Justiça pra quem? Quando a parte vale pelo todo

Quando tudo está perdido (ou quando tudo foge ao controle).

Quando a sentença foi cuspida pelo alto falante na noite de sexta-feira, soltaram fogos. Para a felicidade geral da nação, a justiça foi feita e o casal Nardoni foi considerado culpado pelo assassinato da menina Isabella. Quando um caso desse acontece, o mínimo que se espera é justiça, né. Claro que não.

O ser humano é facilmente tomado pelo inconsciente coletivo. Egoístas por natureza, transferimos nossas culpas e/ou frustrações para outrem em busca da tão sonhada redenção. Claro que não é sua culpa. Nem minha. Mas é assim que acontece.

Muro pichado em forma de protesto

No caso do tal julgamento, fomos atrás da justiça para um caso que aparentemente nos sensibilizava. Queríamos as respostas e queríamos um culpado. Tinha que ser pra logo. Choramos com a mãe da menina assassinada, viajamos boas milhas para estar no fórum de Santana na última semana. Faltamos no trabalho para acompanhar tudo de perto. Compramos fogos de artifício e levamos para lá. Não perderíamos isso por nada.

O grande circo místico armado em frente ao local do julgamento foi por demais forte pra esse coraçãozinho paulistano. Obviamente o fato sensibiliza e, graças a Deus, por mais corriqueiros que sejam atos hediondos como o que aconteceu a menininha, a população não seja pega num estado catatônico. Foi um crime pesado e, para tal, exigiu-se toda uma gama de medidas pesadas – da perícia à análise sensata dos jurados – para que tudo terminasse com a mais pura clareza dos fatos, das sentenças e o futuro de todos os envolvidos. Até aí, temos todos que concordar. Daí pra frente, não mesmo.

Manifestante em frente ao Fórum de Santana, para o terceiro dia de julgamento do caso Isabella| Crédito

Parecia uma torcida de futebol ou então uma comemoração de festividade cristã. Aliás, demonstrar apego no gesto de se crucificar em frente ao fórum e facilmente ser o primeiro a atirar qualquer tipo de pedra, combinemos que a falha começa aí.

O brasileiro (pelo amor de deus, não generalizando), carente nato de justiça e, consequentemente, craque por natureza em subterfúgios para suprir tais necessidades - vide Big Brother e outros -, repassou para outra situação, esta em específico, seus anseios mais absurdos para a reparação do mal, do errado, do incorreto. Comemorou, bateu palmas e soltou fogos. Varou madrugadas em pé, sem comer direito, com cartazes na mão e com palavrões presos atrás dos dentes, loucos pra atingir o ouvido do advogado de defesa, do pai do acusado, do pai assassino. Se pudesse, não atiraria mais que um “vai tomar no cu”. Se pudesse, atiraria algo pra machucar. Atiraria algo pra...matar? – Chego lá a ter minhas dúvidas.

Link Vídeo | Casal Nardoni é condenado pela morte de Isabella Nardoni

O que eu não duvido nem um pouco é que, a justiça não foi feita nem de longe. Não a justiça que esses estavam atrás. Esses que não conseguem cancelar a conta de celular ou da internet no telemarketing da empresa que lucra mês a mês. Não esses que pagam mais a cada eleição por um transporte pior ou por uma segurança cada vez menos ativa. Eles foram clamar por justiça de um assassinato brutal?

Foram em desabafar porque suas vidas são ilhadas por situações desonestas, desumanas. Nisso eu concordo com eles. Mas não é esmurrando camburão de um condenado a ficar 31 anos em Tremembé que vai mudar a situação do teu bairro, da tua cidade, dessa vida bandida que levas. Nem a minha. Essas vidas que batem e assopram o tempo todo estão completamente inerentes a esse caso doido. Declarar o casal culpado foi um recorte mínimo do que podemos chamar de justiça e a Brasília vai continuar fedendo, o tráfico ainda toma conta das favelas, o policial de trânsito continua anotando a placa do teu carro em dia de rodízio e teu chefe continua berrando contigo de forma tão brutal quanto a representação do fato que ficou como encerrado nesse final de semana.

Momento da prisão do casal Nardoni | Link

Agora, se as figuras que marcaram presença nesse caso atuarem com o mesmo afinco assim que a tarifa de ônibus aumentar em sua cidade, assim que seu deputado for pego colocando dinheiro na cueca ou na meia, assim que eles começarem a lutar quando o assunto lhes for de responsabilidade, e não dos outros, aí sim seremos surpreendidos novamente e terei belos dias para comemorar soltando fogos.

E tenho dito.


publicado em 29 de Março de 2010, 11:33
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Jader Pires

É escritor e colunista do Papo de Homem. Escreve, a cada quinze dias, a coluna Do Amor. Tem dois livros publicados, o livro Do Amor e o Ela Prefere as Uvas Verdes, além de escrever histórias de verdade no Cartas de Amor, em que ele escreve um conto exclusivo pra você.


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