O dia em que o Brasil quase parou - Parte 1

Em época de apagões, Rodrigo Almeida faz uma cobertura de um dia importante para evitar que você seja mais um brasileiro de memória curta.

Vinte e três de maio de 2007. A maioria dos brasileiros ainda não saiu da cama para enfrentar mais um dia de trabalho. Boa parte das forças de segurança brasileiras também não saiu da cama.

Ouve-se um estrondo e um clarão surge em um dos monitores de vídeo do vigilante responsável pela sala de câmeras da Usina Hidrelétrica de Tucuruí no Pará. Imediatamente a Polícia Militar é acionada. A usina está sendo atacada.

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Tocaram o terror aí.

Uma zona por todo o país

Na capital paulista, um vigilante chegando cedo ao trabalho observou uma gigantesca aglomeração de populares nas mediações da Assembleia do Estado. Sem informar que tratavam-se de 5000 estudantes, comunicou a Polícia Militar que imediatamente ordenou o deslocamento de 40 policiais para o local. Os estudantes iniciam a invasão da Assembleia. Manifestação semelhante começa a se formar em frente à sede da FIESP na Avenida Paulista.

No Rio de Janeiro a situação se repete no centro da capital. Diversas ruas são paradas por manifestantes em marcha rumo à sede administrativa da Prefeitura carioca em protesto contra a resolução 946, que prevê a aprovação automática de estudantes no ensino municipal. Parte do grupo desvia sua rota em direção à Candelária, com destino ao prédio do Ministério da Fazenda. Na ponte Rio-Niterói um produto químico é derrubado por manifestantes impedindo o trânsito no local. Policiais em folga e licenciados também são acionados.

Estradas federais e estaduais são tomadas por integrantes de movimentos sociais diversos nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Pará, Alagoas, Pernambuco, Minas Gerais e Goiás. Em São Paulo, os manifestantes bloquearam o trânsito nas rodovias Anchieta, Piaçaguera-Guarujá e Anhanguera. Houve fechamento de rodovias em Campinas e em Santos. No Vale do Paraíba, trabalhadores da GM, Phillips, Embraer e Petrobrás fizeram paralisação e em Mauá, na Grande SP, houve panfletagem em fábricas pela manhã. Em Campinas, os trabalhadores do campo e da cidade interromperam as rodovias Campinas-Monte Mor e Campinas-Paulínia pela manhã. Logo depois, fecharam um trecho da rodovia Anhanguera, no km 330.

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Porradaria na Assembleia Legislativa em SP | Fonte: G1

As fábricas da Honda, Replan e Toyota estão paralisadas e integraram os protestos. No centro da cidade, os estudantes fazem um ato. Pela manhã, o entroncamento das rodovias Anchieta e Imigrantes foi fechado, bloqueando o acesso ao polo industrial e ao porto de Santos. Em São Bernardo do Campo e em Sertãozinho, aconteceu ato público em frente à agência do INSS. Em Ribeirão Preto, a Universidade de São Paulo está parada. Em Franca, houve manifestação de trabalhadores.

No Rio de Janeiro, sem-terras também fecharam a Rodovia Lúcio Méria (BR-393), em Barra do Piraí, com troncos de árvores e pneus. No Sul de Minas Gerais, a Rodovia Fernão Dias foi fechada por estudantes, pessoas ligadas ao MST e a movimentos sindicais. Em Pernambuco, pelo menos oito rodovias foram fechadas pelo MST, que pede mais agilidade na reforma agrária. Em Goiás, a BR-153 foi interditada, no Norte do estado, causando mais de seis quilômetros de congestionamento. Em Alagoas, sem-terra, sindicalistas e estudantes fecharam uma estrada estadual. O acesso ao polo petroquímico, na rodovia Piaçaguera-Guarujá, também foi trancado. No norte do Estado, duas barreiras impedem o tráfego na BR-101, na altura de Cardoso Moreira, e na BR-356, na altura de Morro do Coco.

Em Sergipe, o MST mobilizou 5 mil camponeses para fechar três rodovias. Cerca de 1,5 mil trabalhadores rurais fecharam a BR-101 (a 85 km da capital). Na região metropolitana de Aracaju, 500 sem-terra bloquearam uma estrada estadual. Na região do Alto Sertão sergipano, 2,5 mil camponeses trancaram via estadual. Mais de 2 mil trabalhadores rurais do MST fizeram protesto em 12 rodovias federais em Pernambuco. As rodovias bloqueadas em Pernambuco são BR-408 (município de São Lourenço da Mata), BR-316 (município de Petrolândia), BR-110 (município de Ibimirim), BR-232 (município de Gravatá), BR-101 Sul (município de Escada), BR-232 (município de Pesqueira) e BR-104 (município de Caruaru), BR-101, BR-232, BR-428, BR-423.

No Pará, 150 manifestantes invadem e ocupam a sede do Incra sem resistência de seguranças ou da Polícia. Funcionários do instituto que não estão de greve são impedidos de trabalhar. Uma incontável massa de manifestantes também começa a se aglomerar em frente à Catedral de Brasília após ser convocada por entidades como a Central Única dos Trabalhadores (CUT), Coordenação Nacional de Lutas (Conlutas), Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), as pastorais sociais e as entidades do movimento sindical e popular de todo o país. No fim da manhã, os trabalhadores caminharam até o Congresso Nacional e ocuparam três das seis faixas do eixo Monumental, na Esplanada dos Ministérios.

Em Porto Alegre manifestantes começam a fechar uma das mais importantes ruas no Centro da capital gaúcha, próximo ao palácio do governo. A Brigada Militar é imediatamente enviada para o local.

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Um dia tranquilo em Porto Alegre | Fonte: Zero Hora

Ao som de uma orquestra brilhantemente sincronizada, a turba avança em todo o país, ao mesmo tempo, para um enfrentamento com as forças de segurança municipais e estaduais. Tropas de choque combatem os invasores em São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre. Inúmeros feridos são contabilizados.

Na usina de Tucuruí entretanto, 600 manifestantes derrubam o portão da planta, agridem e ferem seguranças e policiais militares e, finalmente após explodirem bombas incendiárias, obtém êxito na invasão de um dos pontos mais sensíveis e estratégicos da infraestrutura do Estado brasileiro. Sucesso também é obtido na Assembleia Paulista onde policiais e seguranças sucumbiram aos mais de 5000 estudantes enfurecidos.

"O Brasil está sob ataque"

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Galera do MST fuçando em um dos painéis de controle da usina | Fonte: G1

O ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Jorge Armando Felix é notificado: o Brasil está sob ataque. Imediatamente, o Presidente Lula é informado e a complexidade e sofisticação da ação de dimensão nacional é melhor esclarecida.

As ramificações dos movimentos sociais haviam se alastrado por todos os órgãos da sociedade brasileira incluindo as forças de segurança federais. A Agência Brasileira de Inteligência, subordinada ao GSI do General Felix, falhara em detectar uma ação terrorista sem precedentes em território nacional. Orgãos responsáveis pela atividade de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) não só falhavam em sua missão, como também levantavam suspeitas a respeito de sua possível corrupção em relação à essas organizações criminosas.

Coincidentemente, Polícia Rodoviária Federal executou, no dia 22, extensas operações “padrão”, cujo resultado prático foi congestionamentos em inúmeras rodovias do país. A Polícia Federal estava em estratégica greve reivindicatória, de 72 horas, exatamente no período das ações coordenadas no no país. Para finalizar a ação que aparentemente não poderia piorar, ocorreu um preciso ataque contra o Sistema Interligado Nacional (SIN) camuflado com reinvindicações sociais e sindicais.

Para esclarecer a gravidade do ataque, segue um trecho extraído da Fonte Operador Nacional do Sistema Elétrico (www.ons.org.br). A descrição da atribuição do SIN:

"Com tamanho e características que permitem considerá-lo único em âmbito mundial, o sistema de produção e transmissão de energia elétrica do Brasil é um sistema hidrotérmico de grande porte, com forte predominância de usinas hidrelétricas e com múltiplos proprietários. O Sistema Interligado Nacional é formado pelas empresas das regiões Sul, Sudeste, Centro-Oeste, Nordeste e parte da região Norte. Apenas 3,4% da capacidade de produção de eletricidade do país encontra-se fora do SIN, em pequenos sistemas isolados localizados principalmente na região amazônica."
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Mapa de integração eletroenergética | Fonte: ONS

Isto é, sendo a Usina Hidrelétrica de Tucuruí parte do SIN, responsável por 96,6% do fornecimento de energia do Estado brasileiro, uma pane técnica causaria um apagão com cobertura nacional. Segundo a Eletronorte, a usina de Tucuruí é a quarta maior do mundo em capacidade de geração e responde por 10% da energia consumida no país. A usina produz energia que é distribuída para todo o sistema interligado do país (regiões Sul, Sudeste, Centro-Oeste, Nordeste e parte do Norte).

Tucuruí tem a capacidade de gerar 8,370 Megawatts. Por isso, a invasão atingiu um novo patamar de preocupação quando câmeras de segurança identificaram os manifestantes depredando as instalações da sala de controle da Usina e brincando com os botões. Por volta das 6h, a produção de energia chegou a ser reduzida para 3.800 MW médios. Um funcionário da empresa conseguiu desativar alguns sistemas de controle e comunicar o Operador Nacional do Sistema (ONS) que conseguiu desligar Tucuruí da rede de distribuição de energia evitando uma catástrofe de alcance nacional.

Continua...

Leia a segunda parte desse artigo para não dar razão àqueles que dizem que o brasileiro tem memória curta.


publicado em 28 de Janeiro de 2010, 13:20
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Rodrigo Almeida

Engenheiro, apaixonado pela vida e por qualquer coisa com um motor potente, nostálgico entusiasta de muitas daquelas boas coisas que já não mais se fazem como antigamente.


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