Piquet-Gate: O maior escândalo da Fórmula 1?

Estava eu assistindo a transmissão do Grande Prêmio da Hungria quando recebo o SMS de um amigo: "Põe na Globo que a transmissão lá tá boa!". Fiquei procurando a Globo e, ao chegar lá, Reginaldo Leme falava que Nelson Piquet Jr, ex-piloto da Renault, teria batido de propósito em Singapura, no ano anterior.

Pronto, estava jogada a merda no ventilador. A notícia se espalharia pelo mundo e monopolizaria toda e qualquer coisa falada sobre F1 durante o mês de agosto.

Problemas, problemas, problemas

A F1 sempre foi recheada de problemas, inclusive alguns dizem que ai está a grande graça da coisa toda.

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Piquet + muro = Alonso em primeiro.

Temos problemas políticos. Veja por exemplo a Fota (associação das equipes) ameaçando que todas sairiam e criariam um campeonato paralelo por não concordar com as regras que diminuiriam a competitividade. Bonzinho eles não? Obviamente uma manobra que garantiu não somente uma promessa de Mosley, presidente da FIA, que ele não tentaria se reeleger agora em novembro, mas também uma revisão na fatia dos direitos de TV (cada equipe recebe uma pequena porcentagem dos direitos de TV), ou seja, mais dinheiro pro bolso.

Problemas técnicos... Alguém lembra os pneus Michelin? A regra dizia que o pneu tinha que ser de uma largura X antes da corrida, mas ninguém falava como tinha que ser durante! A Michelin fez pneus que aumentavam a largura com o aumento de temperatura, e então durante a corrida dando os carro conseguiam mais aderência. Brigas, brigas e mais brigas, a Ferrari, que não usava os Michelin, ganhou todas as 5 corridas restantes e foi campeã.

Imbecilidade extrema falar que este foi o pior problema que a F1 já presenciou. OK, um piloto se acidentou de propósito e estão criticando o cara por isso.

O caso Senna X Prost

Vocês se lembram, por acaso, no final da década de 80, dois "pequenos" acidentes causados por ninguém mais ninguém menos que Senna e Prost? Quem vencesse a corrida seria campeão, perguntaram a Prost se ele deixaria Senna passar, ele respondeu prontamente que se Senna tentasse iria tirá-lo da corrida. Na primeira curva, Senna exagerou na dose, freou em cima e Prost não pensou duas vezes, socou o carro em cima de Senna, os dois saíram da corrida e Prost sagrou-se campeão.

No ano seguinte, na mesma corrida, decisão de campeonato, no final da reta Senna estava atrás e simplesmente não freou. Acertou Prost em cheio, os dois carros voaram para a caixa de brita totalmente destruídos e Senna foi campeão.

No final da corrida ainda falou que fez e fez de propósito.

Vídeo no YouTube

Ao que tudo indica, erros são justificáveis se você é campeão

Bater a 30 km/h numa curva longe de todo mundo: RUIM. Causar o acidente acima para ganhar campeonato: GENIAL.

E Schummacher, em 2006, que parou no meio da corrida em Mônaco? E Schummacher, novamente, que tirou Hill de uma prova em Adelaide arregaçando o carro de ambos?

OK, deixa eu entender então: bater no final de uma reta a 250 km/h no seu oponente e destruir ambos os carros afim de ganhar o título ninguém reclama. Bater sozinho, sem ninguém por perto, a 40km/h, e você é o grande vilão no maior escândalo da F1?

A desculpa de que isso alterou resultado de corridas também não é valida. Simplesmente todas as equipes nas últimas décadas previlegiaram um piloto mais que o outro e alternaram posições. Bater pro seu companheiro ganhar é ruim, mas ficar alguns segundos a mais no pit enquanto seu companheiro te ultrapassa, não? Frear a poucos metros da linha de chegada, indo devagarzinho pro seu companheiro passar a milhão (Barrichello e Schumi) é coisa de gente legal?

Não há desculpas, alteração de resultado é alteração de resultado, não importa como.

Pior ainda, falar que o Piquet-Gate surgiu porque Piquet Jr é mimado e "dedurou" Briatore após ser despedido é típico de quem lê qualquer cobertura da F1 no Brasil. Não faça isso, caro usuário deste prestigioso site.

Imagine que você é um engenheiro de alguma equipe, estudou 20 anos e há 30 trabalha com F1, vendo carros, números, batidas e corridas todo dia. Na hora em que o cara bateu, você não pensaria "Hmm, isso não está certo"? Foi o que aconteceu entre todas as equipes. Assim que acabou a corrida, já corria a conversa nos bastidores que a coisa foi armada, mas como provar isso? Impossível. Felipe Massa, que liderava a prova em que Piquet bateu, questionou Flavio Briatore pessoalmente sobre o acidente.

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Trio amoroso da Renault.

É fato: todo mundo sabia

A FIA foi avisada, ano passado, de uma possível farsa mas nada fez. Por quê? Política, óbvio, e isso tem um nome: Mosley.

Nosso querido Max "Spanky" Mosley sairá da F1 agora no final do ano, quando ocorre uma nova eleição para presidente da FIA. Não vai, no entanto, sem levar junto todos seus desafetos. Primeiro foi Ron Dennis, agora Briatore.

Não me espanta se Mosley estivesse, durante todo este tempo, com uma carta na manga, esperando para liberar este escândalo e julgar os "culpados" quando lhe fosse conveniente. E veja bem, que momento oportuno, o cara fez isso justamente antes da eleição para presidente da FIA, tirando um cara forte da jogada (Briatore) que era totalmente contra o candidato de Mosley, o ex-ferrarista Jean Todt.

OK, não que o Briatore não merecesse tal punição. O cara está sendo investigado, na Itália, em como ele conseguiu todos os contratos de uma empresa depois que seu concorrente, milagrosamente, teve seu carro explodido e morreu. O cara, sem dúvida, é mafioso da pior espécie e já deveria estar longe da F1 faz tempo.

Mas a maneira que foi feito deixou evidente que Mosley arquitetou perfeitamente o plano. Como todo mundo já sabia da falcatrua, ele chegou para Piquet Jr e ofereceu "imunidade" em caso de confissão. Piquet, que não é bobo, disse OK. Ninguém sai culpado e retira-se, assim, o Briatore da jogada.

Mas e a Renault, você vai me perguntar, não merecia também ser punida? Sim, mas você puniria uma equipe que está prestes a sair da F1 e faria 800 pessoas perderem o emprego? Melhor ainda, Mosley trocou a "imunidade" da Renault por uma certeza que ela continuará no grid ano que vem! (Pode falar o que quiser do Mosley, mas há de se convir uma coisa, o cara é liso!).

Mas e o Alonso?

Pior ainda, e o maior beneficiado desta história, o Alonso? Ahhh queridão, o Alonso é outra história. O espanhol deve ser um dos maiores encrenqueiros da F1. Engraçado que criticam o Nelsinho por "dedurar" a equipe, mas esquecem que Alonso fez a mesma coisa dois anos atrás. Lembram?

Hamilton entrou na McLaren e estava conseguindo resultados um pouco melhores que Alonso. Fernandão deu chilique e disse que não mais compartilharia seu setups de carro com o negão, como pode um novato andar mais que um bicampeão mundial? Esqueceu somente que Hamilton é agenciado pelo chefe, na época, da Mclaren, Sir Ron Dennis! O que nosso querido Ron falou pro Alonso?

"Filho, seguinte, aqui quem manda sou eu, você é meu funcionário e vai passar tudo sim pro meu querido Hamilton"
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Briatore e a esposa: o amor é lindo. (Inveja).

Veja bem, caro usuário, Alonso não está acostumado com tal coisa. Desde que entrou na F1, Alonso está acostumado a ter a seu favor a equipe toda, todos trabalhando (e roubando) para ele, inclusive o companheiro de equipe batendo a seu favor.

O espanhol não gostou de ser tratado igual a Hamilton e dedurou a Mclaren para a FIA. A Mclaren havia espionado a Ferrari e conseguido todos os desenhos do carro italiano. O engenheiro da Mclaren, o projetista e Alonso discutiram por meses, via email, sobre o carro e como melhorar a Mclaren. Alonso então enviou todos os emails para a FIA.

Caramba, eu me pergunto caro usuário, o cara estava ajudando na maracutaia por meses e saiu como bonzinho da história. Está certo?

Óbvio que, como disse acima, campeão nunca é culpado de nada, ninguém sequer ousou falar que foi picaretagem do espanhol ou que ele era mimado, como fazem com Piquet Jr hoje. Inclusive, vejam o peso da situação, a Mclaren foi multada em 100 milhões de dólares (sim, milhões), a Renault em 0 centavos.

Piquet Jr. errou?

Aliás, vocês podem me criticar, mas eu não acho que Piquet Jr estava 100% errado em acatar a ordem da equipe.

Perguntem ao Fisichella, hoje piloto da Ferrari, ou ao Trulli, o que eles acharam de trabalhar com Briatore. Tudo bem, o salário dos caras é milionário e eles são acostumados com pressão, mas é inegável que todo mundo que foi segundo piloto de Briatore sofreu e acabou, infelizmente, com a carreira destruída.

É duro de se trabalhar com ele e ainda no final do dia você é apenas funcionário de um cara bilionário que não tem escrúpulos. Desde a época em que Briatore trabalhou com Schumacher foi assim, existia um "primeiro piloto" que recebia tudo, e um segundo piloto que nunca tinha o mesmo carro e estava lá para trabalhar pelo primeiro piloto.

Nelson Jr. até teve bons resultados em 2008. Passou Alonso em uma corrida e ganhou alguns pontinhos. Foi o melhor iniciante brasileiro da F1 e, poxa, uns anos antes o cara dividia podium todo final de semana com o Hamilton, em outras categorias. Não me espanta que Alonso fez o mesmo que fez com Hamilton, exigindo que o novato não tivesse preferência nenhuma tanto na corrida, quanto para receber equipamentos novos ou até mesmo nos testes (Piquet Jr fez, acredito, 5 vezes menos testes que Alonso na pré-temporada).

Só que desta vez não era o Ron Dennis que tava lá pra proteger o novato, era Briatore, o mafioso italiano que teve como motorista de casamento seu grande amigo Fernando Alonso (sério).

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Equipe Renault, quase deixando a F1, imunidade oferecida em troca de garantia de permanência.

Agora me responda, leitor, o que você faria nesta situação? Você é um cara que tem uma equipe inteira contra você, você está vendo seu posto bem pago indo pro saco porque seu próprio empresário favorece outro piloto e não você, você tava bem no começo mas agora está constantemente sob pressão de bons resultados mesmo não recebendo nenhum upgrade do carro e não tendo acesso a nenhuma informação de setup ou de engenharia.

Sejamos realistas, caras, o seu chefe chega pra você e fala "Você rodará aqui". O que você vai fazer?

Nelson: "Olha me desculpe eu na posição de grande piloto de F1 e milionário do esporte não farei isso".
Briatore: "Ah, OK, Nelson, desculpe! HAHAHA Quem sou eu de pensar tamanha besteira? Aqui, tome este champagne comigo, caro amigo!".

Obviamente que é desnecessário dizer que, infelizmente, o "não" era resposta impossível de ser dada por nosso amigo caro senhor Nelson Piquet Jr. Não que isso justifique seu erro. Eu acho sim que ele errou em fazer, mas sejamos realistas, o cara ia fazer o quê? Falar não e ser despedido no dia seguinte? E pior, ser despedido e nunca ter uma prova sequer que você foi despedido porque não aceitou fazer uma trambicagem?

Não sejamos hipócritas em falar que era possível para ele falar não e sair ileso, muito menos falar que esse tipo de coisa aconteceu porque ele é arrogante como o pai. Pouco me importa isso. Quero saber se o cara manda bem atrás do volante, e só, como eu nunca bebi uma cerveja com o cara numa mesa de bar, reservo-me ao direito de não achar nada sobre a personalidade dele.

Como vocês podem ver, o buraco é bem mais embaixo.

Resta a nós, fãs de F1, analisarmos o problema com um pouco mais de frieza e mente aberta a fim de visualizar não só um culpado ou um motivo, mas sim toda trama de interesses políticos e financeiros que move a F1.

PS.: Não, o acidente não tirou o campeonato de Massa como muitos acham. O que tirou o campeonato do Massa foi a burrice da Ferrari, que fez a mangueira enroscar no carro dele durante um pitstop.


publicado em 24 de Setembro de 2009, 06:32
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Fabio Morróida

Escrevendo de seu iate Azimut Leonardo 78 pés atracado em Côte d'Azur, enquanto degusta seu Blue Label rodeado de modelos, este autor gosta das boas coisas da vida, é humilde e sincero e escreverá sobre F1.


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