"Religião e política não se discute": mas e se as duas se tornarem a mesma coisa?

Estamos, neste momento, à beira de uma eleição. A Assembléia de Deus quer eleger pelo menos 5565 vereadores, ou seja, pelo menos um em cada cidade do país.

O Brasil está caminhando a passos largos em direção a uma teocracia. Se você acha que a política está ruim agora, imagine se os presidentes forem escolhidos pelo direito divino!

Luís XIV da França gosta da ideia.
Luís XIV da França gosta da ideia

Estamos vivendo um momento crucial na história do nosso país. Nunca antes houve um plano de poder com tais dimensões por parte de igrejas em território nacional. Tudo bem, já fomos um estado confessional, mas isso foi apenas herança cultural da Europa católica. Desde a primeira constituição republicana, em 1891, somos um estado laico.

No âmbito nacional, já temos 76 deputados federais e três senadores da república na Frente Parlamentar Evangélica, que não buscam o progresso do país e sim o benefício de suas respectivas igrejas. Não há mal algum em um evangélico se eleger para um cargo público, de forma alguma. Em um país laico qualquer pessoa tem liberdade de credo, mas ao legislar considerando os seus credos como o fiel da balança, ele está também faltando com o laicismo do país. O legislador tem o direito a uma religião, mas tem o dever de se abster dela ao legislar, pois as consequências de seu trabalho afetam a todos os habitantes daquela região, seja município, estado ou do país como um todo, independente dos credos dos mesmos.

A Frente Parlamentar Evangélica está em crescimento acelerado: no mandato de 2003-2006, haviam ‘apenas’ 58 deputados frente aos 76 atuais e a causa disso fica muito clara no Censo 2010 publicado recentemente pelo IBGE. O número de evangélicos no Brasil cresceu de 15,4% para 22,2% em apenas 10 anos, o que significa 42,3 milhões de fiéis.

Plenário do STF: alguns dos homens mais brilhantes do Brasil tendo que fazer o trabalho de outros.
Plenário do STF: alguns dos homens mais brilhantes do Brasil tendo que fazer o trabalho de outros

A Frente Parlamentar Evangélica recusa-se a votar assuntos como aborto, casamento civil homossexual, lei de drogas e muitos outros assuntos "polêmicos". E por que fazem isso? Para ir cozinhando o galo e deixando o assunto de lado, atrasando o progresso do país em assuntos sociais tão urgentes. No caso da interrupção de gravidez dos fetos anencéfalos, coube ao STF fazer o que os deputados da bancada evangélica impediram que fosse feito.

Também no caso da União Estável de Homossexuais acabou sobrando tudo para o STF, o que é realmente uma pena, pois como seus membros são indicados pelos Presidentes da República, a legitimidade das suas decisões é discutível.

Mas engana-se quem acha que está tudo bem para os homossexuais, eles ainda não possuem o direito a União Estável de facto, o que existe é uma jurisprudência onde os homossexuais ainda precisam entrar com uma ação para pedir a União Estável e o juiz que receber a o pedido não irá negar, simples assim. Enquanto isso, os heterossexuais precisam apenas se dirigir a um cartório e fazer tudo na hora, de maneira simples e rápida. Isso sem falar no casamento civil, que ainda não é direito dos homossexuais -- o que lhes rouba outros inúmeros direitos correlacionados ao casamento, sejam eles sucessórios, previdenciários, etc.

Link YouTube | Nosso deputado Jean Wyllys pode explicar melhor do que eu

Se somarmos isso ao plano de poder de Edir Macedo e IURD, em efeito desde 2008 e agora começando a dar frutos, e levando em consideração uma pesquisa recente feita pela Datafolha, onde 65% dos evangélicos aceitarão influências das suas igrejas na hora do voto e 31% com certeza votarão nos indicados da igreja... Temos a mistura perfeita para uma teocracia nos país em poucas décadas. Tudo isso com o nosso dinheiro, é claro. Mesmo que você não doe um centavo ou pague o dízimo para nenhuma igreja, elas ainda possuem isenção de impostos, ou seja, o dinheiro que elas deixam de pagar é roubado do nosso bolso.

Onde ficam os defensores do laicismo nisso tudo?

Aí que está a pergunta de um milhão de reais. Os católicos são coniventes, os de religião de matriz africana não têm força para lutar e os opositores naturais a teocracia, os ateus e agnósticos, estão ocupados demais divididos e brigando entre si.

Mantenha seus deuses fora do meu governo.
"Mantenha os deuses fora do governo"

O maior reduto de ateus e agnósticos da internet, a página do facebook da ATEA (Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos) que conta com pouco mais de 170 mil membros, é um espaço onde há uma parcela que conta seus depoimentos de preconceitos sofridos por não serem teístas, onde há debates sobre ciências em geral e pode-se aprender e ensinar muito.

Mas, infelizmente, também é muito comum os ateus discutirem entre si, uns querendo ser mais ateus que os outros. Ofensas rolam para todos os lado e, assim, o grupo fica estagnados. Alguns poucos ateus e agnósticos estão tentando acordar a população para este tema tão real e urgente na nossa sociedade, enquanto os outros, que na verdade são antiteístas, vulgarmente chamados de neo-ateus, preferem tirar sarro da crença alheia e me parecem tão fanáticos pela sua não-religião quanto qualquer padre do século XIII.

Minha opinião é que estamos em uma situação de emergência política e precisamos nos mobilizar para acabar com esse Coronelismo Pentecostal antes que seja tarde.

Agora, aliás, me ocorreu uma nova pergunta: dizem que religião e política não se discute, mas e se as duas se tornarem a mesma coisa?


publicado em 14 de Agosto de 2012, 08:04
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Rafael Allegretti

Corretor de Imóveis. Apaixonado por direito, política e filosofia. Ainda acredita que o Brasil é o país do futuro.


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