Na última quarta-feira, em jogo válido pela Copa do Brasil entre Atlético Mineiro e Goiás, o árbitro Márcio Chagas (RS) protagonizou uma cena rara.

Porém, totalmente compreensível.

O árbitro assumiu um erro.

O lance era bastante simples. Rever, zagueiro do Atlético Mineiro, recuou a bola com o peito para o goleiro. Chagas, num lapso de amnésia, interpretou o lance como ilegal. De nada adiantou o desespero do zagueiro atleticano lembrando que, além da cabeça, o peito é um modo legal de tocar a bola para o goleiro. Irredutível, Chagas marcou tiro livre indireto.

E aí aconteceu a mágica. Os comentaristas do SporTV não entenderam a marcação. O primeiro replay mostrou claramente que o toque havia sido com o peito. Nem mesmo próximo do braço tocou a bola para o árbitro marcar uma falta. Segundos após o primeiro replay, ficou claro que havia sido marcado o recuo. Aí o auxiliar (bandeirinha) Altemir Hausmann requeriu a presença de Chagas na linha lateral.

E avisou, enfim, que o lance era legal.

O árbitro pediu desculpas, anulou o cartão amarelo e deu bola ao chão.

Graças ao aviso de Hausmann.

E uma incrível coincidência de tudo isso acontecer após o replay da TV.

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Caso o auxiliar do jogo de quarta-feira tenha recebido informação do erro via um quarto árbitro, ou então tenha entrado em campo em comunicação com alguém que acompanhava o jogo pela TV, trata-se de uma atitude ilegal. A regra não permite a utilização de VT para sanar jogadas duvidosas.

Mas o lance trouxe a tona uma velha discussão: usar ou não equipamentos eletrônicos para diminuir os erros de arbitragem no futebol?

Seria ótimo. Mas muita gente não gosta dessa ideia. Saiba quem são eles.

A International Board é quem manda

A International Football Association Board (IFAB) é o órgão que regulamenta as regras do futebol. Além de aprovar as leis do esporte ao longo do tempo, a entidade também elabora regras complementares que se aplicam as partidas.

A associação foi fundada em 1882 após um encontro envolvendo The Football Association (Inglaterra), a Scottish Football Association (Escócia), a Football Association of Wales (País de Gales) e a Irish Football Association. Na ocasião, as entidades representativas dos quatro países definiram as regras do futebol que seriam utilizadas nos confrontos entre os times dos quatro países.

Após a criação da FIFA, em 1904, a entidade adotou as regras estabelecidas pela IFAB. Com o crescimento do futebol pelo mundo, especialmente na Europa, a FIFA foi admitida com quatro membros na International Board, em 1913.

Em 1958, o conselho de administração da IFAB definiu o sistema de votação entre as associações britânicas de futebol e a FIFA. A entidade mundial contaria com  quatro representantes, enquanto cada país britânico continuaria com a mesma representatividade.

Essa não foi a foto mais sinistra que encontrei, é apenas a foto que a própria IFAB usa como destaque em sua página no site da FIFA

Sacou? Não existe regra nova se os velhinhos da International Board não concordarem.

Como a IFAB funciona, na prática?

Cada alteração na regra do futebol deve ser autorizada com a aprovação de seis representantes. Sendo assim, as propostas de mudança já propostas pela FIFA só podem ser aprovadas com a votação positiva de, pelo menos, dois países do Reino Unido.

A IFAB se encontra duas vezes por ano, somente. A primeira, no Encontro Anual Geral, para debater possíveis mudanças nas regras do futebol. Esse acontece sempre em fevereiro ou março. E outra, entre setembro e outubro, para o o Encontro Anual de Negócios, no qual debatem assuntos internos.

Até quatro semanas antes do Encontro Anual Geral, sugestões de mudanças devem ser enviadas para o secretário da associação que será anfitriã do encontro naquele ano. Todos os participantes recebem as sugestões e conversam sobre elas durante a reunião.

Implementações de novas regras são válidas a partir de primeiro de julho. Se uma temporada em determinado país estiver em curso nessa data, as novas regras serão válidas ao início da temporada seguinte.

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Para uma mudança ser aprovada, ela precisa receber pelo menos três quartos dos votos presentes na sessão – e um desses votos necessita ser de ao menos um representante da FIFA.

Estranhamente, a IFAB não tem site próprio. Todas as informações oficiais a seu respeito estão no site da FIFA (felizmente, em português).

Jogos políticos e pressões por transparência

A FIFA tem recebido pressão mundial para sofrer reformas, se tornando mais clara, transparente e democrática. Não à toa, no último encontro estratégico da FIFA, em março desse ano, um dos principais assuntos foi o questionamento da composição do IFAB e a preponderância das nações britânicas.

Os britânicos, como poucos sabem, têm o direito de apontar o vice-presidente da FIFA. E isso tem incomodado muita gente há bastante tempo. No entanto, a Europa não deseja democracia ampla e irrestrita, quer apenas melhor divisão de poder entre seus próprios países. Mexer demais não seria bom, visto que, dos 24 integrantes da FIFA, um terço são europeus. Justificativa? É lá onde está centralizada o grosso da movimentação econômica no que diz respeito ao futebol.

Ninguém quer soltar a bola nessa disputa.

As regras do jogo, 2011/2012

Anualmente, a FIFA publica uma versão atualizada das regras do futebol em inglês, francês, alemão e espanhol. Sim, dessa vez o português está de fora.

Clique aqui para fazer o download do documento completo, de 140 páginas.

As regras do futebol, ilustradas com exemplos

A primeira grande mudança: bola com chip

Erro contra a Inglaterra em 2010 motivou mudanças

O erro grotesco do uruguaio Jorge Larrionda na Copa do Mundo de 2010, quando não validou um gol de Lampard contra a Alemanha, mexeu com o orgulho da International Board. Justamente por prejudicar a Inglaterra, eles decidiram implantar um novo sistema de confirmação de gols. Na Copa das Confederações de 2013, por meio de tecnologia desenvolvida pela Adidas, a FIFA vai utilizar bolas de futebol com chips. O mecanismo deve evitar casos como esse de 2010.

A primeira grande mudança da International Board nos últimos 20 anos vai de encontro com outro antológico lance das histórias da Copa do Mundo. Ironicamente, a favor da Inglaterra. Em 1966, anos da única conquista mundial dos inventores do futebol, um gol ilegal de Geoff Hurst foi validado para os donos da casa na final contra a Alemanha Ocidental.

Já o erro a favor de 1966 não fez diferença…

É por ser o esporte coletivo mais imprevisível de todos que o futebol é tão popular. Ao contrário do basquete ou do vôlei, nem sempre ter o melhor time é necessário para vencer. Situações que ocorrem durante o jogo, como um destaque individual ou mero lance de sorte, possibilitam variações de favoritismo ou vitórias em frações de segundo.

Muitos argumentam que, justamente por ser imprevisível, o futebol é tão apaixonante. E que grandes jogos foram marcados por falhas da arbitragem. Utilizam, inclusive, esse argumento para manter as regras do jeito que estão. Sem a influência da tecnologia para correção da falha humana.

Eu já discordo dessa visão.

O futebol é bom demais para carregar a marca de esporte do erro. Onde a vitória muitas vezes depende de um árbitro caseiro, um bandeirinha desatento ou auxiliar pressionado.

Tudo o que envolve o futebol evolui. As táticas, o preparo físico, os equipamentos esportivos, os estádios, os clubes e até a imprensa.

As regras não podem parar no tempo. Portanto, o que mudar?

ps.: não foi encontrado nenhum link, telefone, email ou endereço para contato direto com a IFAB.

Fred Fagundes é gremista, gaúcho e bagual reprodutor. Já foi office boy, operador de CPD e diagramador de jornal. Considera futebol cultura. É maragato, jornalista e dono das melhores vagas em estacionamentos. Autor do <a>"Top10Basf"</a>. Twitter: <a href="http://twitter.com/fagundes">@fagundes</a>."