Políticas públicas para as favelas brasileiras

É difícil entender o Brasil sem entender as favelas.

Elas estão presentes em todas as regiões metropolitanas e abrigam mais de onze milhões de pessoas, segundo dados do Censo 2010. No Rio de Janeiro, por exemplo, 22% da população vive em favelas – de cada 5 cariocas, um é morador de comunidade vulnerável. É mais de um milhão de pessoas, em apenas uma cidade! Ainda falando do Rio, entre 1991 e 2010, a população da cidade formal cresceu 0,4%, enquanto a população de favela cresceu 2,4%, segundo informações do Instituto Pereira Passos.

As favelas possuem configurações e problemas diferentes, mas cada vez mais a ideia de miséria vem se tornando uma característica do passado. Até 2004, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do IBGE, a pobreza metropolitana aumentou no Brasil. Haroldo Torres, sócio da DIN4MO, explica que mais pessoas passaram a viver em favelas, porém, seus padrões de consumo melhoraram. 

A expansão de políticas públicas, a inflação controlada, o maior acesso das mulheres ao mercado de trabalho e a redução do número de integrantes nas famílias contribuíram para a redução dos indicadores negativos.

Edward Glaeser, professor de Harvard e autor de "Triunfo da Cidade" (Triumph of the City: How our greatest invention makes us richer, smarter, greener, healthier, and happier, Editora Penguin), diz que as favelas são o melhor retrato do dinamismo das cidades. 

O senso comum associa o estigma de problema a essas comunidades, onde a presença do Estado nem sempre é sentida e as oportunidades básicas são muitas vezes ausentes. 

O que Glaeser aponta é que, a despeito de tudo isso, a proximidade de melhores oportunidades, sobretudo no mercado de trabalho, atrai uma população crescente que escolhe viver nas favelas ao invés de permanecer na zona rural ou em cidades de menor porte.

Novos perfis se revelam e outras perspectivas precisam ser avaliadas. Em um momento de crise, a economia desacelera, mas a vida não para. Ainda há trabalho, mão de obra e mercado consumidor. 

Em 2013, a população de favela movimentou cerca de 28 bilhões de dólares em serviços financeiros, segundo Tales Gomes, co-fundador da Plataforma Saúde

Há muito negócio a ser feito, e de maneira igualitária, onde é possível oferecer serviços de qualidade e contar com pessoas que trabalham, ganham seu dinheiro e o reinvestem como conseguem, de acordo com aquilo que lhes é oferecido.

Dito isto, os desafios ainda são enormes. A população das favelas ainda busca a maior parte dos bens e serviços básicos fora delas, no asfalto. 

As habitações precárias afetam todas as dimensões da vida: de saúde (em função do lixo descartado de maneira inadequada, ausência de rede geral de escoamento sanitário, ventilação inadequada, problemas de umidade e mofo), passando por crédito (já que a casa não pode ser usada como garantia na tomada de empréstimos) e decisões de trabalho (como discute Hernando de Soto no livro "O Mistério do Capital", em alguns países a insegurança de direitos de propriedade impede as mulheres de trabalhar para evitar que sua casa seja invadida, por exemplo) até auto-estima e aspirações e participação política.

O Carteiro Amigo, empresa que surgiu na Rocinha e hoje atua em diversas comunidades para distribuir correspondências a cidadãos que, para o Estado, não têm endereço, exemplifica a amplitude desses impactos. 

Segundo seus fundadores, “o endereço não é apenas um endereço, ele identifica você como um cidadão. Se a pessoa tem um endereço, ela existe e passa a cobrar do governo coisas como saneamento básico e transporte”.

Na escala de prioridades, cada comunidade é única. Mas é difícil imaginar uma prioridade mais clara que segurança pública nas favelas não pacificadas. A presença do tráfico de drogas e o conflito permanente têm efeitos tão ou mais abrangentes que aqueles da moradia inadequada. Além das fatalidades e do medo constante, os episódios de violência são disruptivos para os serviços públicos nas comunidades. 

A própria Plataforma Saúde já teve que fechar as portas no Morro da Providência durante uma ação policial. Rudi Rocha, economista e professor no Instituto de Economia da UFRJ, aponta o quão prejudicial os episódios de violência nas favelas são para o desempenho dos alunos que estudam nas regiões afetadas. 

O estresse psicológico, os dias em que a escola precisa ser fechada, a abstenção dos professores e o aumento da rotatividade dos diretores são fatores predominantes. Se é possível que existam escolas com bom desempenho em locais violentos, a violência extrema restringe a eficácia de qualquer política pública. Daí a importância do Estado focalizar a segurança em primeiro lugar para poder implementar outras ações de forma mais sólida.

O problema de violência do Rio de Janeiro é muito complexo e de difícil solução. A política de segurança está na direção certa, que é a de enfrentamento e ocupação dos territórios, o que por muito tempo foi abandonado e talvez por isso exista a situação atual. 

Estudo dos economistas Bruno Ottoni e Claudio Ferraz aponta que as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) tiveram sucesso em reduzir a violência nas comunidades em que foram implantadas. No entanto, talvez o processo de implantação das UPPs tenha sido rápido demais. A consolidação é difícil e já se observam casos de retrocesso. O desafio permanece.

Pensando em políticas públicas para as favelas brasileiras, a questão é encontrar maneiras de se fazer mais com menos, ou seja, trazer mais produtos e serviços para os mais pobres com menos recursos. O Estado pode muito, mas não pode tudo. O que falta? Vontade política? Pensar em um prazo além da próxima eleição? Enxugar o orçamento e investir nos setores carentes? Além de tudo isso, é preciso construir um diálogo que envolva diversos setores e que aproveite a energia empreendedora que se vê em ação no país.

O empreendedorismo social pode ser o vetor para a transformação nas comunidades, porque ele está alinhado mais à ideia horizontal de solidariedade, e esse conceito propõe uma relação diferente com o consumidor. Você não está simplesmente ajudando o usuário, vocês dois juntos estão se engajando em algo que vai gerar valor para a comunidade e que vai gerar valor financeiro para a empresa. É um modelo onde todo mundo ganha.

Se as favelas têm muito problemas, para o empreendedor social problemas são oportunidades. O papel do empreendedor social é o de não esperar que os representantes tenham vontade política e que as soluções apareçam. Ele é o cara que cria oportunidades, que constrói esse caminho. E esse caminho só pode ser construído dando voz às comunidades.

Um exemplo disso é a empresa MGov Brasil, quer levar esse conceito ao pé da letra. Representando o Brasil no The Venture, a “copa do mundo dos negócios sociais”, a empresa – eleita no ano passado a inovação social brasileira liderada por jovens de menos de 35 anos pela MIT Technology Review, e vencedora do Prêmio Jovens Inspiradores de 2014 – está tentando arrecadar 15 mil dólares para criar uma ferramenta que permita aos moradores das favelas brasileiras avaliar a qualidade dos serviços públicos locais pelo celular, diretamente, sem intermediários. 

Segundo Renato Meirelles e Celso Athayde, no livro "Um País Chamado Favela", se 85% dos moradores de favela têm telefone celular, somente 50% têm acesso a internet e 22% tem smartphones. É por isso que a MGov trabalha no offline – SMS e chamadas automáticas de voz –; quando se trata de políticas públicas, é preciso chegar a todo mundo.

Essa é a última semana da votação popular – toda semana, o The Venture divide 50 mil dólares entre os participantes de acordo com sua % da votação. Até aqui, cada voto valeu aproximadamente 4 dólares. Dessa forma, você pode ajudar essa causa sem nenhum custo para você, em menos de 1 minuto, votando através desse link.

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As informações contidas neste texto foram compiladas após diversas entrevistas com gestores públicos, especialistas, ativistas e empreendedores sociais para a série Políticas para Favelas, lançada pelo MGov Brasil, com objetivo de embasar um estudo que possa viabilizar uma solução para dar voz às favelas brasileiras, permitindo aos moradores de comunidades vulneráveis expressar suas demandas e avaliar os serviços públicos existentes diretamente, sem intermediários.

O conteúdo aqui apresentado é apenas um fragmento de todo o contexto exposto nas conversas. Conheça mais sobre o assunto no blog Cidadania Fácil e saiba qual é a opinião dos entrevistados sobre os serviços públicos que mais faltam nas favelas brasileiras, qual o papel do Estado e de outros atores na superação da desigualdade de oportunidades entre favela e asfalto, e sobre sua visão acerca da qualidade do debate brasileiro desse tema.

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Nota: texto escrito em parceria com Patrícia Siqueira, jornalista formada pela Universidade Federal de Santa Catarina


publicado em 12 de Junho de 2015, 13:21
Guilherme

Guilherme Lichand

Sócio-fundador da MGov Brasil e doutorando em Economia Política e Governo pela Harvard University.


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