Regras do futebol: quem as faz?

Na última quarta-feira, em jogo válido pela Copa do Brasil entre Atlético Mineiro e Goiás, o árbitro Márcio Chagas (RS) protagonizou uma cena rara.

Porém, totalmente compreensível.

O árbitro assumiu um erro.

O lance era bastante simples. Rever, zagueiro do Atlético Mineiro, recuou a bola com o peito para o goleiro. Chagas, num lapso de amnésia, interpretou o lance como ilegal. De nada adiantou o desespero do zagueiro atleticano lembrando que, além da cabeça, o peito é um modo legal de tocar a bola para o goleiro. Irredutível, Chagas marcou tiro livre indireto.

E aí aconteceu a mágica. Os comentaristas do SporTV não entenderam a marcação. O primeiro replay mostrou claramente que o toque havia sido com o peito. Nem mesmo próximo do braço tocou a bola para o árbitro marcar uma falta. Segundos após o primeiro replay, ficou claro que havia sido marcado o recuo. Aí o auxiliar (bandeirinha) Altemir Hausmann requeriu a presença de Chagas na linha lateral.

E avisou, enfim, que o lance era legal.

O árbitro pediu desculpas, anulou o cartão amarelo e deu bola ao chão.

Graças ao aviso de Hausmann.

E uma incrível coincidência de tudo isso acontecer após o replay da TV.

Link YouTube | Clique aqui para ver o lance

Caso o auxiliar do jogo de quarta-feira tenha recebido informação do erro via um quarto árbitro, ou então tenha entrado em campo em comunicação com alguém que acompanhava o jogo pela TV, trata-se de uma atitude ilegal. A regra não permite a utilização de VT para sanar jogadas duvidosas.

Mas o lance trouxe a tona uma velha discussão: usar ou não equipamentos eletrônicos para diminuir os erros de arbitragem no futebol?

Seria ótimo. Mas muita gente não gosta dessa ideia. Saiba quem são eles.

A International Board é quem manda

A International Football Association Board (IFAB) é o órgão que regulamenta as regras do futebol. Além de aprovar as leis do esporte ao longo do tempo, a entidade também elabora regras complementares que se aplicam as partidas.

A associação foi fundada em 1882 após um encontro envolvendo The Football Association (Inglaterra), a Scottish Football Association (Escócia), a Football Association of Wales (País de Gales) e a Irish Football Association. Na ocasião, as entidades representativas dos quatro países definiram as regras do futebol que seriam utilizadas nos confrontos entre os times dos quatro países.

Após a criação da FIFA, em 1904, a entidade adotou as regras estabelecidas pela IFAB. Com o crescimento do futebol pelo mundo, especialmente na Europa, a FIFA foi admitida com quatro membros na International Board, em 1913.

Em 1958, o conselho de administração da IFAB definiu o sistema de votação entre as associações britânicas de futebol e a FIFA. A entidade mundial contaria com  quatro representantes, enquanto cada país britânico continuaria com a mesma representatividade.

Essa não foi a foto mais sinistra que encontrei, é apenas a foto que a própria IFAB usa como destaque em sua página no site da FIFA

Sacou? Não existe regra nova se os velhinhos da International Board não concordarem.

Como a IFAB funciona, na prática?

Cada alteração na regra do futebol deve ser autorizada com a aprovação de seis representantes. Sendo assim, as propostas de mudança já propostas pela FIFA só podem ser aprovadas com a votação positiva de, pelo menos, dois países do Reino Unido.

A IFAB se encontra duas vezes por ano, somente. A primeira, no Encontro Anual Geral, para debater possíveis mudanças nas regras do futebol. Esse acontece sempre em fevereiro ou março. E outra, entre setembro e outubro, para o o Encontro Anual de Negócios, no qual debatem assuntos internos.

Até quatro semanas antes do Encontro Anual Geral, sugestões de mudanças devem ser enviadas para o secretário da associação que será anfitriã do encontro naquele ano. Todos os participantes recebem as sugestões e conversam sobre elas durante a reunião.

Implementações de novas regras são válidas a partir de primeiro de julho. Se uma temporada em determinado país estiver em curso nessa data, as novas regras serão válidas ao início da temporada seguinte.

Para uma mudança ser aprovada, ela precisa receber pelo menos três quartos dos votos presentes na sessão - e um desses votos necessita ser de ao menos um representante da FIFA.

Estranhamente, a IFAB não tem site próprio. Todas as informações oficiais a seu respeito estão no site da FIFA (felizmente, em português).

Jogos políticos e pressões por transparência

A FIFA tem recebido pressão mundial para sofrer reformas, se tornando mais clara, transparente e democrática. Não à toa, no último encontro estratégico da FIFA, em março desse ano, um dos principais assuntos foi o questionamento da composição do IFAB e a preponderância das nações britânicas.

Os britânicos, como poucos sabem, têm o direito de apontar o vice-presidente da FIFA. E isso tem incomodado muita gente há bastante tempo. No entanto, a Europa não deseja democracia ampla e irrestrita, quer apenas melhor divisão de poder entre seus próprios países. Mexer demais não seria bom, visto que, dos 24 integrantes da FIFA, um terço são europeus. Justificativa? É lá onde está centralizada o grosso da movimentação econômica no que diz respeito ao futebol.

Ninguém quer soltar a bola nessa disputa.

As regras do jogo, 2011/2012

Anualmente, a FIFA publica uma versão atualizada das regras do futebol em inglês, francês, alemão e espanhol. Sim, dessa vez o português está de fora.

Clique aqui para fazer o download do documento completo, de 140 páginas.

As regras do futebol, ilustradas com exemplos

A primeira grande mudança: bola com chip

Erro contra a Inglaterra em 2010 motivou mudanças

O erro grotesco do uruguaio Jorge Larrionda na Copa do Mundo de 2010, quando não validou um gol de Lampard contra a Alemanha, mexeu com o orgulho da International Board. Justamente por prejudicar a Inglaterra, eles decidiram implantar um novo sistema de confirmação de gols. Na Copa das Confederações de 2013, por meio de tecnologia desenvolvida pela Adidas, a FIFA vai utilizar bolas de futebol com chips. O mecanismo deve evitar casos como esse de 2010.

A primeira grande mudança da International Board nos últimos 20 anos vai de encontro com outro antológico lance das histórias da Copa do Mundo. Ironicamente, a favor da Inglaterra. Em 1966, anos da única conquista mundial dos inventores do futebol, um gol ilegal de Geoff Hurst foi validado para os donos da casa na final contra a Alemanha Ocidental.

Já o erro a favor de 1966 não fez diferença...

É por ser o esporte coletivo mais imprevisível de todos que o futebol é tão popular. Ao contrário do basquete ou do vôlei, nem sempre ter o melhor time é necessário para vencer. Situações que ocorrem durante o jogo, como um destaque individual ou mero lance de sorte, possibilitam variações de favoritismo ou vitórias em frações de segundo.

Muitos argumentam que, justamente por ser imprevisível, o futebol é tão apaixonante. E que grandes jogos foram marcados por falhas da arbitragem. Utilizam, inclusive, esse argumento para manter as regras do jeito que estão. Sem a influência da tecnologia para correção da falha humana.

Eu já discordo dessa visão.

O futebol é bom demais para carregar a marca de esporte do erro. Onde a vitória muitas vezes depende de um árbitro caseiro, um bandeirinha desatento ou auxiliar pressionado.

Tudo o que envolve o futebol evolui. As táticas, o preparo físico, os equipamentos esportivos, os estádios, os clubes e até a imprensa.

As regras não podem parar no tempo. Portanto, o que mudar?

ps.: não foi encontrado nenhum link, telefone, email ou endereço para contato direto com a IFAB.


publicado em 05 de Maio de 2012, 09:21
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Fred Fagundes

Fred Fagundes é gremista, gaúcho e bagual reprodutor. Já foi office boy, operador de CPD e diagramador de jornal. Considera futebol cultura. É maragato, jornalista e dono das melhores vagas em estacionamentos. Autor do "Top10Basf". Twitter: @fagundes.


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