O que aprendi parando de beber por dois anos

Perder 35 quilos, comprar um apartamento, parar de se odiar. Apenas algumas coisas que esse cara conseguiu fazer em dois anos sem bebida

Você já sabe. Aqui no PdH nós procuramos abordar todos os assuntos que envolvem a masculinidade, sua desconstrução e sua problematização. Procuramos levar até vocês textos que informem, façam pensar, quebrem tabus, libertem, instiguem, inspirem, transformem.

Naturalmente, um dos assuntos mais abordados por nós é a bebida. Desde pequenos, nós, homens, somos colocados a pensar no nosso relacionamento com a bebida e cada vez mais estamos nos importando com isso. 

Depois de publicar um artigo na semana passada com a confissão de um dos nossos autores que chegou a ter um pai alcoólatra, recebemos diversos relatos pessoais, potentes e significativos de vocês, nossos leitores. Isso despertou ainda mais a nossa atenção.

Dessa forma, nossas buscas, nosso interesse e nossos caminhos pela internet passaram a incluir artigos que tratassem dessa temática e foi aí que encontramos esse artigo no Medium, escrito por Andy Boyle. Artigo que traduzimos e compartilhamos com vocês agora.

O que aprendi parando de beber por dois anos

À esquerda, Andy Boyle depois com 104 quilos. À direita, antes, com 139.

Neste mesmo dia, dois anos atrás, foi a última vez que tomei um porre. Foi na noite de encerramento do Lincoln Lodge, um estabelecimento de shows de stand-up em Chicago, nos fundos de um restaurante que não existe mais. O Lodge se mudou, mas depois daquele show, considerei que seria bom dar um tempo na bebida – e parar de comer carne – e me focar em produtividade.

Aqui vai uma pequena lista de tudo que realizei desde que parei de beber, dois anos atrás:

  • Perdi 35kg

  • Comprei um apartamento do caralho

  • Escrevi a versão inicial de um livro de conselhos

  • Comecei a me exercitar três vezes por semana (mais recentemente quatro)

  • Passei do tamanho XXL para L

  • Apresentei-me em três festivais de stand-up

  • Descolei um baita trabalho na Breaking News (faça o download de nossos apps!)

  • Terminei várias revisões de vários roteiros para cinema e TV

  • Diminui 15 cm na cintura

  • Deixei de me detestar o tempo todo e passei a me apreciar

Muitos dos itens foram realizações externas, que posso provar. Mas penso que esse último item foi o mais importante.

Aprendi muito em dois anos, então pensei que podia compartilhar, caso alguém queira dar um tempo da manguaça. Isso também é o que eu digo para mim mesmo: dei um tempo. Talvez algum dia eu beba de novo. Mas também talvez não beba.

Porém, de forma geral, a vida parece estar muito melhor hoje porque dei esse tempo. E talvez seja assim com você também

Coisas que aprendi

  1. Você não precisa beber para se divertir

Que surpresa! Como alguém que bebe desde o último ano do ensino médio (desculpa, mãe, a gente não tava no porão só “fazendo nada”), a maioria dos eventos em minha vida se dava em torno da bebida.

E quase tudo é assim: shows de stand-up ou música, encontros de fim de expediente, encontros com garotas, festinhas, conferências, jantares, idas ao museu. Mas adivinha? Os eventos não mudam nada quando você decide não beber!

Você segue o mesmo. Talvez você esteja um pouco menos “desinibido” – mas o que há de ruim nisso? Descobri que quando ando com pessoas que estiveram bebendo, começo a me sentir igual – em termos de ficar bobo, divertido – da mesma forma que eu era quando bebia com outras pessoas.

E agora lembro tudo que acontece durante esses eventos também, o que sempre é bom.

2. Você se arrepende muito menos

Desde que parei de beber, nunca mais acordei, olhei para o telefone, vi algum texto que enviei para alguém, e pensei “Ihh, por que isso?” Agora estou em controle de minhas ações basicamente o tempo todo.

Antes de responder algo, penso muito mais tempo. Caso esteja irritado, agora tenho tempo de me acalmar, em vez de apenas agir feito um idiota. Beber definitivamente ajudava meu canalha interior a transparecer muito mais frequentemente.

Hoje mantenho bem melhor meu lado mais cretino em seu lugar. Ocasionalmente ainda se manifesta, mas pelo menos tenho mais controle quanto a isso.

3. As pessoas julgam você pra valer

Para mim isso foi o mais esquisito de ter que lidar. Muitas pessoas vão incomodar você por não beber. Aqui vão algumas coisas que me disseram:

“Pô, cara, toma só uma cerveja! Não é como se você esteja frequentando o AA, ou algo assim!”

“Não confio em quem não bebe.”

“Você não é divertido quando não está bêbado.”

“Quando você não bebe, me faz me sentir pior a meu respeito, o que faz com que eu não goste de você.”

“Não posso namorar alguém que não quer ficar bêbado comigo, desculpe.”

Aposto que eu mesmo disse algumas dessas coisas quando bebia. Isso porque quando se está com alguém que não faz algo que você gosta de fazer, é comum ficar meio cabreiro com isso.

Alguns amigos pararam de sair comigo só porque não bebo mais. Relacionamentos terminaram (ou nem começaram) por causa disso. Recebi screenshots de conversas de pessoas que conheço me criticando por algo que escolhi não fazer.

É esquisito. Mas isso o ajuda a perceber que tipo de relacionamento ruim com a bebida outras pessoas podem estar tendo. E, com relação a isso, só posso gerar empatia. Espero que resolvam essa situação.

4. Você dorme muito melhor

Não durmo tão bem desde antes do ensino médio. Puta que pariu, é fantástico. Eu poderia dar o link para todos os estudos sobre como o álcool afeta o sono, mas, vai por mim, nem precisa.

5. Você não fica tão triste

Não sei se era depressão, mas costumava ficar chateado por bastante tempo. Passavam dias sem que eu quisesse sair de casa, ou ver as pessoas, porque basicamente eu me detestava.

Hoje não tenho tanto desgosto por mim mesmo quanto costumava ter. Geralmente estou de bem com a vida e com quem sou. Positividade é minha emoção constante, mesmo quando algo ruim ou terrível acontece comigo.

Parece como que se eu tivesse ligado esse interruptor no meu cérebro: em vez de seguir me sentindo na merda, encontro algo que seja um motivação positiva. É definitivamente esquisito ver isso acontecendo comigo.

6. Você desenvolve empatia pelos outros

Umas semanas atrás um cara buzinou porque eu estava cruzando a rua e ele queria virar, e quase me acertou com o carro, e então gritou para que eu me foda e morra de uma vez.

O meu jeito velho de tratar disso provavelmente seria parar em frente a ele, não se mover, tirar uma foto, e compartilhar na internet explicando “Olha só o abobado que tentou me atropelar!”. E eu me sentiria muito correto e acharia tudo isso muito bom.

Em vez disso, depois de um momento inicial de raiva e medo, percebi que esse cara provavelmente estava passando por um dia muito ruim. Talvez ele estivesse atrasado para um encontro. Talvez estivesse indo para o hospital ver o filho com câncer. Talvez não tenha tido os pais amorosos que eu mesmo tive a fortuna de ter, e isso o encheu de ressentimento por toda a vida.

De todo modo, está acontecendo algo com esse cara, e eu só quero que ele fique feliz. Então me senti esquisito, porque meu cérebro sempre foi orientado para ser um merda com quem quer que me prejudique. E agora? Parto direto para a empatia. E gosto que seja assim.

7. Você economiza uma grana

Comprei um apartamento. Eu gostaria de fingir que não era por causa de todo dinheiro que economizei por não beber ou comprar comida bêbado, mas provavelmente 25% da minha entrada vieram só de não beber.

É, eu sei.

8. Você se cansa mais cedo

Hoje é bem difícil para mim ficar acordado depois das 23h, mesmo nos fins de semana. Quando eu bebia, o goró era um combustível mágico que me fazia seguir em frente, sempre atrás de uma nova aventura.

Agora que não bebo, nem sempre estou atrás de aventura, tentando achar mais um divertimento para preencher o vazio interior. Estou contente com o que quer que tenha feito no dia, e então meu corpo quer cama. E também gosto que isso seja assim.

9. Você fica muito mais produtivo

Quando você não está passando a maior parte do tempo livre em bares, você realiza muito mais coisas. Agora leio mais, escrevo mais, aprendo mais.

Passo meu tempo trabalhando em melhorar a mim mesmo, e aperfeiçoar minhas capacidades, e não sentado num bar, conversando com um ou dois amigos. Agora sou bem menos social do que antes, mas também estou criando mais e me sentindo bem melhor.

No final das contas, sei que vou morrer. Acho legal deixar algumas coisas por aí, por alguns anos depois de minha morte, algum tipo de expressão pessoal que os outros podem aproveitar. Isso exige que eu coloque tempo para trabalhar em projetos, fazer algo tangível e real para o deleite dos outros.

Isso hoje me parece um uso melhor do tempo do que conversar com uns caras num bar. A conversa pode ser ótima, mas no fim, morre comigo e com aquelas pessoas. Se eu puder criar algumas coisas que durem mais do que eu, isso fará minha vida mais longa. Significa um pouco mais de sentido para minha existência nesse mundo.

Estou feliz por não beber há dois anos. Claro, tomei uns martelinhos de Malort com um pessoal que nunca havia experimentado. E também teve uma ocasião em que um cara ameaçou me bater caso eu não bebesse aquela dose de uísque que ele me pagou por “ser tão engraçado”, depois de ouvir minhas piadas sobre não beber.

Se você chegar um dia a considerar que beber não é mais tão divertido, é ótimo dar uma pausa. Eu apenas parei. Para mim, foi relativamente fácil, mas eu sei que não é fácil para todo mundo. Fique sabendo, porém, que encontrei muita gente fantástica que se diverte sem birita. E você também é capaz disso.

Boa sorte.


publicado em 06 de Fevereiro de 2016, 00:05
Breno franca jpg

Breno França

Editor do PapodeHomem, é formado em jornalismo pela ECA-USP onde administrou a Jornalismo Júnior, organizou campeonatos da ECAtlética e presidiu o JUCA. Siga ele no Facebook e comente Brenão.


Puxe uma cadeira e comente, a casa é sua. Cultivamos diálogos não-violentos, significativos e bem humorados há mais de dez anos. Para saber como fazemos, leianossa política de comentários.

Sugestões de leitura