Crowdculture: quando tudo vira um só

Está na moda. Só se ouve falar de crowd. Crowdsourcing (conhecimento coletivo), crowdfunding (o financiamento coletivo), crowdlearning (estudo coletivo). E soa bem, mesmo. Refinado, bacana, inteligente. Mas, que raios é isso?

Crowd: do inglês, multidão.

Multidão: s.f. ajuntamento de pessoas ou de coisas.

Montão, grande número.

A meninada se divertindo no crowdsurfing

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Nota do editor: na semana passada, a gente publicou aqui no PapodeHomem um artigo que falava sobre o projeto Alma de Batera.

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Desde sua criação, o Alma de Batera é realizado na Biblioteca Mário Schenberg, em São Paulo (SP). A demanda de estrutura e novos professores fez com que o idealizador colocasse a atividade em uma plataforma de crowdfunding – financiamento coletivo. Afinal, a manutenção dos equipamentos e a estrutura adequada necessitam de um certo investimento, algo inviável para Paul e os apoiadores.
O objetivo da arrecadação é ampliar o número de oficinas para outras regiões de São Paulo e arcar com as despesas para a formação de novos professores envolvidos nas aulas.

Quando fizemos nosso post sobre o Alma de Batera, ele ainda precisava de cerca de R$7.000 em doações para sair do chão. Do dia 28 para 29 de junho, faltava menos de R$3 mil. No último dia, eles alcançaram os R$22 mil necessários.

Ficamos felizes demais. 

E agora, apresentamos outro projeto muito, mas muito bom. Ele amplifica ainda mais o poder das multidões.

Basta ler o artigo abaixo.

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A ideia do "crowdqualquercoisa" é a de que há poder no coletivo. E esqueça aquele conceito ideológico de coletivo flower power dos anos 70. A história aqui é outra.

Tudo começa com a rede mundial de computadores. Isso, a rede. Essa veio atropelando tudo o que encontrou pela frente e rompeu todas as barreiras possíveis e imagináveis. Diz e repete, todos os dias, bem alto, para todos os conectados: tudo se acessa. Mais ainda, a todos se acessa.

Pronto. Mágica. Estamos nos transformando, a cada dia, numa sociedade distribuída, onde não há centros. Não há quem mande, não há caminhos hierárquicos a serem seguidos. Todos estão conectados no mesmo nível, tudo interage. E eu não preciso falar com o assessor do Ministro da Educação para chegar no cara. Ele está lá: Facebook, Twitter, E-mail, tudo escancarado na rede.

A partir daí, as pessoas começaram a ter a grande sacada. Essa de que não precisamos de ninguém que nos diga como fazer, que dite o rumo das coisas. Que faça a conexão entre pessoas ou dê passe livre aos lugares. Em última escala, adeus instituições e todos os 20 andares de memorandos que sobem e descem, que eu retuito a merda do CEO.

E é bem aí que entra a segunda grande sacada. Ora, eu sei que posso fazer sem ajuda de uma figura articulada, cheia de artimanhas e burocracias tortas. Mas e se eu fizer junto com outros indivíduos como eu, engajados, movidos pelo mesmo propósito?

Essa é a fagulha por detrás do movimento crowd. A de que um ativo - seja ele uma ideia, um tostão ou um minuto livre - vale mais, ou tem mais potencial de transformação, quando muita gente põe o seu na roda. A “união faz a força” ganha uma nova cara.

A terceira sacada foi de dentro para fora, a "eureka" pessoal, com direito a piscas e rojões. Compartilho. Pensei que precisava, de algum jeito, aplicar a força da rede, a ideia de interatividade distribuída e o poder das pessoas, todas juntas no mesmo degrau, ao modelo de educação antigo e fragmentado que vivemos.

Porque, cá para nós, está tudo errado. Os muros, as fileiras de carteiras, os pátios supervisionados, as disciplinas-gavetas. A figura i-know-it-all do professor, as classes divididas por idade, sexo, notas. Os sinos, a descarga daquele conteúdo todo que alguém disse que o outro alguém precisava saber. Caixas e mais caixas. Regras e mais regras.

Porque a coisa acontece, de fato, aqui fora, um subindo nos ombros do conhecimento do outro

Um modelo de escola-fábrica-prisão no mais belo estilo revolução industrial, que só fez algum sentido no séc. 18, quando precisávamos de uma massa minimamente preparada para compor a engrenagem do mercado-motor da economia. Mas, e agora?

Agora, nada. Na era do comportamento em bando, do coletivo, sincronizado, distribuído e auto-organizado, descobri que o melhor modelo é o não-modelo. Descobri que, para fazer acontecer (trocar, compartilhar, aprender) as pessoas só precisam se encontrar mais. Simples assim.

E aí, pari o Cinese. Uma plataforma de crowdlearning. Aqui, nessa salada russa, só crowdlearning, solto, perdido assim, parece não dar conta de explicar.

Destrinchando um pouco, a plataforma materializa um espaço de troca livre. A escola da vida, potencializada. Quero facilitar o encontro de pessoas inquietas, pessoas com sede de conhecimento, de outras pessoas, de qualquer coisa. Lá, qualquer um pode propor encontros ou participar de encontros propostos por outros, tudo livre. Desde um café filosófico no café da esquina até uma aula de ioga no vão do MASP. Vale também aula de fotografia analógica e workshop sobre matemática aplicada.

Eu quero mais é que as pessoas troquem. Assim, sem complemento. Não importa o que nem onde. Quero que elas usem a rede e se encontrem para isso, carne e osso, tête-à-tête. Porque é só assim que a troca é troca, é genuína. Que façam laços fracos, que construam ligas fortes. Que descubram, como eu, que a escola, lato, é muito pouco quase nada e que o que realmente importa está aí, latente, urgente: o dia-a-dia, cada experiência, todas as outras pessoas que passam pela nossa vida e tudo o que elas carregam com elas.

Foi lindo quando eu troquei de óculos e passei a ver esse mundo todo em escalas de cinza, onde nada é certo nem errado e tudo o que se tem são possibilidades. Quis dividir, por meio do Cinese e de tudo o que ele representa. Miúdo, compassado, sem a arrogância de querer

ser a solução.

Estamos todos juntos nessa, um ajudando o outro com o que temos de melhor, e buscando no outro o que melhorar em nós mesmos

E para apresentar ao mundo a cria, lambida de todos os lados, resolvi promover a tal da Semana Cinética. De 10 a 14 de julho, pessoas boas envolvidas vão compor rodas de troca sobre vários assuntos importantes: desescolarização, discriminação, música, democratização da arte e planejamento urbano. O formato é des-formato e a entrada é gratuita. Tudo vale e tudo pode. Troca, em maiúsculo negrito sublinhado.

No dia 11 de julho, vou contar com a participação cortante do Alex Castro, integrante do PdH. Falaremos do Brasil das minorias, de racismo, empreendedorismo étnico, e de todas as outras bolas que levantarem. Estão todos convidados. A mudar de óculos e a participar dos eventos da semana.

Quem sabe um venha com o outro.


publicado em 05 de Julho de 2012, 13:05
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Anna Haddad

Acredita no poder de articulação das pessoas e numa educação livre e desestruturada. Entrou em crise com o mundo dos diplomas e fundou a plataforma de aprendizagem colaborativa Cinese. Tá por aí, nas ruas e nas redes.


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