O Primeiro Prêmio da Academia

– Senhor?

– Pois não?

– Adão está retornando Sua ligação. Ele está na linha três.

– Pode passar.

– Sim, Senhor. Só um minuto.

– Alô?

– Oi, Adão, tudo bem?
– Oi, Adão, tudo bem?

– Tudo e com o Senhor?

– Tudo. Finalmente Eu consegui falar com você. Estou tentando faz dias.

– Ah, eu tenho andado um pouco ocupado.

– Bem, você não parece estar ocupado com o Paraíso.

– Como assim?

– Estou olhando daqui de cima e o lago está imundo. As árvores precisam ser podadas.

– Ah, eu vou cuidar disso, pode ficar tranquilo. Os últimos dias foram corridos por causa da campanha e eu me atrapalhei um pouco, mas já vou colocar tudo em ordem.

– Campanha? Que campanha?

– A campanha para a premiação.

– Eu não estou entendendo nada, Adão. Que campanha? Que premiação?

– O Senhor não está sabendo? Vai haver uma cerimônia aqui embaixo para premiar os animais do Paraíso.

– Como assim?

– São várias categorias. E os animais mais importantes em cada categoria são indicados. Quem tiver mais votos ganha o prêmio.

– Certo. Posso fazer uma pergunta?

– Claro.

– Quem irá votar nos animais em cada categoria?

– A Academia.

– Que Academia? Nunca ouvi falar de Academia alguma.

– É a associação dos animais aqui do Paraíso. Foi criada faz uns dias.

– Por quem?

– Pelos macacos. Na verdade, o nome é AMPAS. Academia dos Macacos do Paraíso e Animais Silvestres. Mas a gente chama mesmo de Academia. São eles que determinam os indicados em cada categoria e elegem os vencedores.

– Certo. E imagino que você esteja concorrendo a estes prêmios.

– Isso. Como o Senhor sabe?

– Porque chegou uma caixa aqui na minha sala enviada por você. Tem duas dúzias de bananas.

– Ah, é mesmo?

– Sim. E uma folha de bananeira com um desenho do seu rosto e a inscrição “para sua apreciação, vote Adão”. Não sei o que é pior, Adão. O desenho ou a frase.

– Desculpe, o Senhor não deveria ter recebido isso. Eu pedi para aquele bicho preguiça amigo meu mandar estas caixas para os macacos, mas não dá para confiar nele. Ele sempre deixa tudo para a última hora e faz as coisas de qualquer jeito.

– Adão, você está comprando votos?

– Oi? Não, não é isso.

– Você disse que estava fazendo campanha e está mandando brindes para os macacos.

– Bem...

– Isso não é exatamente correto.

– Mas o que eu posso fazer? Todos os outros animais estão fazendo isso.

– Como assim?

– Bem... quando saiu a lista de indicados em cada categoria, todos nós começamos a esperar o prêmio. Mas aí parece que uma tartaruga enviou bananas para os macacos, para tentar influenciar os votos. Fez isso no meio da madrugada, escondido.

– Se ela fez isso de forma escondida, como você ficou sabendo?

– As notícias sempre correm aqui embaixo. Quem me contou foi um guaxinim que ficou sabendo disso por um castor que é muito amigo de um elefante que tem um primo que mora ao lado de um papagaio que está sempre voando perto do lugar onde os macacos moram e que ouviu um chimpanzé comentando o assunto.

– Sei. E aí você começou a mandar brindes para comprar votos.

– Eu? Eu não. Todo mundo. Se você olhar ali para a floresta onde os macacos moram, vai ver carregamentos e mais carregamentos de bananas entrando ali. Aliás, quase não tem mais bananas no Paraíso, eu tive sorte de pegar as últimas. O único animal que não mandou bananas foi o leão, mas é porque ele não concorre com ninguém.

– Como assim?

– Quando saiu a lista dos indicados, o nome do leão não estava em lugar algum. Ele foi reclamar com os macacos e... Bem, os macacos morrem de medo do leão, o Senhor sabe. Então, eles disseram que o leão não estava indicado porque iria receber um prêmio especial pelo conjunto da obra. Então, o leão está tranquilo, vai ganhar de qualquer jeito.

– Entendi.

– Mas todos os outros animais estão fazendo campanha e enviando bananas.

– Adão...

– Porque todos querem ganhar um prêmio.

– Adão, quem você acha que está ganhando com esses prêmios?

– Não sei. Os nomes dos vencedores só são conhecidos na hora da entrega do prêmio.

– Não, Eu não perguntei quem você acha que vai ganhar os prêmios, eu perguntei quem você acha que está ganhando com essa premiação.

– O leão?

– Adão...

– Porque o leão não está precisando fazer nada e já garantiu um prêmio.

– Adão, por favor... pense um pouco.

– Não sei. Os macacos?

– Isso. Adão. Você está vendo o que os macacos conseguiram? Eles não precisam mais colher bananas, todos os animais do Paraíso estão fazendo isso para eles.

– Bem...

– Eles inventaram esse prêmio somente para ganhar bananas. Não é preciso ser onisciente para deduzir isso. Alguém viu a tartaruga entregar as bananas para os macacos?

– Bom, o papagaio ouviu o chimpanzé falando...

– Certo. Mas o papagaio viu as bananas? Viu a tartaruga entregando as bananas?

– Acho que não. Acho que ele só repetiu o que ouviu do chimpanzé.

– E ao invés de tentar descobrir se isso era verdade, vocês começaram a colher bananas enlouquecidamente para mandar aos macacos.

– Bom, mas é que nós queremos os prêmios. É um reconhecimento importante. Eu mesmo fui indicado em várias categorias. Pelo menos em uma eu queria ganhar.

– Você foi indicado a quê?

– Espere, eu tenho a lista aqui. Deixe ver... Ah, aqui. Estou concorrendo em “Animal Mais Estranho”. Mas esta eu tenho certeza que vou perder, porque o otorrino também foi indicado.

– O ornitorrinco.

– Isso. Ornitorrinco. Todos estão apostando nele.

– Certo. Que mais?

– “Melhor Humano”.

– Esse é um prêmio que não tem como você perder.

– Então, na verdade esse eu quero perder. Eu e a Eva somos os indicados. Eu mandei cinco dúzias de bananas para os macacos no nome dela. Tomara que dê certo e que ela ganhe.

– É um gesto bonito da sua parte.

– Na verdade, é uma questão de segurança. Se eu ganhar dela, a coisa vai ficar feia em casa. Prefiro perder.

– Certo.

– E eu também estou concorrendo em Animal que Não Deveria Ter Sido Criado. Estou concorrendo novamente com o otorrin... ornoti...ortino...

– Ornitorrinco.

– Isso, com ele. Mas essa é uma que eu tenho chances. Os macacos acham o otorrino simpático, então eu devo ganhar. Minha esperança é essa categoria e outra que estou concorrendo com os macacos.

– Qual?

– “Primata Mais Feio”. Esta eu acho que posso ganhar.

– Adão... Você percebeu que este prêmio não está premiando nada?

– Como assim?

– Você realmente quer ser premiado como o primata mais feio ou como o animal que não deveria ter sido criado?

– Bom... São prêmios. E prêmios sempre são importantes. É um reconhecimento...

– Será que você não percebe que os macacos criaram essas categorias por gozação? Eles estão fazendo você e todos os animais de bobos.

– Não, não é bem assim. É que essas são categorias menores e parecem menos importantes. Mas, por exemplo, eu adoraria ganhar o prêmio de “Melhor Animal”.

– Existe esta categoria?

– Sim.

– Quem são os indicados?

– Os gorilas, os chimpanzés, os babuínos, os micos e os macacos—aranha.

– Ou seja, apenas macacos.

– Bom, eu não tinha percebido isso, mas agora que o Senhor falou...

– Adão, eu estou olhando a lista de indicados aqui. Melhor Animal e Melhor Primata são as únicas categorias sérias. E todas elas são somente os macacos que disputam. Todas as outras são de gozação ou ridicularizando você e os outros animais.

– Bem...

– Ou seja, você está colhendo bananas o dia inteiro somente para aumentar suas chances de ser eleito o primata mais feio do Paraíso.

– Bem... É. Acho que o Senhor tem razão.

– Sabe, Adão, o que me deixa aliviado é os macacos não criaram a categoria Animal Mais Burro.

– Como assim?

– Nada. Esqueça.

– Você acha que se tivesse essa categoria minhas chances seriam boas? Porque eu posso tentar falar com os macacos e ver se dá tempo de...

– Adão?

– Oi?

– Chega.

– Certo. Mas é o que os prêmios...

– Esqueça isso. Esqueça os prêmios. Essa cerimônia não vai acontecer.

– Como assim?

– Os macacos estão fazendo todos vocês de bobos e Eu vou acabar com essa história de prêmio.

– Mas as minhas indicações...

– Adão, se você realmente quer ir em frente com isso, eu posso fazer um prêmio aqui em cima.

– Mesmo?

– Sim. Posso indicar alguns anjos ao prêmio de Anjo com Maior Espada de Fogo. Posso pedir a todos eles que desçam até aí para conversar com você. E, dependendo do que vocês conversarem, eu escolho quem será o premiado.

– Não. Não precisa.

– Certo. Então, esqueça isso. Se perguntarem a você, diga que o prêmio será cancelado.

– O leão não vai gostar muito disso.

– Eu me entendo com o leão. Vá cuidar do Paraíso e esqueça isso.

– Sim, Senhor.

– Algo mais?

– Não, Senhor.

– Certo. Vá limpar o lago, por favor.

– Sim, Senhor.

– Adeus.

Assim que desligou o telefone, Deus mandou alguns anjos descerem até a floresta e conversar com os macacos, que prontamente entregaram a verdade: tudo havia sido um plano elaborado por mico—leão chamado Oscar. Ao receber esta informação, Deus desceu e conversou pessoalmente com o mico, ordenando que todas as bananas fossem devolvidas até o final do dia.

Mas, assim que saiu da floresta, Deus foi surpreendido pela serpente, que se aproximou com uma proposta. Ela achava que uma premiação seria uma ótima maneira de avaliar o Paraíso e seus animais, e pediu que a ideia fosse considerada. Deus prometeu que iria pensar a respeito.

A serpente agradeceu e continuou:

– Mas eu preciso criar também uma premiação só minha, para premiar o pior do Paraíso. Você faz algo, eu faço algo. Assim mantemos o equilíbrio entre Bem e Mal. Você sabe, são as regras.

– Certo.

– Posso tocar esse projeto, então?

– Sim. E Eu vou pensando no meu prêmio. Quando tivermos algo mais concreto, voltamos a conversar.

– Ótimo.

Deus se despediu e preparou—se para ir embora. Mas uma dúvida surgiu em sua mente. Virou—se volta para a serpente:

– O que você pretende entregar no seu prêmio? O que você entregaria como prêmio para um animal que fosse escolhido como o pior do Paraíso?

– Ah, tanto faz. Na verdade, o prêmio é apenas simbólico. Pode ser um troféu com qualquer coisa. Uma folha, uma fruta...

– Uma fruta?

– Sim. Uma maçã de ouro, por exemplo. Que tal?

– Não. Nada de maçãs. Fique longe das maçãs.

– Desculpe, estava apenas tentando, você sabe. No meu lugar Você faria o mesmo.

Deus olhou para cima. Estava atrasado.

– Preciso ir. Escolha outra fruta.

A serpente deu de ombros. Deus não estranhou, pois sabia que ela não era uma serpente comum, e que conseguia fazer esse tipo de coisa, como dar de ombros mesmo sem ter ombros.

– Sei lá. Qualquer fruta serve. Manga, laranja, framboesa...

– Framboesa?

– Qualquer uma.

– Framboesa de Ouro... Pode ser.

– Certo. Depois conversamos melhor.

Assim, Deus despediu—se e voltou para o escritório. E a serpente, por sua vez, foi atrás do Oscar.

Precisava da ajuda do mico-leão para formatar o projeto.


publicado em 01 de Março de 2014, 21:00
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Rob Gordon

Rob Gordon é publicitário por formação, jornalista por vocação e escritor por teimosia. Criador dos blogs Championship Vinyl e Championship Chronicles.


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