Eu tive câncer de próstata

Um relato de quem sentiu na pele o drama de ser diagnosticado com câncer de próstata

O homem só vai ao médico quando está morrendo ou quando alguém enche o saco de uma tal maneira que não tem jeito, ou ele vai ou vai. Fui por insistência da patroa.  

Fiz os exames de rotina e, tirando o colesterol e o tal de triglicérides que estavam um pouco acima das medidas padrão, os demais exames, incluindo o PSA (Antígeno Prostático Específico) e a realização do toque (aquela dedada tão temida entre os homens para ver se a próstata está normal), todos se apresentaram dentro da média.

Os urologistas recomendam que todo homem acima de 50 anos de idade faça anualmente o exame de toque retal e de PSA. A maioria dos homens  procura o médico para fazer exame da próstata, porque são obrigados pelas esposas. O homem é relaxado nesse ponto e, talvez por preconceito contra o toque, adiam a consulta o quanto podem.

“Às vezes é melhor ficar na ignorância”, dizia eu que, a partir da constatação do colesterol e triglicérides altos, teria de reduzir a cerveja, maneirar na massa, na carne do churrasco entre amigos e a enfrentar a academia para me exercitar. “Menos mal”, pensei comigo, “tenho amigos que além do remédio para o colesterol têm que tomar também remédio para a pressão alta e diabetes”, dizia eu para mim mesmo.

E fui me acostumando à rotina anual de coletas de sangue e às visitas ao médico para levar-lhe os resultados. Quanto ao toque retal, realmente, pra mim, é um exame bastante desagradável, cujo desconforto, porém, não dura mais que 20 segundos.  

A próstata é uma glândula que faz parte do sistema reprodutor masculino. Está localizada abaixo da bexiga, na frente do reto. No homem adulto ela pesa de 15 a 20 gramas e tem o tamanho equivalente ao de uma noz. Com o passar dos anos, porém, a próstata começa a crescer e, a partir dos 40 anos, de 80% a 90% dos homens apresentam crescimento benigno da próstata.  

Durante uns bons anos, felizmente, a resposta do doutor era sempre a mesma: “Os níveis de seu PSA estão adequados para sua idade e o toque não registrou nada de errado com sua próstata, um pouco aumentada, sim, mas normal, continue com o remédio do colesterol e com os exercícios físicos que está indo tudo bem, parabéns”!

E eu saía do consultório sorridente e bastante satisfeito, louco para dar a boa notícia para minha esposa que já não me vigiava e nem precisava mais me acompanhar às consultas anuais.

Segui minha vidinha trabalhando, me exercitando (me dediquei à natação), tomando menos cerveja, comendo menos carne nos churrascos entre amigos, e tentando reduzir o consumo de massa por causa dos carboidratos.

Estou indo bem, sinto-me bem e, semana que vem levo meus novos exames para o doutor me dar os parabéns de novo, com aquele costumeiro tapinha nas costas.

Legenda

Mas não, dessa vez não. Dessa vez o doutor não gostou dos níveis do PSA. Também não gostou do que percebeu na próstata quando realizou o exame de toque. Pediu uma biópsia. “É só um tira-dúvidas, fique tranquilo, vai lá, faz o exame e traz ele pra gente ver, vai sossegado, é só rotina”.

O crescimento da próstata não tem causa conhecida, surge por um desequilíbrio hormonal no homem maduro, ou seja, as células da próstata passam a se proliferar em decorrência dos hormônios. Não tem como prevenir. 

Enfim, coisas desagradáveis não acontecem só com os outros, não acometem só a vizinhança, então, quando retornei ao médico com o resultado da biópsia, ao abrir o exame,  a pergunta do doutor ressoa em meus ouvidos até hoje: “O senhor veio sozinho?”

Um frio percorreu a minha espinha em plena primavera de início de novembro e ficou rodeando a minha nuca. “É um tumor pequeno” – balbuciou o médico quase não querendo dar essa notícia – “e ele está situado dentro da próstata” – acrescentou o doutor – “e há tratamentos caso o senhor não queira operar mas na minha opinião, o melhor é a cirurgia” –  concluiu e ficou me olhando.

Um silêncio pesado, denso e nebuloso despencou sobre nós e escureceu a sala branquinha.

O médico retomou a fala: “Não precisa sair daqui correndo, não é uma bomba relógio que o senhor traz aí dentro, mas tem que se fazer um dos procedimentos, é um câncer e com isso não se brinca”. Silêncio curtíssimo logo quebrado pela fala do médico: “O senhor é jovem, o tumor é pequeno e está dentro da próstata, portanto, a chance de cura é bem maior, fique tranquilo, vai dar tudo certo”.

No Brasil, o câncer da próstata corresponde à primeira causa de câncer em homens, superando o câncer de mama, o mais comum entre as mulheres. Diagnosticar câncer de próstata no início faz enorme diferença, porque são curados entre 85% e 90% dos casos.

Eu ouvia as palavras pronunciadas pelo doutor, sílaba por sílaba, mas elas não se encaixavam, não formavam nenhum significado que eu pudesse decifrar. As sílabas eram claras, entretanto as palavras não. Acho que ele falou um montão de vezes a mesma coisa e por muito tempo.

“Fique tranquilo, não se desespere, é um tumor pequeno” – e aquele amontoado de sílabas parecia o disparo de uma metralhadora pipocando em meus ouvidos – “pedi à secretária que ligasse para sua esposa e ela já está vindo, fique tranquilo”. Repetia aquela voz longínqua e quase que ininteligível. “Quer um copo d’água, a secretária vai acompanhá-lo, viu, está tudo bem, fique tranquilo”.

Não me lembro se minha esposa veio ao meu encontro nem como cheguei em casa. Não me lembro, também, de como disse sobre a doença para o meu filho, mas o que eu vivi desse dia em diante eu não me esqueço.

É comum você descobrir um câncer no indivíduo e ele entrar em pânico, primeiro pela doença, é claro, mas principalmente porque as pessoas vão descobri-la. Porque o câncer é muito relacionado com morte, decadência física e perda da independência.

Foram dias e noites de insônia, mau humor e pensamentos completamente desagradáveis. E entre tantos pensamentos horrorosos, vinham outros pensamentos menores, de dúvidas e desalento: Como eu vou comunicar à empresa? Como falar com os colegas e amigos? Será que eu vou morrer?

Outras vezes, ainda, me pegava pensando novas bobagens, tipo: Será que a vasectomia que eu fiz há tanto tempo é que causou o câncer? Será que eu trepei demais? Será que eu trepei de menos? Será que foi muita punheta que eu bati na adolescência?

Nada disso!

Todo homem nasce programado para ter câncer de próstata. As nossas células contêm genes que as estimulam a virar cancerosas e eles ficam bloqueados durante boa parte de nossa existência. Quando envelhecemos esses mecanismos de bloqueio deixam de exercer o seu papel e o câncer começa a se manifestar.

Não tinha ânimo para sair e nem para ficar em casa. Nada estava bem. Passava dias inteiros na internet lendo tudo sobre próstata, câncer da próstata, tratamento da próstata, cirurgia da próstata e todos os procedimentos possíveis caso o tumor estivesse localizado dentro ou fora da próstata. No meu caso eu já sabia que o tumor estava localizado dentro da próstata “o que é bem melhor” – lembro-me de o médico ter dito isso, coitado, tentando amenizar o impacto quando me deu a má notícia.

Para piorar ainda mais meu estado de espírito, nada do que eu lia era animador porque, além de todas as coisas ruins que a gente ouve falar sobre câncer e cirurgias malsucedidas, tinham coisas ainda mais agravantes (e degradantes): após a cirurgia da próstata 3% dos homens ficam com incontinência urinária grave e 20% dos homens (que têm menos de 55 anos) ficam impotentes. No caso de se recorrer a um dos tratamentos, seja a radioterapia ou a braquiterapia, a coisa muda bem pouco de figura.

O homem, então, se defronta com um dilema: fazer a cirurgia e ver aumentada a possibilidade de cura, apesar do risco maior de impotência sexual e de perda involuntária de urina, ou optar pelos tratamentos que curam menos, mas diminuem esse risco.

Por essas e outras é que a gente fica meio desnorteado. Meio é modo de dizer, a gente fica inteiramente desnorteado, sem rumo. Sabe aquele ditado popular: Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come? É exatamente isso, desse jeito!

E eu não queria, de jeito nenhum, nem fazer a cirurgia e nem passar por tratamento nenhum, porque tinha lido, também, que muitos homens talvez tivessem câncer de próstata mas como não realizavam exames de rotina, iam morrer com o câncer (que nem sabiam que estava ali, quietinho), mas não por causa dele.

E eu não sentia nada, eu não tinha nada, nenhum sintoma, nenhum incômodo, nenhuma dor. Tirando o emocional abalado eu estava bem, minha saúde era perfeita, apenas um colesterolzinho de merda um pouquinho alto, mas sob controle. E mais: eu mijava normalmente quando estava apertado e meu pau, felizmente, vinha funcionando satisfatoriamente bem, até então.   

Consultei uns dez urologistas que constavam de meu convênio médico e todos, todos sem exceção foram unânimes em dizer: “Não se pode ignorar um tumor, o senhor tem de fazer um dos procedimentos”.

Alguns, vendo meu desespero em não saber escolher qual dos procedimentos era o menos pior, me aconselhavam (assim como a minha mulher) a recorrer à cirurgia: “Assim você fica livre disso de vez, com a radioterapia ou a braquiterapia a chance que o tumor volte é maior que na cirurgia”.

“Mas têm homens que...” tentava argumentar que muitos homens nem sabiam se tinham a doença e não estavam passando por aquele sufoco. “É verdade, mas nós agora sabemos que o senhor tem um tumor, o que não sabemos é como as células desse tumor irão se comportar daqui pra frente”.

A grande dificuldade em medicina, ao fazer o diagnóstico de câncer de próstata, é saber se aquele vai ser um tumor indolente ou um câncer agressivo que será fatal se nada for feito.

Chorava pelos cantos da casa escondido, não queria que minha esposa e meu filho me vissem chorando. Eles também estavam sofrendo, era visível o nó engasgado, entalado na garganta de cada um de nós.

E chorava baixinho, quietinho, de noite, de dia. Acordava de madrugada, mexia no meu pinto e pensava: o homem é o pau, o homem é o pau. Pensava também que em último caso, se ficasse impotente, poderia me tornar um celibatário, mas não, isso tinha sido escolha do cara ser celibatário, e nem sei se o celibatário é um homem inteiro, ele aboliu o uso de seu pau por vontade própria, porque quis, porque não achava serventia para ele, o que não é o meu caso.

Dizendo assim até parece que eu sou fodão, que eu sou o maior garanhão da face da terra, não, não é isso, mas pau é pau e eu bem sei do prazer que ele me proporciona desde longa data. E, além do mais, eu não queria ficar usando fralda o resto da minha vida.

E lia, lia e devorava tudo que aparecia na internet. Até defesa de tese de mestrado, doutorado sobre tumores de próstata eu li. E quanto mais eu lia, mais desesperado ficava, afinal era certo que eu ia fazer uma cirurgia pra foder de vez com a minha qualidade de vida, eu ia fazer uma cirurgia que me livraria do câncer, sim, mas que poderia, possivelmente, transformar-me num mijão e num broxa para o resto da vida.

Legenda

Li tudo sobre a próstata, já disse e, embora ela seja um órgão exclusivamente masculino e faça parte do nosso aparelho reprodutor, não havia lido nada a respeito de que esse órgão fosse responsável pela ereção, então, mais uma descoberta: as doenças da próstata não afetam a função sexual do homem.

Caralho, que merda é essa, agora? Como assim? Estou sofrendo todo esse tempo à toa? Então há luz no fim do túnel?

Não, não é bem assim. É que bem ao lado da próstata passam dois nervos que são responsáveis pela ereção e, durante a cirurgia, o médico pode lesar esses nervos, ou por inexperiência ou porque o tumor está muito encostado neles e o médico é obrigado a removê-los. Da mesma forma, infelizmente, em relação à radioterapia, os feixes de raios necessários para queimar o tumor também podem lesar esses nervos causando a impotência.

A próstata produz parte do líquido que forma o esperma. Quando o homem ejacula, a próstata se contrai empurrando o esperma em direção ao pênis e fechando a porção do ureter que se conecta a bexiga garantindo, assim, que não haverá passagem de urina durante a ejaculação.

Bom, depois de meses de muita conversa com o urologista que escolhi para compartilhar meus temores e dúvidas, e depositar em suas mãos, literalmente falando, o futuro do meu pau, decidimos pela cirurgia: Prostatectomia Radical, esse é o nome da cirurgia. Antes, porém, o doutor pediu novos exames e uma nova biópsia para se certificar se esse seria o procedimento mais adequado no meu caso.

A cirurgia mais comum é feita através de uma incisão no abdômen, abaixo do umbigo, pela qual a próstata é removida e, com ela, o tumor. O doente fica no hospital quatro ou cinco dias e a evolução dos pacientes costuma ser bastante favorável. Há, também, mais recentemente, cirurgias com robô, que permite uma visão muito mais precisa do campo cirúrgico, eliminando os tremores da mão do cirurgião e permitindo incisões bem pequenas. A recuperação do paciente, também, é bem mais rápida.

Por sugestão de meu urologista fiz a cirurgia robótica e tudo correu de acordo com as informações que ele havia me passado. Lembro-me com satisfação de sua primeira fala quando voltei da anestesia: “Tudo certo, meu amigo, o tumor já era; seus nervos estão preservados, é só ter um pouco de paciência que mais dia, menos dia, você vai me relatar sobre sua ereção”.

Mesmo zonzo, aquelas palavras soaram em meus ouvidos feito uma sinfonia.Tentei estancar duas lágrimas que, desobedientes, teimaram em rolar pela minha face. Acho que elas refletiram a luz do sol que atravessava a janela do quarto naquela manhã de verão.

Saí do hospital com uma sonda e fiquei com ela por doze dias e, na verdade, esse foi o maior desconforto pós-cirúrgico. A sonda, entretanto, dissipou por doze dias a ansiedade de ver meu pau funcionando novamente, pois com a borracha enfiada na uretra não há pensamentos que estimulem a ereção.

E fui recebendo a visita dos amigos e familiares, por sinal, bastante curiosos em saber sobre a cirurgia robótica e por onde, afinal, tinha saído o tumor. Achavam (assim como eu antes das leituras), que a cirurgia fosse feita pelo ânus. É incrível como a maioria de nós não sabemos nada sobre nossos órgãos, então, prestava um serviço gratuito de utilidade pública aos amigos, pois a cada visita, mostrava didaticamente minhas pequenas incisões feitas no abdômen, explicando ainda que, se eu não tivesse feito a cirurgia robótica, eles veriam uma única incisão, maior, abaixo do meu umbigo.

No décimo segundo dia retornei ao meu médico para a retirada da sonda e tive de usar forro (fralda) por alguns meses por conta da incontinência urinária. Depois fui aprendendo algumas técnicas de fortalecimento da região pélvica, coisa que nós só vamos ficar atentos quando realmente surgir esse tipo de problema. Mas esse é um outro papo, para uma próxima vez, porque na verdade, eu sei bem o que todos querem saber hoje: “afinal, seu pau voltou a funcionar ou não?”

Sim, sim, felizmente. A minha primeira ereção, ereção mesmo, uma ereção sustentada para uma boa trepada, ocorreu exatamente depois de um mês da cirurgia, e a satisfação de ver o amigo lá de baixo dando o ar da graça após meses de tensão e angústia é fantasticamente indescritível.

É isso, meus amigos, tudo certo, acabou o sufoco, felizmente e, terminando meu relato, gostaria de repetir o que já disse lá em cima: eu não tive dor nenhuma no pinto, nem nos testículos, nenhum desconforto para urinar, nenhuma dor na uretra, nada, nada, nenhum sintoma. O câncer só foi detectado por causa dos exames de rotina.

Agradável? Não, claro que não, não há quem goste de injeção na veia (para ter seu sangue retirado para exames), não há quem goste, também, de ficar com a bunda de fora enquanto o doutor lhe enfia o dedo no traseiro.

Diagnosticar câncer de próstata no início faz enorme diferença, porque são curados entre 85% e 90% dos casos. No entanto, essa porcentagem cai para 35% se o tumor é identificado mais tarde, quando já saiu da próstata, o que é uma pena, pois o diagnóstico precoce depende de um exame de sangue simples e do toque retal que dura 20 segundos. Não há dúvida: mais vale o individuo suportar um desconforto de 20 segundos do que passar anos e anos sofrendo por causa de um câncer que não foi descoberto na hora certa.

É isso aí, meu irmão, chegou aos 50? Então vai lá, procure um urologista, faz os exames e boa sorte.

Saúde!

* * *

Nota: todas as citações destacadas foram extraídas de uma entrevista do Dr. Miguel Srougi (médico, professor de Urologia na Universidade Federal de São Paulo e autor do livro “Próstata: Isso É Com Você”, concedida ao Dr. Drauzio Varella em seu site.


publicado em 01 de Novembro de 2015, 13:01
Barretto

Luiz Cláudio Barretto

Paulistano, passou dos 60 anos recentemente, está aposentado, mas se recusa, por enquanto, a se sentar nos bancos destinados a idosos nos transportes públicos.


Puxe uma cadeira e comente, a casa é sua. Cultivamos diálogos não-violentos, significativos e bem humorados há mais de dez anos. Para saber como fazemos, leianossa política de comentários.

Sugestões de leitura