Jazz nos Fundos: uma aventura musical escondida em São Paulo

Era um dia quente e abafado de Fevereiro.

Eu e meu amigo há muito não nos víamos. Crescidos juntos no interior, vir para a capital paulista trilhar o sonho universitário acabou por separar nossos mundos.

Apesar dos caminhos separados, a música sempre nos uniu. Na nossa intrépida adolescência, compartilhamos acordes, poesias e rudimentos. Eu como baterista visceral, Zé como guitarrista meticuloso.

Nesse dia então, combinamos de ouvir um jazz. Nem eu, nem ele conhecíamos o lugar, mas ficávamos instigados pela fama do Jazz nos Fundos. De orelhada, só sabíamos que era um espaço bem escondido onde muita gente boa tocava. No fim, era tudo o que precisávamos para concordar no evento.

Saí de casa com aquele sentimento de criança que vai ao parque. De carro, desci a Cardeal Arcoverde e virei a João Moura, endereço acusado pelo então blog do Jazz nos Fundos. Ao chegar ao número referido, me deparei com um estacionamento. Pensei: Não é possível, devo ter anotado errado. Assim, continuei na João Moura até chegar o Metrô Vila Madalena. Parei, perguntei, fiz retorno, fui conferindo número por número. Nada.

Resolvi ligar para o Zé. Uma risada deve ter lhe levantado a barba filosófica quando me orientou:

Não! É no estacionamento mesmo, pode entrar.

Minha ansiedade se transformou em inquietação. Queria chegar logo ao lugar.

Entrei no estacionamento e um rapaz magro me apontou a entrada do bar. O nome Jazz nos Fundos não é exagero, pois fica bem no fundo do estacionamento. No caminho, marinheiros de primeira viagem como eu exclamavam:

Não é possível! Ou Deve ser muito apertado…

...entre outros comentários descrentes.

Cheguei a uma portinha nada promissora.

No entanto, o host era muito simpático e se apresentava ao perguntar o nome a ser inserido na comanda. "Tudo bem, Flaco? Eu sou o Renato. Seja bem-vindo." A partir daí eu já sabia que estava em um lugar totalmente diferente dos outros.

O Jazz nos Fundos tem um certo ar de centro acadêmico, sem os picaretas e os malas.

A decoração é toda artística, com uma proposta estética fortemente urbana. As mesas, os quadros e as bancadas são todas de materiais reaproveitados. Aliás, artista é o que não falta lá dentro, já que o bar promove exposições de artes plásticas em sua galeria. Muita gente legal já passou por lá como o Coletivo Impensável, Luiz Fernando Machado e Thiago Spina.

O pessoal que frequenta é do bem. Encontrei o Zé e ficamos de pé, meio que encostados na parede pois a casa estava cheia. Um casal que estava numa mesa, nos convidou a sentar. Eles eram gaúchos e pareciam que namoravam a distância. A cadeira não combinava com a mesa que não combinava com a outra cadeira, mas tudo era confortável. Demais.

O show começou a rolar.

Era a banda do Thiago Espírito Santo, que é um habitué do Jazz nos Fundos. O propósito da banda naquele dia era tocar temas de chorinho em forma de jazz. Após algumas cervejas, pensei comigo: "Pô, eu não vou encontrar isso em mais nenhum lugar." E como o jazz é feito para alma, deixei meu espírito quase ébrio voar nas frases alucinantemente melódicas do choro-jazz. Epifânico.

O Zé estava mais cachaçado do que eu e começou a flertar com a moça do casal. De repente, ele levantou e sumiu. Fiquei conversando sobre economia (!!) com os dois até que chegou uma porção de frios. Logo, a moça se levantou e disse que iria pegar um drink.

Ela demorou a voltar e tomei uma liberdade com o cara. Perguntei se eles estavam bem, por que tinha sentido uma tensão entre os dois. Ele disse que tinha namorada aqui em São Paulo e ela era meio que o amor da infância dele. Eles já tinham morados junto em Porto Alegre, mas o relacionamento ruiu depois que ele veio para São Paulo.

A banda deu o intervalo.

Um cara subiu no palco e deu uma palhinha, aplaudido freneticamente pelos seus amigos do outro lado do bar. Nisso, a moça do casal voltou com um copo americano: "Faz tempo que eu não tomava isso aqui." Era uma batidinha, caseira mesmo, que uma outra moça moderninha servia numa bancada que outrora tinha sido uma porta.

Logo depois o Zé reapareceu.

Terminamos de ver o show e dei uma carona para ele. Era umas 4 da manhã. Na fila para pagar, encontramos mais pessoas interessantes, surpresas pelo Jazz nos Fundos não aceitar pagamento em cartão.

Algumas até chamaram a atenção de meu amigo, mas naquela noite, além de um bom show, ele conseguiu uma cama quente para dormir quando visitar Porto Alegre.

Jazz nos Fundos
Rua João Moura, 1076 - Pinheiros - São Paulo, SP.
www.jazznosfundos.net | Twitter: @jazznofundos
Fiquem ligados pois eles sempre transmitem os shows ao vivo via Ustream.

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Para mais dicas imperdíveis como essa, acesse o blog Vivo On.


publicado em 09 de Setembro de 2010, 09:49
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Flaco Marques

Rapaz do interior de SP que vive suas desventuras na cidade grande. Poliglota valente, busca equilibrar o jeito cosmopolita de ser com a simplicidade caipira de viver.


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