Nadou, nadou e morreu na praia. Mas e daí?

Outro dia me peguei dando uma lida em (mais de) uma metodologia de gerenciamento de tempo e objetivos. Era bem simples e, como a maioria das metodologias (e das pessoas), era baseada em metas.

Para fins de organização, acho válido. Serve de prumo para o próximo passo, afinal, para quem não sabe onde quer chegar, todo caminho é errado. Me pergunto, porém, se a linha de chegada não vem nos cegando para o caminho. O atleta não consegue uma medalha no Pan-americano e diz que “anos de trabalho foram pelo ralo”. Pera lá, meu amigo. É sua profissão. É o que você ama fazer.

Ficar triste com o segundo lugar é como não gozar porque ganhou só um boquete

Não é porque a meta final não foi atingida que o projeto todo foi um fracasso. Se ele acorda cedo todo dia, enfia o tênis no pé dolorido, coloca joelheira, cotoveleira e caneleira e vai treinar até debaixo de chuva, é porque algum cazzo de prazer ele vê naquilo. O motivo é esse. Reconhecimento e medalha no peito é bom, todo mundo gosta, mas considerar que os anos foram jogados no ralo por conta do não-sucesso é inviável.

Ainda no exemplo do atleta, vamos considerar que o cara treine por 2 anos, 30 horas por semana. Totalizam aí belas 3240 horas. Quantas horas dura o Pan-americano pra esse cara? Chutando altissimo, umas 200? É menos de 10% de toda a carga horária. É frustrante? É. Expectativa move o mundo. Mas julgar o caminho pelo chegada é julgar o livro pelo final. Morrer na praia é risco de quem nada. Que seja um um percurso que agrade, então.

Essa linha de raciocínio é versátil. Passamos anos e anos namorando uma pessoa, enchemos de zelo, deixamos bilhetes, perdemos tardes escolhendo o presente que vai causar o sorriso mais largo e sincero. Terminamos. E aí alguém fala: “Investiu tanto nessa relação e ela acabou!”. Relacionamento, graças a Deus, não é fundo de investimento.

Não precisa ter meta, rentabilidade e liquidez. A preguiça conjunta que você sentiu enquanto enrolava para sair da cama, ou a admiração que você sentia quando ela falava meia dúzia de coisas que você nem entendia estavam lá. Não foram pulverizadas em virtude do término. A cara de bobo que fazemos naquele momento que a felicidade não cabe é tão (ou mais) importante do que a tal da linha de chegada.

Nada, eu disse NADA pode anunlar um momento bom como esse

Não somos obrigados a quase nada. Comer, andar vestido e meia dúzia de burocracias. E só. O resto é decisão. Uma atrás da outra. Eu decidi trabalhar com isso, eu escolhi estar abraçado com essa pessoa, eu escolhi morar aqui e não lá. Isso nos torna totalmente responsável e deveria nos isentar desse fardo de chegar em algum lugar. Quando a neura com o objetivo final dá trégua, estamos mais lúcidos, mais aptos, capazes discernir e continuar caminhando com menos ansiedade, menos crise, menos rugas.

Essa é a meta. 


publicado em 31 de Outubro de 2011, 10:19
Eduardoamuri

Eduardo Amuri

Autor do livro Dinheiro Sem Medo. Se interessa por nossa relação com o dinheiro e busca entender como a inteligência financeira pode ser utilizada para transformar nossas vidas. Além dos projetos relacionados à finanças, cuida também da gestão dO lugar.


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