “sangue nos olhos”. Daí até o embate não custa nada. Em pouco tempo estamos totalmente entregues a essa emoção que surgiu sem que a gente a questionasse ou analisasse.

Casos extremos, como as pessoas que sofrem de TOC, podem nos ajudar a visualizar esse processo de forma bem explicita. A pessoa diagnosticada com TOC não consegue evitar a compulsão — ou a vontade — de repetir atividades ou rituais para neutralizar uma obsessão. É como ter obsessão por limpeza e lavar as mãos repetidamente para tentar anular a fixação.

E nós todos somos assim também, iguaizinhos, em diferentes graus de fixação e compulsão. Não conseguimos nem ver onde começa a vontade e onde termina a liberdade de escolher. Se a pessoa se diz livre, mas não consegue viver sem café, será que ela é livre mesmo? E se você ainda não está convencido, é só pensar numa coceira: você tem liberdade de não se coçar imediatamente depois que sentiu a vontade? Mesmo sabendo que isso pode ser algo ruim?

Enquanto não percebermos o quanto estamos presos às nossas vontades, gostos, escolhas, desejos, opiniões, ideias, joguinhos e fixações, vamos continuar levando a prisão dentro da cabeça onde quer que a gente vá, mesmo que a gente viaje, se aventure e diga que é livre.

Casado, pai, trabalhando em empresa, morando no mesmo lugar e cada vez mais livre... É possível?

A escola, o trabalho, os relacionamentos, a paternidade, são sempre apontados como exemplos de prisão e sufocamento. Mas, talvez, pudéssemos olhar para eles como um espaço para cultivar a liberdade que existe além dos impulsos descontrolados. Além da histeria.

Imagine poder oferecer um relacionamento com liberdade — sem carência, sem apego, sem ciúmes — para sua parceira ou companheiro. Ajudar a pessoa a ser feliz, a atingir seu potencial humano, aprender e ensinar sem hierarquias, dar risadas dos tropeços sem diminuir ou menosprezar, querer estar próximo sem ficar controlando, mas saber que tudo isso pode desmoronar sem aviso prévio. Soa como sinônimo de liberdade, não? Tenho tentado cultivar isso, embora nem sempre consiga.

Como se relacionar de modo a aumentar — em vez de reduzir — a expansão, o espaço, a liberdade?
Como se relacionar de modo a aumentar — em vez de reduzir — a expansão, o espaço, a liberdade?

Minha recente paternidade também tem se mostrado como uma belíssima oportunidade de praticar outros olhares. Em meio ao caos de fraldas e choros, a liberdade está presente nas emoções que escolho cultivar. Posso escolher a alegria em vez do cansaço, a paciência em vez da raiva, a generosidade em vez da carência e o bom humor em vez da irritação. Parece pequeno, mas isso afeta tudo e todos à nossa volta.

Esses exemplos me parecem uma liberdade muito mais ampla e benéfica do que aquela, hedonista, que comentei no começo do texto. Se conseguirmos treinar essas qualidades, nas atividades mais rotineiras, podemos aplicá-las em várias outras frentes da vida, melhorando nossas relações e fazendo com que sejamos livres naturalmente, sem esforço.

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Eu gostaria que este papo não se esgotasse aqui, porque sei que ainda há muito a explorar nesse tema. Por isso, usem a caixa de comentários e digam: quais as suas visões do que é ser livre? Em quais outras situações de aparente aprisionamento podemos enxergar e cultivar a liberdade?

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publicado em 18 de Junho de 2014, 15:33
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Marcos Bauch

Nascido na Bahia, criado pelo mundo e, atualmente, candango. Burocrata ambiental além de protótipo de atleta. Tem como meta conhecer o mundo inteiro e escreve de vez em quando no seu blog, o De muletas pelo mundo.


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