O Velho e o Mar (The Old Man and the Sea) | Livros pra macho #15

Em Cuba, ele ainda é um astro, mesmo tendo morrido há cerca de cinquenta anos. Lá, o turista que se interesse por conhecer sobre o afamado escritor, pode visitar os bares e restaurantes que ele mais frequentava.

Um de seus bares favoritos em Havana se chama La Floridita, e anuncia para os visitantes que, no cardápio, consta uma variação de daiquiri criada pelo próprio Hemingway, cujo recorde de doses  -- dizem as más línguas que ele tomou 27 numa noite apenas -- lhe valeu uma estátua esculpida em bronze de sua pessoa, que ocupa um dos lugares no balcão, entretendo e posando para fotos com todos que queiram, sem reclamar.

Por ter morado em Havana por vários anos, o povo se identificou muito com Ernest Hemingway* e, na famosa feira de livros da Plaza de Armas, é um dos poucos escritores norte-americanos que tem seus livros expostos nas estantes e, certamente é o ficcionista estrangeiro mais cultuado entre os vendedores.

O PdH também já "cultuou" a figura do Hemingway por aqui
O PdH também já "cultuou" a figura do Hemingway por aqui

Mas sua ligação com a cultura latino-americana não para por aí. Alguns biógrafos de Hemingway contam uma história curiosa. Eles dizem que García Márquez, um assumido e incondicional fã do escritor, em uma viagem à Europa, quando ainda era jovem e desconhecido, encontrou com seu ídolo e ficou sem reação. Porém, recolhendo a coragem do mais fundo recanto de seu ser, conseguiu gritar: "Mestre! Mestre!".

Ao ouvir um baixinho com sotaque latino gritando, desesperado, Hemingway virou e percebeu que o alvo era ele mesmo. Parou e se dispôs a atender o jovem choroso. Mas García Márquez não esperava que seus nervos travassem naquele mesmo instante e não conseguiu esboçar nenhum movimento. Simplesmente não falou nada. E Hemingway, com um olhar de espanto no rosto, continuou seu caminho.

Com essa pequena história, quero mostrar a importância da figura de Hemingway na história da literatura. Afinal de contas, García Márquez, um futuro Nobel, o considerava como uma de suas maiores fontes inspiradoras e, consequentemente, como uma das bases primordiais do realismo mágico.

Para demonstrar um pouco da influência dele nesse estilo, escolhi falar hoje sobre um livro que consta na minha lista dos cinco favoritos: O velho e o mar.

Li esse livro pela primeira vez quando ainda era adolescente, e a força de sua mensagem me atingiu como um soco bem dado na ponta do queixo. Cada palavra, cada detalhe me encantaram de uma forma que até hoje não encontrei precedentes.

Conto-lhes por quê.

Em postagens anteriores, falei que muitas das obras-primas da literatura são feitas de forma simples. E O velho e o mar é o mais perfeito exemplo disso. Com poucas páginas, uma narrativa simples e um número reduzido de personagens a história prende, estimula, entristece e alegra o leitor quase que ao mesmo tempo.

O livro conta a história de um velho pescador que há muitos dias não consegue trazer nada do mar. Nenhum peixe sequer. Mas diariamente prepara suas ferramentas de trabalho e renova as esperanças de que tudo pode melhorar, levando em frente sua sofrida labuta.

Até que um dia, sua sorte parece mudar, e ele consegue pescar o maior peixe que já viu em sua longa vida no mar. Porém, como de costume, ele está sozinho, sem ninguém que possa lhe ajudar a trazer o peixe para dentro do barco nem compartilhar de sua fantástica conquista.

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A partir de agora, para não estragar a experiência literária de meus digníssimos leitores, não me atrevo a responder as ansiosas perguntas dos que insistem em saber como o livro se conclui. Ater-me-ei a apenas fazer algumas reflexões.

O mar, para o velho Santiago, era uma fonte de subsistência, mas havia tempos não retribuía nada ao dedicado pescador, mas por quê? Seria pela extração irrefreável de peixes? Difícil de acreditar que um amante das caçadas como Hemingway visse essa situação com os olhos da crítica ambiental. Seria então pelo cansaço do personagem? Talvez, pois o desânimo faz com que mesmo os afazeres mais rotineiros acabem não sendo executados com a recorrente prática.

Podemos reunir respostas diversas sobre os motivos, mas, provavelmente, a maioria delas cairá num ponto em comum: a solidão humana.

Apesar de estarmos sempre cercados de pessoas, a verdadeira responsabilidade que temos começa com nós mesmos. Alguns até podem ter a sorte de contar com alguém que ama ao seu lado, mas inevitavelmente, em diversos momentos, se encontrará sozinho, tendo que fazer escolhas que definirão sua alegria ou tristeza. E nesse quesito, Hemingway era mestre.

Hemingway explorou em Santiago o retrato de um trabalhador que cumpre com os afazeres diários sem desanimar, pois guarda em seu coração a esperança de que, se mantiver seu espírito aquecido, conseguirá a sorte grande, que, nesse caso, surgiu na figura de um enorme peixe. Entretanto, a vida nunca permitirá que a felicidade seja tão facilmente alcançada, e vai impor taxas cada vez maiores. Agora, o desafio não é mais pescar o maior peixe da baía, mas sim conseguir levá-lo consigo até a praia, onde poderá receber a recompensa pelo extenuante trabalho.

Muitas vezes, conquistamos objetivos que julgávamos maravilhosos, aos quais empreendemos lutas homéricas para conquistar, porém, em apenas alguns instantes, passado o êxtase de batalha, outros desafios surgem e desanimamos ao percebermos que novas guerras terão de ser travadas em nome de objetivos ainda mais maravilhosos do que aqueles que acreditávamos ser a fonte de felicidade eterna. É então que os nossos pescadores internos levantam novamente das camas, preparam os instrumentos de trabalho e partem para mais uma labuta diária, na esperança de, um dia encontrar a sorte – ou peixe – grande para envelhecermos felizes e satisfeitos no mar da solidão eterna.

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*Ernest Miller Hemingway (1899 – 1961) foi um escritor norte-americano. Recebeu o Prêmio Nobel em 1954 e ficou conhecido pelos livros Por quem os sinos dobram, Paris é uma festa e O velho e o mar. Amante das armas e das caçadas, cometeu suicídio dando um tiro na própria cabeça com o rifle que havia ganhado do pai.


publicado em 06 de Julho de 2013, 21:00
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Filipe Larêdo

Filipe Larêdo é um amante dos livros e aprendeu a editá-los. Atualmente trabalha na Editora Empíreo, um caminho que decidiu seguir na busca de publicar livros apaixonantes. É formado em Direito e em Produção Editorial.


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