O sobrinho de Freud que inventou o consumismo

Garanto que você já se perguntou de onde vem aquela vontade de comprar o carro da moda. Ou talvez aquela calça que custa quase metade de seu salário. A resposta mais clássica é “culpa do poder manipulativo do marketing”. O que ninguém explica é quem descobriu como nos vender todas essas coisas de que não precisamos.

Edward Bernays influenciou muito a forma como nos “relacionamos" com o consumo nos dias de hoje. Bernays (1891-1995) foi um pioneiro no campo das relações públicas e da propaganda. Citado pela revista Times como um dos 100 americanos mais influentes do século XX, a forma de trabalho de Bernays se baseava no princípio de que as sociedades se comportam como manadas, as pessoas são irracionais, suas decisões e ações são manipuladas facilmente.

Profissionais de relações públicas e publicitários, eu sou o tataravô de vocês. De nada.

O mais polêmico feito de sua autoria aconteceu na década de 20:

A indústria do cigarro queria derrubar o tabu que na época não permitia que as mulheres fumasse em público. Bernays, baseado em Freud, percebeu que o cigarro é um símbolo fálico, e que idéias de poder, independência e liberdade vinha embutidos nele. O consultor percebeu que poderia fazer com que o cigarro fosse adotado pelas mulheres como um desafio ao poder masculino.
Durante uma passeata em comemoração à páscoa, em Nova Iorque, modelos foram contratadas para fumar e fotógrafos para registrar o fumo. A expressão “tocha da liberdade” foi usada para designar o objeto mágico de libertação feminina.
A imagem da mulher que fuma e a da mulher forte e independente se confundem desde então. Bernays mostra, assim, seu poder de construir hábitos. (fonte do trecho)

É deles os grandes clássicos Lucky Strike.

"Ninguém pode negar..."

Combinando as ideias de Gustave Le Bon e Wilfred Trotter com as ideias psicológicas de seu tio Sigmund Freud, Bernays descobriu que associando produtos a emoções poderia satisfazer as necessidades egoístas das pessoas. E, com isso, fazer as pessoas consumirem por desejo. Não por necessidade.

Quer um exemplo? Antigamente se comprava (e vendia) carros pela necessidade de transporte. O problema era que, depois que uma pessoa tinha um carro, ela não iria comprar outro, pelo menos não em um curto espaço de tempo. A necessidade de transporte dela já estava suprida. A ideia de Bernays era apelar para o emocional, transformando, por exemplo, o carro em um objeto de desejo, que demonstraria o quanto seu proprietário é bem sucedido, ou o quanto ele é macho, ou o quanto é fo**.

Parece loucura? Então da uma olhada no comercial de 2012 do Honda City:

Link YouTube | “As mina pira no carrão!”: esta é a psicologia do consumo. Ou do consumismo.

Resumidamente Bernays implantou nas massas a seguinte ideia: compre porque você quer e deseja e não porque realmente precisa.

A culpa de você talvez estar na merda - financeiramente falando - não é somente das grandes corporações que fazem uso de todo o tipo de artifício de marketing. A culpa é sua, que muitas vezes tenta suprir uma insegurança pessoal consumindo, que tenta construir sua identidade no shopping center.

Quer entender melhor?

Assista ao documentário The Century of the Self, da BBC. Nele você conhece toda a fantástica história de Edward Bernays. De quebra entende melhor da onde vem a vontade de comprar o que você não precisa.

Link YouTube | Parte 1

Link YouTube | Parte 2

Link  YouTube | Parte 3

Link YouTube | Parte 4

Link YouTube | Parte 5

Portanto, cuidado com o que você compra. E especialmente com a imagem que deseja vender.

Como se salvar?

Difícil dizer. Mas o primeiro passo é ter consciência desta “psicologia do consumo”. Assim poderemos ter um estalo de lucidez antes de comprometer nossa situação financeira, ou mesmo nossa sanidade, para tampar nossas inseguranças.

No festival mais famoso da publicidade mundial desse ano, Cannes Lions, o filósofo Alain de Botton nos brindou com uma fala espetacular:

Link YouTube

"A publicidade é o instrumento de sedução mais poderoso de que dispomos e não há nada de errado nisso, mas devemos usá-la para alcançar o topo.
Hoje, existe m dilema entre ganhar dinheiro vendendo coisas para preencher os desejos imediatos ou não ganhar com as necessidades mais profundas. Não precisa ser assim. O ser humano sempre está em busca de equilíbrio.
Por isso a publicidade, hoje, vende calma (porque vivemos estressados), natureza (porque estamos perdendo contato com o que é natural). A questão é ver o que as pessoas não tem, o que estão querendo e dar isso a elas.
Este será o século em que venderemos as coisas que as pessoas realmente precisam e não o que elas apenas querem."

O caminho será construído dessa forma, conjuntamente.


publicado em 12 de Julho de 2012, 16:16
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Marco Aurélio Lang

Publicitário e colorado, mas no fundo gente boa. Trabalha como diretor de marketing no ramo da moda, se diverte com cinema, bebidas, games e escrevendo artigos em seu blog fluindo.com. Joga mal futebol e anda bem de bike. É complexado por nunca ter visto uma ovelha preta.


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