Dois baianos no Olímpico e outros mitos da bola

Não há imagens do gol mais espetacular do jogador mais completo de todos os tempos.

Em 2 de agosto de 1959, no campo da Rua Javari, Pelé dominou a bola próximo à meia lua da área adversária. Sem deixar cair, executou um chapéu em Julinho, um em Homero e outro no zagueiro Clóvis. Quando o goleiro Mão de Onça saiu para abafar a bola, também tomou o seu. E o então jovem e já campeão do mundo, com a serenidade de uma majestade, completou para o gol vazio com um leve toque de cabeça.

O gol ficou imortalizado, também, pela sequência do lance. Pelé comemorou dando socos no ar, criando e imortalizando uma das mais copiadas comemorações. O público, ainda espantado pela genialidade da jogada, aplaudiu embasbacado e sem saber que todos presenciavam o surgimento de um monstro.

Link YouTube | O gol mais bonito de Pelé (versão Winning Eleven)

Milhares de torcedores e jornalistas – especialmente jornalistas – juram que estiveram na Rua Javari no dia desse jogo. Algo totalmente discutível, pois, se todos que afirmam ter testemunhado o lance realmente estivessem no estádio, haveria um recorde imbatível de público. Indiferente, esse é mais um fato gerado graças ao mito sobre a lenda. Com o passar do tempo, a história vai ganhando exageros. É como se fosse um lance que nunca acabou e vai ganhando novos capítulos a cada novo relato.

E talvez seja. O futebol, em especial o jogado na época dourada do jornalismo esportivo (leia-se Nelson Rodrigues, Armando Marques e Armindo Antônio Ranzolin), proporcionou histórias que se misturam com a realidade e o desejo de seus interlocutores. Verdade, mentira, não importa. Mas eu não duvidaria do Pelé.

Sugestões para a série "Mitos da bola"?

É pauta de bar. Assunto pra conversa de boteco. Essa série promete recuperar alguns casos absurdos e notáveis do futebol mundial. Não pretendemos investigá-los ou julgá-los, longe disso. Visamos imortalizar essas lendas. Histórias que parte da imprensa ainda tem medo de citar oficialmente.

Compartilhe o que lembrar nos comentários para expandir nossa pesquisa. O exagero fica por nossa parte, os narradores.

Começo com uma outra lenda...

Dois baianos no Olímpico

Gil e Catimba

Nos anos 70 o Internacional formou um dos melhores times do mundo. Campeão brasileiro em 1975 e 1976 (viria ser campeão invicto em 1979, feito jamais repetido), o time de Falcão, Dário, Escurinho e Figueroa entrou 1977 com a clara meta de manter e hegemonia no estado e conquistar o nono titulo estadual seguido.

Para quebrar a sequência espetacular do rival, o então presidente do Grêmio Hélio Dourado apostou suas fichas no treinador mineiro Telê Santana. E Telê, que já entendia muito de futebol, começou a moldar um time que fizesse frente ao Internacional. Contratou uma jovem revelação do futebol mineiro chamado Eder Aleixo e um baiano de sotaque arrastado que faria história no futebol gaúcho: André Catimba.

André era tudo o que Telê Santana abominava num atleta: boêmio, maloqueiro e viciado na noite. Tinha presença carimbada nas boates e discotecas da época, sempre ao lado de seu fiel escudeiro Eder Aleixo. Duas noites antes da final de 1977, os dois jogadores foram vistos num show de Gilberto Gil em Porto Alegre. Catimba, que logo fez amizade com o conterrâneo, convidou Gil para assistir ao Grenal no Olímpicou. E o cantor foi.

A estrela brilhou na final. Com direito a uma comemoração antológica, Catimba fez o único gol do jogo e deu a vitoria ao Grêmio.

Link YouTube | Da série "Os melhores gols e as piores comemorações da história"

O time foi campeão sob os olhares de Gil, que vibrou muito dos camarotes do Olímpico. Ao final do jogo, fez questão de descer até o campo para cumprimentar o amigo e o grupo de atletas.

Já no vestiário ao lado de jogadores, comissão técnica e repórteres (sim, repórteres entravam no vestiário naquela época), questionado sobre o time de preferência, Gil declarou-se gremista. Foi aí que então, enquanto apertava um baseado e com a tranquilidade e perspicácia de um homem consagrado pelas artes, ponderou:

"Sou gremista porque o céu é azul, a paz é branca e eu sou preto."

André Catimba, ainda lesionado devido ao tombo na hora do gol, dividiu os cigarros com Gil. A noite de Porto Alegre, acostumada com os exageros de Catimba, silenciou. A festa ficou por ali. E a paz, que naquela tarde ganhou os tons azul e preto, reinou no vestiário de um time que tinha saudade de ganhar.


publicado em 26 de Abril de 2011, 10:41
File

Fred Fagundes

Fred Fagundes é gremista, gaúcho e bagual reprodutor. Já foi office boy, operador de CPD e diagramador de jornal. Considera futebol cultura. É maragato, jornalista e dono das melhores vagas em estacionamentos. Autor do "Top10Basf". Twitter: @fagundes.


Puxe uma cadeira e comente, a casa é sua. Cultivamos diálogos não-violentos, significativos e bem humorados há mais de dez anos. Para saber como fazemos, leianossa política de comentários.

Sugestões de leitura