Pinóquio de Winshluss* (Pinnochio) | Livros pra macho #10

Desde que comecei a escrever a coluna Livros pra macho nesse digníssimo site, todas as indicações foram de literatura na sua mais tradicional forma. Porém, hoje, gostaria de abrir uma exceção e falar de uma história em quadrinhos que é muito do meu agrado e que foi premiada no maior festival do gênero em Angoulême, na França. Falo de uma adaptação bastante livre de uma história infantil chamada Pinóquio.

Para começar, acredito ser necessário falar um pouco da obra original, escrita pelo italiano Carlo Collodi em 1881. Ao contrário de sua versão animada, a produção norte-americana de Walt Disney, o livro de Collodi é recheado de lições fortes e, para o mundo politicamente correto de hoje, agressivas.

Segura a ansiedade e continue a leitura. Vai entender o porque dessa imagem
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Obs: spoilers nos próximos três parágrafos. Se não quer saber a verdade sobre o livro original do Pinóquio, não leia-os.

Para ilustrar isso, separei três pontos importantes na versão original. A primeira é o motivo pelo qual o velho Geppetto cria o boneco Pinóquio. Sei que a maioria de vocês, com o desenho animado da Disney na cabeça, vai responder que foi a vontade de ser pai e de poder depositar carinho e amor em uma obra sua. Porém, sinto lhes dizer que, na verdade, o artesão queria mesmo era ganhar dinheiro levando o boneco para expor nas feiras.

Outro ponto é com relação ao Grilo Falante. Ele aparece no desenho animado de Walt Disney como se fosse a consciência de Pinóquio e surge sempre que o personagem precisa tomar uma decisão mais complicada. Tudo bem, o Grilo Falante existe, sim, na história original, mas o Pinóquio o mata  logo nas primeiras páginas com uma sapatada. Ou seja, manda a consciência pro espaço. Engraçado, né?

Por último, a fada. Ela representa para o lendário boneco de madeira, a redenção. Mas quem disse que ele se importa com isso? Por diversas vezes, ela necessita da ajuda dele para permanecer viva, mas ele, tendo mais o que fazer, escolhe não ajudá-la e ela morre.

Esses três pontos levantados por mim serviram para mostrar o quanto a obra original tem de força crítica e analítica. Ela não é apenas uma história bonitinha feita para as crianças dormirem tranquilamente em seus quartos. Ela foi construída para ensinar por meio da reflexão.

E é nessa linha que Winshluss (pseudônimo do francês Vincent Paronnaud), o autor da adaptação para os quadrinhos, segue. Ele vai buscar os sentidos presentes na obra de 1881, e que não foram reproduzidos por Walt Disney, para construir uma narrativa contusiva e adulta. A começar pelo fato de que Pinóquio não é mais um boneco de madeira feito para entreter as pessoas na feira; agora ele é de metal e foi feito para servir como arma de guerra para o exército.

Tá aí um Pinóquio bem diferente daquele da Disney
Tá aí um Pinóquio bem diferente daquele da Disney

Dotado de inúmeros armamentos e de indestrutibilidade, seu projeto é apresentado por Geppetto a um general, que aceita na hora comprar a ideia. Enquanto isso, Pinóquio está em casa, dividindo o espaço com a sexualmente  insatisfeita esposa do artesão. Ela, ao ver o tamanho e a forma do nariz do boneco, decide fazer uso masturbatórico do falo narino dele e o primeiro desastre ocorre. No momento de êxtase, é acionado o lança chamas instalado em seu nariz e, coitada da esposa, fica totalmente queimada.

A partir dessa cena, a história passa a se desenvolver, pois, assim como no original, o Pinóquio decide partir, seguindo pelo mundo e passando por experiências, muitas vezes trágicas.

Outro ponto é a mudança do Grilo Falante para a Barata bêbada, drogada e desempregada que, ao entrar, literalmente, em Pinóquio, é responsável por grande parte das tragédias que ele vai distribuindo pelo caminho.

Diversos elementos de outras histórias infantis clássicas vão surgindo, como por exemplo a presença da Branca de Neve e dos sete anões, que a sequestram para que sirva como escrava sexual, mas que, no fim, termina sendo salva por uma surfista e elas começam um relacionamento homossexual, enquanto que os anões vão presos pelo policial que está à procura de Geppetto, principal suspeito do assassinato de sua esposa.

Winshluss transferiu de forma primorosa a obra de Carlo Collodi para os quadrinhos. Com uma arte que se modifica a todo o instante, cada página surpreende o leitor com sua qualidade artística. Seja com seus traços magníficos ou com sua crítica contundente, o quadrinista francês é extremamente competente no que faz e envolve o leitor em uma trama forte e cheia de conteúdo.

Pinóquio de Winshluss
Pinóquio de Winshluss

* Vincent Paronnaud, ou Winshluss, é um quadrinista francês com obras premiadíssimas pelo mundo afora. Ele codirigiu o longa de animação Persépolis, que ganhou Prêmio do Júri do Festival de Cannes em 2007 e recebeu uma indicação ao Oscar de Melhor Animação em 2008. Em 2009, no maior festival de histórias em quadrinhos do mundo, o Festival International de la Bande Dessinée de 2009 em Angoulême, ele recebeu o Fauve d'Or, prêmio dado ao melhor álbum do ano.


publicado em 26 de Abril de 2013, 21:00
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Filipe Larêdo

Filipe Larêdo é um amante dos livros e aprendeu a editá-los. Atualmente trabalha na Editora Empíreo, um caminho que decidiu seguir na busca de publicar livros apaixonantes. É formado em Direito e em Produção Editorial.


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