Nem toda ruga significa qualidade

Nossa percepção inicial, ao avaliar a competência de desconhecidos, muitas vezes nos prega peças.

Esperamos por sinais que comprovem a quilometragem avançada. No entanto, a expressão calejada pelos anos pode mascarar a verdadeira face do indivíduo.

O que é uma grande merda.

Nem todo senhor de idade é meticuloso, analista e estrategista. Nem todo jovem é irresponsável, espontâneo e explosivo. Apesar da porcentagem alta que leva a essas características, o perfil varia bastante de acordo com o local e/ou situação. É como se qualquer homem com aparência de mais velho, independente da profissão, transmitisse segurança.

Por exemplo, imagine a cena: você encontra na porta do avião o seguinte piloto. Qual te transmite mais tranquilidade para afivelar o cinto, inclinar a poltrona após o sinal luminoso e acordar só na conexão em Guarulhos?

O jovem e o pai de família. Quem passa mais segurança?

É comum que você escolha o piloto mais velho. Seria ele o mais hábil?

Anos de prática não necessariamente formam um expert. O verdadeiro polimento da habilidade passa pela maneira como conduzimos nosso treinamento. Passa pelo olhar atento, pelo forte senso de auto-crítica e comprometimento feroz em buscar aperfeiçoamento contínuo. É uma postura de vida, que pode muito bem estar presente em moleques sem qualquer ruga ou sinal de idade avançada.

No entanto, muitos desconsideram tal ideia ao valorar ou prestigiar um artista, um profissional ou mesmo um amigo.

Isso abre espaço para enganadores que, sem qualquer passado glorioso, possam se apoiar nos cabelos brancos e anos de currículo para expressar certo tipo de conhecimento ou autoridade.

As figuras públicas costumam utilizar muito dessa artimanha. Não é difícil encontrar políticos que configuram seus "portfolios" encabeçando os anos de atuação. Como certa vez disse o Senador da República Pedro Taques (PDT-MT):

“Experiência é algo bastante relativo. Fernandinho Beira-Mar tem experiência. José Sarney tem experiência. Nicolau dos Santos Neto tinha muita experiência. Esse tipo de experiência eu, novato, não quero”.

A declaração foi na época que o acusavam de falta de política na carreira.

Esse equívoco comum ao avaliar pessoas alcança também críticos formadores de opinião.

Analise certos comentários de ditos especialistas. Ou então de meros comentaristas de trivialidades.

Incrível como alguns atores ganham respeito com o passar do tempo. É como se ao nascer de cada ruga o cara ganhasse horas de aula de teatro. Mickey Rourke, tido como dos maiores canastrões dos anos 90, recebeu indicação ao Oscar. O mesmo vale para Jeff Bridges. É visível a melhora nas atuações. Mas é obvio que os cabelos brancos significam algo em torno de 50% dessa nova imagem.

Ricardo Macchi: o melhor ator do Brasil em 2032.

A importância da aparência calejada não deveria pautar impressões primárias.

Sempre há um cara mais jovem melhor que o gerente orgulhoso por ser da época do curso de datilografia. Sempre há outro, inclusive, que não chegou a usar o Windows 3.11, como eu e tu.

Portanto, não fique contando os dias passados executando seja lá o que for que você faça como experiência adquirida. As rugas da velhice aparecem com facilidade, são inevitáveis; as válidas rugas do real talento e habilidade são o oposto, bem raras.

Lembre-se disso ao escolher ao observar as rugas, costeletas, cabelos brancos e demais "sinais de qualidade" nos experts soltos mundo afora, velho.


publicado em 30 de Junho de 2012, 10:17
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Fred Fagundes

Fred Fagundes é gremista, gaúcho e bagual reprodutor. Já foi office boy, operador de CPD e diagramador de jornal. Considera futebol cultura. É maragato, jornalista e dono das melhores vagas em estacionamentos. Autor do "Top10Basf". Twitter: @fagundes.


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