Homofobia é um medo real... mas de quê, exatamente?

O que faz com que tantas pessoas ainda sintam medo e ódio de outras, apenas por conta da orientação sexual delas?

Nota editorial: um atirador matou 49 pessoas e deixou 53 feridos em uma boate gay em Orlando. É o pior massacre de atirador da história dos EUA e foi um crime ligado a ódio contra pessoas homossexuais – ainda que não só a isso. O pai do atirador declarou que "cabe a Deus punir os homossexuais". 

Aqui a cobertura completa do excelente Vox, entrando em mais detalhes sobre a tragédia.

Cena após o massacre em Orlando

Por que tanto ódio e medo? Pensando nessa pergunta, trouxemos esse texto de volta para a capa do PdH. Discussão necessária.

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Ser homofóbico é, cada vez mais, encontrar-se no caminho mais rápido para o desprezo social.

Em um ambiente de aceitação crescente, nós condenamos sentimentos homofóbicos, em especial nos homens, por que achamos que eles vêm de dentro do indivíduo e são, portanto, sua total responsabilidade. Um homem que diz coisas odiosas sobre gays é “retrógrado”. Ele está protegendo seu status social ou, talvez, seja secretamente gay. Ele precisa crescer ou sair do armário.

De qualquer jeito, a existência contínua da homofobia — à parte dos óbvios problemas — levanta questões sobre sua natureza básica: será que teorias psicológicas como aquelas acima realmente explicam por que a homossexualidade, especificamente, evoca tal medo, do tipo que motiva fala e ação violenta?

A única forma de responder a essas questões é parar de pensar na homofobia como uma escolha pessoal e entendê-la como o inevitável e deliberado resultado da cultura na qual os homens americanos são criados.

Claramente, homens na América têm crescido aprendendo a ter medo da homossexualidade. Mas não apenas pelas razões que nós tipicamente pensamos — não apenas por causa de religião, insegurança sobre sua própria sexualidade ou uma aversão visceral aos pênis de outros homens. A verdade é que eles estão com medo porque a heterossexualidade é muito frágil.

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O poder da heterossexualidade reside na percepção, não em uma verdade física — contanto que as pessoas achem que você se sente atraído exclusivamente pelo gênero certo, então tudo bem. Porém, percepção é uma coisa precária; uma política de “tolerância zero” tem feito homens pensarem que a forma como as pessoas os vêem pode mudar permanentemente com um deslize, um beijinho ou amizade íntima demais. E, uma vez perdida, ela jamais poderia ser retomada.

Colocada de outra forma, a regra da tolerância zero significa que se um homem faz um movimento “errado” — beija outro homem em um momento de bebedeira, digamos — ele imediatamente assumiu ser gay. Mulheres tem uma certa liberdade de brincar com sua sexualidade (mais porque a sociedade, em geral, tem dificuldade em acreditar no sexo entre lésbicas).

A sexualidade masculina, por outro lado, é entendida como unidirecional. Uma vez que jovens homens percebam que são gays, eles se tornam Uma Pessoa Gay. Nós não ouvimos falar sobre homens gays descobrindo interesse em mulheres mais tarde na vida e nós raramente acreditamos quando eles dizem que são bissexuais — o pensamento comum, quando não, é que se algum homem diz que é bi, na verdade, é apenas gay e ainda não admitiu.

O resultado de tudo isso é que homens não se permitem sexualidades “complexas”; uma vez que a presunção de heterossexualidade foi destruida, um cara é automaticamente gay. Essa narrativa não permite muita liberdade para explorar ou nem mesmo flertar com a atração pelo mesmo sexo sem um compromisso permanente.

Eu conheci um cara que, hétero na escola, saiu com um cara pelo primeiro semestre da faculdade. Depois, ele esteve em um relacionamento monogâmico com uma mulher pelo resto da faculdade; nas semanas anteriores à graduação, eu ainda ouvia as pessoas expressando confusão sobre a existência do relacionamento.

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A política de tolerância zero é legitimamente assustadora, não apenas porque coloca um rótulo em você, mas porque apaga uma vida inteira de heterossexualidade. Um semestre de experimentação valeu mais do que qualquer trepada ou romance na vida desse cara — antes e depois.

De fato, esse apagão é assustador, mesmo a homossexualidade não sendo uma coisa ruim em si. Mesmo se a religião e a Esquire não ensinasse homens a ter medo do corpo uns dos outros, eles ainda continuariam com medo da forma como encostar na homossexualidade pode subitamente apagar o resto da sua sexualidade. Com tanto em jogo, não é surpresa que homens tomem para si o trabalho de policiar esse limite para que eles próprios não sejam policiados.

É notável como homens confrontam seu medo com brilhante  criatividade. No colegial, estudantes acusam uns aos outros, suas atividades e mesmo objetos de serem gays com essa exata atitude de tolerância zero. Um jogo popular no colégio era “fag tag”, no qual os garotos batem nos sacos uns dos outros com a parte de trás da mão. No colégio eles brincavam de “galinha”, onde dois caras deslizam a mão para cima da coxa um do outro. Até que alguém perca — ou vença. Esses jogos não apenas flertam com a homossexualidade; eles estão brincando exatamente com o que a sociedade diz sobre heterossexualidade: um movimento errado e você está marcado permanentemente.

Homofobia, então, é precisamente um medo e do tipo com o qual esses homens não brincam. O comportamento que isso engendra é uma resposta perceptiva a um sistema doente, mais do que uma doença por si só. É por isso que eu não tenho raiva de crianças na escola que dizem “veado”, ou o ocasional bartender que faz um comentário estranho sobre minha companhia — eles estão com mais medo de mim do que eu deles.

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Este texto foi originalmente publicado na revista Slate e traduzido por Luciano Ribeiro, sob autorização do autor.


publicado em 04 de Abril de 2014, 09:10
Zack howe

Zach Howe

Zach Howe é editar da revista Blunderbuss e escreve para a Full Stop. Você pode encontrá-lo no Instagram,Twitter e na maioria dos sites de relacionamento.


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