A maior parte dos treze anos que trabalho no Tribunal foram gastos na área de Família, Infância e Juventude. E se tem uma ação que predomina nesta seara, está é a de pedido de pensão alimentícia.
As novelas da pensão alimentícia
É claro que num mundo ideal de paz e amor, papai e mamãe, ainda que não morassem juntos, cuidariam e sustentariam a prole sem a necessidade de um juiz se intrometer no assunto. Mas a gente sabe que o mundo não é ideal. O mundo é cruel, feio e cheio de problemas. Bom, na verdade, se o mundo fosse o ideal, eu teria perdido meu emprego há muito tempo.
Assim, o que de fato acontece na maioria das vezes é: mamãe fica com a guarda do Junior e aciona papai pra pagar pensão pro guri. O juiz, então, fixa uma porcentagem dos rendimentos do papai que vai ser paga à mamãe, a título de pensão alimentícia. E todos vivem felizes para sempre.
Será?
Não, não, claro que não! O mundo é cruel, feio e cheio de problemas, esqueceu? Pois é…
Por isso e por motivos vários, desde revés financeiro até a própria canalhice, papai deixa de pagar a pensão devida. E a ferramenta apropriada para cobrar judicialmente essa pensão em atraso é o processo de execução de alimentos, troço chato que só.
Uma coisa aqui é importante destacar:
A pensão alimentícia é considerada pela lei como medida assistencial e tem caráter de urgência. Afinal, criancinhas – e adolescentes – comem todo dia, né? Não é uma coisa que se possa esperar muito pra resolver. Assim, em geral, a execução de alimentos costuma ser processada de forma bem ligeira, num rito diferente das outras cobranças judiciais.
Esse “caráter de urgência” também inspirou o legislador a uma sacada genial: permitir a prisão do cabra que atrasa a pensão. Atualmente, é a única forma de prisão civil admitida, sem grandes questionamentos, nos tribunais brasileiros. E é impressionante como a visita de um oficial de justiça, trazendo consigo um mandado de prisão, convence os papais a acertarem as contas e zerarem os atrasos. Uma beleza!
De uns tempos pra cá, tem-se firmado o entendimento de que papai só pode ficar preso se estiver devendo valor equivalente aos três últimos meses de pensão alimentícia. Isso, na prática, quer dizer que, mesmo que o processo de execução se refira a uma dívida relativa a um ano, se papai pagar o equivalente aos três últimos meses em atraso, ele não pode ficar preso.
O resto da dívida será cobrado com papai fora do xilindró. É… pois é… mas, fala sério, não é pra deixar o atraso se acumular por tantos meses! Mamãe, por favor, com poucos meses de atraso, coloque a máquina judiciária pra funcionar atrás do inadimplente!
Bem, de resto, o que se pode dizer é que essa coisa toda de pagar pensão pra filho só se acaba com a maioridade – e em alguns casos nem na maioridade – do petiz. Assim, tem papai e mamãe que simplesmente não abandonam nunca a roda-viva do “atrasa pensão/cobra pensão”, viram ratos de fórum.
A gente que trabalha com isso, muitas vezes acompanha o crescimento da criancinha. Coisas desse mundo. Afinal, ele é cruel, feio e cheio de problemas…
Claudia Lyra é uma mulher de quase quarenta anos, mãe, esposa, filha, irmã e dona de cachorros. Trabalha e estuda na área de Direito. Tem riso fácil e gargalhada escandalosa.
E também escreve no ótimo É a mãe! . Vai lá conhecer.
Puxe uma cadeira e comente, a casa é sua. Cultivamos diálogos não-violentos, significativos e bem humorados há mais de dez anos. Para saber como fazemos, leianossa política de comentários.