Homem tem que ser durão, se não vão pensar o quê? | É, tem razão #5

Não dá pra dar mole com os outros se a gente quer respeito, né? Precisa ser durão pra mostrar como se faz

"Porra! Que palhaçada, cara!". Saiu do vestiário da academia batendo os pés nos chinelos. Depois do treino matutino, enquanto todo mundo se vestia depois do banho com a pressa que o inverno impõe, um dos amigos questionou, em voz alta, em queria um abraço, gracejo com alusão ao frio e à necessidade de calor humano pra suprir a falta de temperatura elevada no corpo depois da natação. 

Mas a piada foi vista com maus olhos por ele quando o mesmo amigo ainda simulou uma ida até o seu banco, nu e com oa braços abertos, como se pudesse abraçá-lo assim, um em pé  e o outro sentado. "Abraço à meia altura, amigo", disse alguém rindo. Ele viu na jocosidade um atravessar de liberdade que feriu sua virilidade na frente de todos e gritou, fez cara feia, enfiou as roupas de qualquer jeito dentro da mochila, como se desse socos nas calças, camiseta e sunga para dentro da sacola, e saiu bufando.

"E homem lá brinca dessas coisas?", questionou com a namorada em frente a casa dela. Estava mesmo incomodado, as sobrancelhas pareciam se digladiar uma com a outra enquanto ganhava abraços da pequena que, ao vê-lo naquele estado de desconforto, pôs-se a tentar tirar da atenção dele o recente episódio. Entrelaçando beijos no pescoço e boca com passadas longas dos dedos nos cabelos dele, a menina ia contando das novidades de sua pesquisa para a próxima viagem deles nas férias. Estavam programando de ir para a serra com os amigos, em uma dessas cidades que se aproveitam do frio para fazer eventos e festas, chamar turistas para cervejarias, chocolates, fondues. Mas estava difícil desprender dele a imagem tão fresca do amigo vindo em sua direção. Ela falava de chalés que tinha separado e ele ruminava uns palavrões maldizendo a zombaria, ela dizia as amigas que já tinham dado certeza da ida e ele mordia os próprios dentes num ranger sem fim, ela fazia contas de possíveis orçamentos e ele questionava se podia nesse mundo haver amigo mais babaca que aquele.

"Ah, gato, para de falar nisso, parece até que vocês não se amam". Ela disse isso passando o dedinho longo no peito dele e disparou novamente o embaraço: "ah, caralho, mas que porra de amor, cacete! Você é besta, menina?", disparou com a boca, olhos e nariz. Fissão, fusão, disparo da bomba e a reação imediata da nova inimiga. "Mas vai pra puta que o pariu, garoto, o que você tem hoje, hein? Quer saber? Some da minha frente, vá. Vai embora que eu não quero mais te ver hoje não". Fechada a fronteira do portão, ela entrou e ele ficou parado em meio à terra arrasada.

Em casa, com a cabeça pesando toneladas em cima do travesseiro, fritou por algumas hora na cama, virando pra um lado e pro outro atrás de conforto, mas só lhe rendia mais e mais arrependimento. Não precisava ter ficando tão abalado com a brincadeira, por mais que devesse se impor para não voltar a acontecer, uma zombaria dessas não pode ser deixada de lado, "a gente tem que ser durão também, se não vão pensar o quê?", se questionava. Também não precisava ter descontado tudo na namorada, já que ela só queria ajudar. Precisava se desculpar, comprar um presente talvez, algo que tivesse ligação com a viagem, ela iria adorar isso. Levantou-se. Precisava se distrair.

Pegou o celular e olhou as mensagens. O grupo dos amigos estava fervendo já nas centenas de envios nas últimas horas. Estavam marcando de sair à noite e era tudo o que ele precisava. Deu umas risadas das besteiras que tinha no meio e perguntou onde ia ser a farra hoje. "A gente tá indo no forró ver umas meninas. Leva a sua namorada, vai ser legal". "Dançar, gente?", ele respondeu já com fogo saindo pelas ventas. "Mas quando é que a gente vai fazer algo de homem, sentar no bar pra beber, jogar conversa fora? Dançar? Ah, vão vocês, eu não sou dessas não". 

Desligou o celular e apagou a luz. O dia havia acabado pra ele. "A gente tem que ser durão também, se não vão pensar o quê?", repetiu para si mesmo mentalmente, já de olhos fechados.

É. Tem razão.

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publicado em 22 de Julho de 2016, 09:15
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Jader Pires

É escritor e colunista do Papo de Homem. Escreve, a cada quinze dias, a coluna Do Amor. Tem dois livros publicados, o livro Do Amor e o Ela Prefere as Uvas Verdes, além de escrever histórias de verdade no Cartas de Amor, em que ele escreve um conto exclusivo pra você.


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