"Puta! Vadia! Vagabunda! Piranha!"

Depois de quase dois meses no ar, o Big Brother Brasil – que já passou pela polêmica do estupro de uma participante logo no início da edição – é palco de mais um alvoroço. Renata, a simpática loira de olhos claros com cara de princesa e nora que mamãe pediu a Deus, “surpreende” o país e ganha um apelido nada carinhoso pela classe popular e pelos comentaristas de plantão nas redes sociais: piranha!

Loira gostosa bonita procura

E aí vemos como a moça bonita, de atitude liberal, tem caído no gosto popular como a puta da vez por ter ficado com dois rapazes e se insinuado para um terceiro nesse tempo de confinamento.

A pergunta é: qual é o problema nisso?

O foco aqui não é sobre o Big Brother ou a guria em questão. Se olharmos melhor, a atitude crítica que originou esse boca a boca difamatório tem raízes mais fundas do que o aparente ódio feminino pela garota bonita que faz o que quer na hora que quer. Esse comportamento de quem julga é muito mais comum do que se imagina. Quantas vezes ouvimos:

"Garotas que dão no primeiro encontro são putas."

Ou:

"Mulheres que correm atrás de homens são piranhas que não valem nada."

Aparentemente, sexo por sexo é coisa de prostituta porque mulher tem que pensar em sexo mesmo é com amor. Seguimos a velha tradição de que o sexo foi feito para o homem, e que à mulher não está permitido pensar nisso e nem agir como um ser humano normal, com tesão e necessidade de satisfazer a si mesma. A honra do véu e da grinalda, que caiu por terra ao mesmo tempo em que as mulheres conquistaram o direito de pensar igual aos homens, é defendida de uma maneira ambígua. O machismo enrustido, alimentado por décadas e décadas, ainda existe e é mais forte do que se pensa. Tanto que o olhar de lado é quase inevitável quando se ouve dizer que a moça ficou com tantos caras nesse “curto” espaço de tempo de 90 dias.

Herdamos a hipocrisia

A nossa geração ainda conserva a defesa de uma honra puritana que não existe mais. Ou, se existe, não é tão mais forte assim. Por fora, nós defendemos o direito de mulheres que têm atitude e que são ícones no que fazem: gostamos quando a gostosa da balada vai direto pra nossa casa ou quando aquela menina bacana que a gente conheceu entra no nosso carro e diz que está com tesão. Mas por dentro, ainda reside o julgamento de que ela não presta para ser apresentada aos nossos pais e amigos e não é digna de respeito e orgulho por nossa parte. Afinal de contas, a liberdade feminina igualada à nossa própria liberdade torna as mulheres mulheres fáceis enquanto nós temos todo o direito de agir e pensar em sexo 24 horas por dia.

Até o sol vira desculpa para o tesão. Mas dizem por aí que "o sol nasce pra todos", homens e mulheres

Tudo é um produto cultural de um longo tempo na História onde se cozinhou a ideia retrógrada de que mulheres são donzelas em perigo necessitadas de homens fortes e cheios de poder para defendê-las e agir por elas.

O machismo limita as mulheres

Uma pena também é a reação feminina a situações como essa. Elas se limitam e deixam de fazer coisas que talvez tenham vontade pela pura pressão do que os outros vão achar e como vão julgar. Esse papo não é só sobre sexo, mas sobre ir atrás de quem querem, de serem mais ousadas, de se divertirem à sua maneira.

Ao mesmo tempo, elas julgam as outras por coisas que “desonram a imagem da classe” e propagam o machismo com frases como:

“Nossa, ela pegou três da mesma casa!”

Ou:

“É uma piranha mesmo! Fica dizendo que quer o cara...”

Ou ainda:

“Se não fosse puta, não diria que quer dar assim, na cara de pau.”

Se estivessem falando de um homem, talvez, as expressões de desaprovação passariam para um tom de naturalidade e conformidade. Afinal de contas, elas foram ensinadas a vida toda a pensar que o normal é que o cara seja pegador, tenha experiência, goste e pense em sexo. Só que, pra elas, agir da mesma forma é sujar uma honra que transita pelo imaginário feminino desde sempre.

E a liberdade feminina fica onde?

A mulher do século XXI pode, deve e tem o poder para largar a submissão, mesmo que enrustida, dos padrões estipulados. Mas, enquanto esse “aprisionamento” partir delas mesmas, nenhuma vai ter poder o suficiente de se levantar e ter as suas ações mais liberais percebidas como normais. Aliás, vejam bem, uma mulher com atitude é tida como liberal – ou seja, diferente da maioria –; um homem que age da mesma maneira é tido apenas como homem.

Mulheres que fazem o que querem não deveriam sem tidas como "liberais", mas simplesmente como "mulheres"

Este não é um discurso feminista. Longe de mim. É um discurso de quem ainda acredita que a gente pode deixar de ser mesquinho e aceitar as atitudes das mulheres como algo natural ao convívio. Eu ainda tenho esperanças de que um dia a guria da balada me diga que só veio para transar em vez de afirma que está ali para dançar. E que ninguém estranhe isso.

Ainda tenho esperanças de que a vizinha de cima apareça lá em casa para um papo e um sexo sem compromisso porque deu vontade e ela se lembrou de mim. Ainda tenho esperanças de que a gerente do banco possa pegar quem ela quiser no espaço de tempo que for sem que os colegas de trabalho a chamem de piranha.

Ainda tenho esperanças de que elas possam ser sexualmente livres e se sentirem melhores com isso. Porque enquanto as vontades, os desejos e as atitudes estiverem sob um olhar velado de julgamento, não existe liberdade pra ninguém.


publicado em 01 de Março de 2012, 21:01
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Daniel Oliveira

Daniel Oliveira é “jornalista de comportamento” em mesa de bar, publicitário em formação, botafoguense por amor e canalha romântico. Não presta e não deve ser levado a sério. É colunista do Casal Sem Vergonha e escreve sobre relacionamentos no Entre Todas As Coisas.


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