Dizem por aí, por poetas, pastores de igrejas e adesivos de carro, que Deus é amor. E eu ouvi, sabe este mesmo Deus onde, que Ele mora nos detalhes. Assim, um exercício mínimo de pensamento sugere que o amor mora nos detalhes.
Na miudezas cotidianas.
Nos gestos mínimos.
Na pequeneza.

Atitudes que passam despercebidas legitimam a vida a dois. Dão vitalidade ao amor que, quem sabe, já está gasto. Tais gestos lembram – principalmente a quem os pratica – que o homem não está sozinho. E que há um mundo inteiro compartilhado entre ele e sua mulher.
É acordar meia hora antes – apesar da preguiça dos diabos e dos palavrões que maldizem o novo dia – para tomar banho e, quando sua mulher finalmente despertar, encontrar o banheiro desocupado.
É perder o lance decisivo do jogo para dar um beijo.
É ir ao cinema, mas abdicar de assistir aquele filme fodão que você tanto queria ver apenas para namorar sua mulher, ficar de mãos dadas, dar uns amassos.
Mas nenhum exemplo aqui será melhor que o post “Mamões e casamentos“, de Bruno Palma e Silva.
O zeitgeist acaba com o amor
Na infância, amar era mais fácil. O amor cabia sim numa fita cassete.
Quando eu tinha 10 anos, fazer mixtapes era a maior prova de amor que se podia dar. A fita cassete era o coração pueril e sôfrego entregue à menina que fazia meu mundo girar mais devagar. As letras diziam tudo o que eu gostaria de dizer – só que em inglês, lingua que nem eu e nem a menina sabia. Eu não entendia patavinas do que estava sendo cantado, mas sabia: aquela voz no rádio era minha cúmplice na arte de amar.
Devoção e paciência. Mixtape era como uma procissão de um homem só.
Eis que a gente cresce e perde o apreço pelo mínimo.
Hoje, a gente presta pouca atenção em tudo. Não dá tempo de um olhar mais demorado.
Hoje, a gente faz muito pouco por todos. Não temos como ser devotos de algo ou alguém, ou algo parecido com isso, quando há tanto o que fazer.
Hoje, a gente espera muito de todos. O mundo é uma profusão de pessoas e seus sabores – por que raios nos contentaríamos com pouco?
Percebam a ambiguidade que vivemos. Damos pouco, queremos muito. E talvez pela falta de tempo, pelo individualismo e pelo sentimento de eternidade – por que fazer hoje o que podemos fazer amanhã? –, apenas nos atentamos às grandes coisas. Àquilo que fuja da normalidade.
Se um cara pede uma menina em casamento. Se o casal decide ter um filho.
Mas isso foge à rotina. E no cotidiano? Como dizer “eu te amo” sem precisar de um Taj Mahal por dia? A resposta para isso é trazer o amor de volta ao mundo concreto, é incorporá-lo às horas. Assim, buscamos saciar a fome com migalhas – aos poucos, todo dia.

Eu já quis ter um filho. Ou dois. Dois que passassem os domingos de chuva correndo no barro. Eles zanzariam sorridentes de um lado para outro, encharcados. Eu berraria lá de dentro: “Saiam da chuva! Vocês vão pegar uma gripe!” E a mulher repreenderia – a mim, não a eles:
“Deixe os meninos brincarem!”
Quando um homem diz a uma mulher “faça um filho comigo”, não há demonstração de amor maior. Pode-se borrar o céu com o nome da mulher, fazer serenatas, entregar-lhe todas as flores do mundo, prometer a lua. Mas um filho é desejar viver além da vida, é criar para perpetuar, é tornar aquele enlace imortal.
Mas o eterno começa hoje. E, para que não seja uma sucessão infinita de vazios, devemos buscar coisas pequenas no amor.
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