Reflexões sobre liberdade, risco e medo

Já faz quase 8 meses que comecei minha travessia. Eu era um consultor de tecnologia, atendendo principalmente grandes empresas e governo. O trabalho não era ruim, a empresa era boa e me fornecia beneficios que não encontramos normalmente por aí. Só que faltava algo, um motivo, produzir dentro do que acredito. Assim, pedi para sair do universo corporativo e decidi enfrentar uma longa jornada, buscando realizar coisas que façam sentido para mim e tenham potencial de favorecer o mundo.

Não sei ao certo como será o resultado de tudo isso, mas sei de uma coisa: a transformação que sofri ao longo do processo valeu por muitos anos de experiência.

O caminho não está sendo simples e não vou mentir: todos os dias representam um novo desafio, um bloqueio a ser vencido. Para quem não leu, este texto é uma continuação prática do texto que escrevi quando pedi demissão para buscar meu próprio caminho.

Antes de começar minhas reflexões, é importante deixar bem claro que, sim, eu li o texto que afirma: “O mantra de fazer o que ama é ruim para o trabalho”, inclusive, traduzido aqui no PdH.

Acho esse discurso sobre o tema bem bonito, uma clara demonstração de como tudo pode ser racionalizado para nos convencer que estamos bem em nossa bolha e não precisamos ficar chateados por passar 8 horas por dia fazendo algo que não nos representa nada. No meu caso, porém, não quero mais fazer parte disso. Não me leve a mal.

Aos que certamente vão comentar, como no primeiro texto, sobre o quanto é irreal esse tipo de atitude, cito o meu atual autor favorito, Nassim Nicholas Taleb, em seu livro Antifragile. Esse trecho me gera bastante identificação, por isso, faço questão de destacar:

“Em acordo com o ethos do praticante, a regra deste livro é a seguinte: eu como minha própria comida.
Eu apenas escrevo, em cada linha escrita ao longo da minha vida profissional, sobre coisas que fiz. E os riscos que recomendei que outros assumissem ou evitassem, eu mesmo tenho assumido e evitado. Eu serei o primeiro a ser ferido se estiver errado.[…] Não significa que a experiência pessoal de uma pessoa constitua em amostra suficiente para derivar uma conclusão sobre uma ideia; mas uma experiência pessoal gera um selo de autenticidade e sinceridade sobre uma opinião.”

Meu ultimo dia de trabalho foi uma terça-feira, após outros trinta cumprindo aviso prévio. Empacotei meus 8 anos de empresa e me despedi de todos os que fizeram parte daquela longa experiência. Saí pela porta de vidro com um sentimento de liberdade. Liberdade que é um conceito bastante relativo nos dias de hoje mas, pra mim, significava descobrir quem sou.

“Vá para o trabalho, mande os filhos para escola, siga a moda, aja normalmente, ande pelo pavimento, veja TV, guarde dinheiro para velhice, obedeça a lei, repita depois de mim: eu sou livre.”
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Ao longo dos anos prestando consultoria para grandes órgãos públicos em Brasília, uma cidade pequena onde você certamente vai esbarrar com seus clientes pela rua, a preocupação de manter uma boa aparência e manter uma postura profissional está presente grande parte do tempo.

Imagine esbarrar com o diretor geral de um órgão federal, que confiou em você um projeto de 10 milhões de reais, vestindo roupas rasgadas e sujas. Com as mãos calejadas e sangrando. Isso aconteceria se encontrasse alguém em um dia comum no qual fui treinar Parkour. Mesma coisa sobre olho roxo, ralados no rosto e assim por diante.

Ao passar dos anos fui me podando, polindo muitos hábitos e vontades para me tornar socialmente aceito dentro das necessidades da minha profissão. É assim com todos, o trabalho que você exerce influencia diretamente em características fortes da sua personalidade, mesmo alguns chamando isso apenas de “maturidade profissional”.

Mesmo que seu objetivo seja trabalhar, não se incomodar muito com as coisas, ganhar seu dinheiro e voltar para casa, para – aí sim – começar o que chamam de vida pessoal, não se iluda. Seu emprego tem uma grande influência sobre quem você é. Achar que passa 40 horas por semana fazendo algo e vai sair dessa impunemente é ingenuidade. Não existe a tal divisão entre vida profissional e pessoal, você é um só.

Poder acordar e vestir qualquer roupa, emitir opiniões sobre assuntos delicados na minha página do Facebook e blog, que antes eu não poderia, voltar a assumir meus interesses e vontades como prioridade. Pequenos privilégios que eu havia perdido.

Pela primeira vez depois de anos, meus problemas pessoais eram mais importantes do que o resultado dos meus projetos na empresa. Tudo isso pode parecer bobo e superficial, mas a sensação de não dever nada a ninguém é maravilhosa. É uma pena só descobrir o quanto fomos lapidados por todos esses fatores sociais quando conseguimos ficar um pouco à parte deles.

Enquanto escrevo, tenho 11 calos nas duas mãos, um olho roxo, boca cortada e cortes feitos ao raspar a cabeça, mas meu trabalho está feito.

Infelizmente, nem tudo é lindo e colorido. Nossa sociedade é formada por títulos e as pessoas adoram ser colocadas em caixinhas que as diferenciam das outras. Ao sair da empresa, precisei reescrever meu “título” em certos lugares e passei alguns momentos difíceis refletindo sobre quem sou ou, mais importante que isso, o que eu faço.

Esse sentimento fica claro nesse trecho do livro Religião Para Ateus do filósofo Alain de Botton, que utilizei também em outro texto:

“Ainda que a sociedade moderna continuamente nos prometa acesso a uma comunidade, trata-se de uma comunidade centrada no culto do sucesso profissional.
Sentimos que estamos batendo à sua porta quando a primeira pergunta que nos indagam em uma festa é ‘o que você faz?’ – e a resposta determinará se seremos bem acolhidos ou se nos abandonarão ao relento.
Nessas reuniões competitivas e pseudocomunais, poucos de nossos atributos valem como moeda para comprar a boa vontade de estranhos.
O que importa acima de tudo, é o que está em nossos cartões de visita, e aqueles que optaram por passar a vida cuidando dos filhos, escrevendo poesia ou jardinando ficarão com certeza de que foram contra a corrente dos costumes dominantes dos poderosos e que merecem ser devidamente marginalizados.”

Demorei um pouco para me livrar da culpa de não fazer mais parte do culto tradicional. Porém, o peso da minha escolha reaparece a cada conversa informal com uma nova pessoa.

Administrando a vida

Quando você decide trabalhar por conta própria, desenvolvendo projetos pessoais e assumindo os riscos que a decisão envolve, existe uma verdade que precisa ser encarada. Você, apenas você, vai fazer seu trabalho acontecer. Se ficar doente, não adianta levar um atestado médico para si mesmo, isso não vai fazer o dinheiro perdido naquele dia aparecer magicamente em sua conta bancária.

Em casos como esse, seu corpo precisa ser tratado como um empregado muito valioso. É preciso entender quando simplesmente permitir que ele tire folga, não empurrando além do necessário. Deixá-lo relaxar jogando video game, vendo um seriado ou simplesmente deitado no chão do quarto. Importante ressaltar: esse funcionário essencial precisa de responsabilidades e rotinas sólidas, garantia que o mínimo básico vai ser alcançado, ou que às vezes ele só está de frescura mesmo. Essa distinção é bem difícil.

Link Vimeo | Pense assim: o que acontece se você se descuidar?

Alimentação e exercícios físicos passam a ser elementos determinantes para o seu sucesso diário. Comeu muito antes de dormir? Seu sono será prejudicado, acordará mais cansado e mais tarde, tudo refletindo no trabalho que precisa ser feito. Burlou a rotina de exercícios? Em pouco tempo as dores nas costas, articulações e estresse passam a interferir em tudo o que faz. Não existe substituto ou equipe para balancear as coisas.

A liberdade profissional tem um preço. Nesse caso, tudo o que você faz para o seu corpo e mente reflete diretamente no produto ou serviço que está entregando. Recentemente postei alguns hábitos que adotei para manter a “casa” em ordem. Todos eles tem sido essenciais para me manter no ritmo.

Por outro lado, existe a consciência de que não preciso agradar o ego de ninguém. Fingir que estou trabalhando quando tudo está feito e entregue, ou quando estou num necessário ócio criativo. Quantas vezes não ouvi ao longo da minha vida profissional:

“Se não tem nada pra fazer? Invente algo.”

E é por isso que a lei de Parkinson funciona tão bem, e uma tarefa sempre vai durar todo o tempo que ela tem para ser executada. Quem já trabalhou numa empresa tradicional já aprendeu que não se faz nada com total capacidade. Toda eficiência será punida com mais trabalho e a maioria tarefas que não são necessárias são feitas só para se mostrar ocupado.

Saber quando não fazer nada sem se punir por isso é vital. Austin Kleon no livro “How to steal like an artist” escreveu:

“Uma vez ouvi um parceiro de trabalho dizer: ‘Quando eu estou ocupado, eu me torno estúpido’. Pessoas criativas precisam de tempo para sentar por aí sem fazer nada.”

Empreendedores, assim como músicos, escritores, pintores e outros artistas que são movidos por sua criatividade, se não pararem para refletir sobre o que estão fazendo acabam apenas se mantendo ocupados, mas não criam nada.

O risco existe e assusta, mas é bom

Não vou mentir, toda essa liberdade é linda mas o medo é grande. Em alguns momentos me sinto como quando assisto o filme Na Natureza Selvagem. Christofer MCandless larga tudo e vai viver a vida que tanto sonhou. Enquanto tudo dá certo, é divertido e bonito, mas quando você vê, comeu a planta errada e está agonizando num ônibus abandonado no meio do Alasca.

O lado bom é que tirando a morte, poucas coisas são irremediáveis.

Levando pela média da minha família, devo viver até uns 80 anos, se não for assassinado ou pegar uma doença grave. Tenho consciência que, por pior que a situação termine depois de tudo isso, se daqui a pouco tudo der errado, eu perder todos os meus clientes e por um lapso qualquer não conseguir criar mais nada que garanta meu sustento, ainda tenho pessoas que podem me ajudar, e esta, sim, é a real garantia de estabilidade.

É bom ter alguém com quem contar nas horas de aperto
É bom ter alguém com quem contar nas horas de aperto

Ao tomar uma decisão arriscada como a minha, precisamos observar bem as pessoas que nos cercam. Despir-nos do ego e perguntar com a honestidade de quem espera uma ajuda verdadeira:

“Vou encarar essa, posso contar com você?”

Meus amigos tem sido parte importante do meu processo de aprendizado. Cada conselho, conversa e mensagem trocada. Tudo, no fim das contas, é um pedido de ajuda que acaba fortalecendo laços.

As coisas podem ficar difíceis – e certamente vão, em algum momento. A única certeza é que nada continuará igual, tudo vai melhorar e piorar muitas vezes, para todos os lados, até o dia em que a gente partir desse mundo – e aí não fará mais diferença. Cercar-nos de pessoas boas e fantásticas é a obrigação de cada um de nós. Procure pessoas melhores que você e aprenda com elas, o tempo inteiro. Mostre-se disponível e peça ajuda.

Mas não dá pra negar que o medo é bom e nos leva adiante. É muito comum observar empresas novas, e empreendedores individuais que realizaram feitos tão surpreendentes, inovações tão importantes para a sociedade que rapidamente se destacam no meio dos gigantes. Taleb chama isso de ter “a pele em jogo”. Grandes empresas tem muito a perder e acabam se arriscando cada vez menos. Essa busca por “estabilidade” acaba nos guiando para um platô, onde vamos muito pouco para frente ou para trás. Temos medos de acabar como os muitos que fracassaram e não ousamos ir adiante.

Fecho também citando Antifragile:

“Quer inovar? Primeiro, coloque-se em confusão. Quero dizer, uma confusão séria, mas não terminal. Eu digo – e vai além da especulação, mas sim uma convicção – que inovação e sofisticação surgem de situações de necessidade, em formas que vão muito além da sua satisfação. Naturalmente, existem pensamentos clássicos sobre o assunto. Um ditado em latim diz que a sofisticação nasce da fome (artificia docuit fames). A ideia permeia a literatura clássica. Em Ovid, a dificuldade é o que desperta o gênio (ingenium mala saepe movent), que no inglês do Brooklyn pode ser traduzido como “Quando a vida te dá um limão…”.

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publicado em 09 de Abril de 2014, 07:01
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Alberto Brandão

É analista de sistemas, estudante de física e escritor colunista do Papo de Homem. Escreve sobre tudo o que acha interessante no Mnenyie, e também produz uma newsletter semanal, a Caos (Con)textual, com textos exclusivos e curadoria de conteúdo. Ficaria honrado em ser seu amigo no Facebook e conversar com você por email.


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