Irmão preocupado, irmão fazendo arte

Jader Pires, do PapodeHomem, apresenta suas preocupações e o som do seu irmão mais novo

Chegou uma época em que eu verdadeiramente fiquei preocupado com meu irmão. Depois de uma fase bem medrosa e introspectiva, o fedelho, sete anos mais novo que eu, resolveu desabrochar e, como todo moleque, fazer cagada.

Mesmo eu tendo feito minhas andanças tortas quando garoto, não queria ver meu irmão torteando por aí, fazendo a escolha errada quando, no meu tempo, acabei fazendo as certas. Andando com gente errada pra fazer coisa errada que transformava uma rotina tranquila de família em cotidianos errados. Muitas vezes foi isso que aconteceu.

Eu e meu irmão mais novo, juntos no zoológico de São Paulo lá no começo dos anos 90.

Isso me fez endurecer com ele. Foram alguns bons anos em que nossa relação era pesada, um muro imaginário brotou entre a porta do quarto dele e do meu. Uma guerra fria, mas ainda assim, um pequeno conflito armado de retóricas burras. Ele fazia cagada e eu apontava o dedo na cara dele. "Errou feio, errou rude". Ele, por sua vez, jogava na cara que eu já havia feito cagadas e que, ainda por cima, renegava alguns passados e desfilava como o irmão bom, como o filho certo da família.

É. A gente não se entendia como deveria.

O meu grande lance era tentar mostrar pra ele os caminhos da malandragem de fato, não de garganta, não de ficar falando, mas aquela malandragem que não precisa de apresentações.

"Moleque, aprende: malandro que é malandro não se apresenta como tal."

Mas era o que devia ocorrer. Ele continuou cagando, tomou esporro, tomou porrada. De malandro, repetiu de ano e, de falso malandro, teve que fazer mais um ano de escola que ele tanto queria fugir. Eu sempre bufava de raiva. Coisa de irmão.

Vi muito amigo passando do ponto nas cagadas de moleque e se dando mal, bem mal mesmo. Queria mostrar pra ele, em forma de um direitismo ignorante de minha parte, a linha tênue -- bem fina mesmo -- entre ser malandro e se dar bem e se mostrar malandro e carregar marcas pra sempre. Querendo ser o herói dele, acabei por me tornar uma espécie de Darth Vader que nem eu mesmo, como deveria ser (pra condizer com tal status), percebi. Mas amor de irmão vai muito além disso.

Ambos grandes, cada um pagando suas contas, nossa pequena guerra se transformou numa relação das mais saudáveis, trocando ideias, experiências (sim, agora ele também tem muitas pra cambiar), acrescentando um na vida do outro, mostrando um pro outro qual tatuagem queremos fazer, qual o melhor nome do cachorro que eu adotei, mandando juras de amor fraternal durante o dia no Whatsapp ou no Facebook. O moleque marrento acabou seguindo meus passos na faculdade, fazendo o mesmo curso, me pedindo opiniões, me mostrando as diferenças entre a minha época de universitário e a dele.

O meninão fez mais que isso. Foi pras artes também. Começou a rimar em casa, o rap, de status com a molecada da rua, se tornou paixão, o freestyle virou uma constante pra ele, as batalhas do Santa Cruz moldaram o caráter, mostraram os amigos de verdade, abriu as portas, evidenciou que o rap não tem preconceito às avessas e o baixinho branquelo começou a ganhar as disputas, começou a acumular amigos, começou a mostrar um carisma fora do comum e, de lá pra cá, só deslanchou.

Nessa semana, depois de um caminho bem foda lado a lado com o hip hop, ele ultrapassou o irmão mais velho e fez algo que eu nunca fiz: lançou seu primeiro clipe. Enquanto eu sigo quietinho, escrevendo num canto nessa vida mais resguardada de escritor, ele estoura nas telas do computador e mostra, pra quem quiser ver e ouvir, toda a bagagem que ele acumulou na rua, vagabundeando, mostrando com todo o esmero a capacidade de observação que me dá inveja.


Link YouTube| BINO - "Bagunça"

O garoto sabe olhar o mundo e, sem nem saber direito, faz tudo o que lhe atravessa os olhos passar por uma intensa antropofagia e se tornar, do outro lado, rimas fluidas pra caralho, bonitas de se ouvir, gostosas de se dançar.

Tá. Não tenho mais como expressar tamanho orgulho.

Se você tem um irmão e ele tá mandando mal, acalme-se. Ele pode só estar fazendo arte.


publicado em 09 de Abril de 2013, 07:00
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Jader Pires

É escritor e colunista do Papo de Homem. Escreve, a cada quinze dias, a coluna Do Amor. Tem dois livros publicados, o livro Do Amor e o Ela Prefere as Uvas Verdes, além de escrever histórias de verdade no Cartas de Amor, em que ele escreve um conto exclusivo pra você.


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