Cracolândia: desespero de quem?

Hoje em dia o acesso à informação é muito simples. Com o advento da internet, grandes ideias podem ser espalhadas aos quatro cantos do mundo. No entanto, o que eu tenho percebido ultimamente é que a ideia estar lá, disponível para qualquer um, não elimina a ignorância das pessoas acerca do assunto.

O quanto você sabe sobre o crack e os problemas no centro de São Paulo?

Tenho me assustado muito com a política adotada pelas autoridades do estado e município de São Paulo acerca da cracolândia. Segundo a definição da Wikipédia, a “Cracolândia (por derivação de crack) é uma denominação popular de uma região no centro da cidade de São Paulo, nas imediações das avenidas Duque de Caxias, Ipiranga, Rio Branco, Cásper Libero e a rua Mauá, onde historicamente se desenvolveu intenso tráfico de drogas e meretrício”.

Ainda segundo a Wikipédia, um processo de valorização da região chamado de “Nova Luz” começou a ser instalado desde 2005, contando com isenção de impostos das propriedades ali situadas, fechamento de bares e boates ligados ao consumo de drogas e prostituição, retirada de moradores de rua e aumento do policiamento ostensivo. Tudo isso para valorizar as propriedades do local e atrair investidores, procurando curar essa “cicatriz” no centro da cidade de São Paulo.

Portanto, caros leitores, as notícias que vemos das ações policiais descoordenadas com as ações sociais e de saúde não começaram hoje. Suas raízes remontam à política adotada em 2005 para “higienização” da região.

O governo de São Paulo, cidade e estado, temendo uma ação efetiva do governo federal (sim, aquele da Dilma Rousseff, do PT, partido oposto ao PSDB e DEM que comandam o estado e a prefeitura de São Paulo) contra o crack, que é uma promessa eleitoral do governo federal, decidiram resolver o problema à lá São Paulo: policiamento ostensivo, apenas.

A idéia vendida à grande mídia não foi essa. Vejamos as notícias no início do ano e as atuais, onde dizem que a ação para solucionar o problema da cracolândia é através da polícia, assistentes sociais e agentes de saúde. A estratégia, segundo o coordenador de Políticas sobre Drogas da Secretaria de Estado da Justiça e da Defesa da Cidadania, Luiz Alberto Chaves de Oliveira, era de “Dor e Sofrimento”, pois só assim os usuários buscariam ajuda, pois a razão, neste caso, não é suficiente.

Agora, vamos refletir.

O crack é uma droga oriunda da mistura da cocaína, água e bicarbonato de sódio. Por conta disso, seu custo é muito inferior a da cocaína. Portanto, essa droga é muito mais utilizada por pessoas de classes de renda mais baixa. Seu efeito de euforia, ao ser ingerida, é maior que a da cocaína, no entanto, após passado o efeito, a depressão é muito mais forte também, o que leva o usuário a usar novamente a droga.

Pois então: o que leva uma pessoa a procurar as drogas?

É consenso entre os pesquisadores que a busca pelas drogas muitas vezes ocorre devido à uma insatisfação pessoal, que pode ser conseqüência de problemas familiares, distúrbios de aprendizagem, problemas sentimentais, frustração e derrota. Convido-o a assistir essa excelente entrevista do Dr. Dráuzio Varella falando o porque das pessoas procurarem as drogas:

Link YouTube | Entrevista sensacional para o Roda Viva. Assista também as outras partes também.

Nesses casos, quando a pessoa procura a droga, ela já está psicologicamente doente e o seu uso só agrava esse quadro. Tratar os usuários como caso de polícia é a mesma coisa que espancar um doente que está em um hospital (a diferença aqui é que o paciente não está no hospital e, nem sempre, sabe que precisa de ajuda). Sofrimento e dor para quem já está sofrendo e doente, isso não parece ser coerente. E é incrível (e assustador) ver a quantidade de pessoas que apóiam essa abordagem quando vejo os comentários das notícias sobre a cracolândia e a truculência da polícia nos maiores meios de comunicação na internet.

Vamos voltar agora aos acontecimentos.

Logo após alguns dias as notícias já mostravam como a ação policial estava “resolvendo” o problema: os viciados, que antes se aglomeravam, agora estavam espalhados pelas ruas da região e a polícia tinha conseguido apreender apenas 0,447 kg de crack em 7 dias de operação. Os comerciantes da região já começavam a demonstrar reação, conforme mostra a notícia do Diário de São Paulo do dia 04 de janeiro:

“Os clientes estão se queixando de tentativas de assalto e outros de constrangimentos. Eles [autoridades] tinham de enviá-los compulsoriamente para tratamento. Não estão lúcidos para decidir se são um risco à própria saúde”, diz Vanilson Pereira de Carvalho, dono de um restaurante na Rua Guaianases.

Segundo as notícias, era comum ver seguranças privados dos estabelecimentos comerciais espancando com cassetetes os “marginais” viciados, que sem ter lugar para ficar e com a distribuição da droga dificultada, começavam a encarar o sofrimento e a dor previstas pela estratégia do governo. E tudo isso, com a grande quantidade de 447 gramas de crack apreendidos, ou seja, o crack ainda circulava livremente pelas ruas.

No dia 9 de janeiro, a polícia usava balas de borracha e bombas de efeito moral para dispersar os usuários. Procure no vídeo abaixo os agentes de saúde e assistência social.

Link YouTube | Qual era a ação divulgada pelas autoridades mesmo?

As críticas à estratégia do governo foram aumentando. E os números foram aparecendo também. No dia 13 de janeiro os números eram: 107 pessoas presas (2,6 % das pessoas abordadas por policiais), sendo 37 foragidos, 3.744 abordagens policiais, 1104 abordagens sociais e 1127 abordagens por agentes de saúde. Foram encontradas 5 armas de brinquedo e cinco carcaças de motocicleta. Das pessoas abordadas pelos agentes de saúde (1127), 73 foram internadas (6,4 % das pessoas abordadas pelos agentes de saúde) e 9 encaminhadas para hospitais (0,8 %), outras 189 foram encaminhadas para outros procedimentos relacionados à saúde (16,8 %). Além disso, 78 toneladas de lixo foram retiradas das ruas. Uma mulher foi presa com 16 mil pedras de crack.

Quanto às críticas, muitas apareceram. Algumas parecem ser oportunistas e de cunho partidário, outras não. Uma crítica que achei interessante foi a do promotor Eduardo Valério, da promotoria de direitos humanos da divisão de inclusão social: “Tráfico de drogas é questão de polícia, dependente químico, não.”.

Link YouTube | Veja esse filme e conheça as melhores iniciativas do mundo sobre como tratar os viciados

O Conselho Federal de Psicologia repudiou as ações na cracolândia: “uma política sobre drogas baseada no fortalecimento da rede pública de saúde seria o adequado, com a ampliação de consultórios de rua e dos Centros de Atenção Psicossociais, que realizam atendimento de forma intersetorial, envolvendo psiquiatras, enfermeiros, psicólogos e assistentes sociais e outros profissionais de saúde”. Não sou eu que estou falando isso e sim uma entidade que entende e vive o assunto no dia a dia.

O prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab (PSD, ex-DEM) afirmou que as ações da polícia não precisam esperar o Complexo Prates – centro de acolhimento e tratamento para usuários de drogas – ficar pronto para começar: “Só falta essa agora de a polícia ter de aguardar os equipamentos da saúde e da assistência social ficarem prontos para fazer aperfeiçoamentos nas suas ações”.

Como assim, prefeito?

Se a estratégia é causar dor e sofrimento através da abstinência (que ocorre em horas, no máximo dias, para o crack), como é que o senhor vai negar tratamento a essas pessoas até o fim de fevereiro, quando o centro de tratamento ficar pronto? A estrutura de saúde existente não tem suporte para acolher essas pessoas nesse momento, conforme as notícias já relataram sobre pessoas que buscaram tratamento, esperaram 8 horas no hospital para serem acolhidas, e não foram.

Além disso, as notícias também mostraram total desarticulação entre a PM e os governos municipal e estadual. Some-se a isso as eleições que ocorrerão em outubro, o medo das iniciativas do governo federal serem mais efetivas que as do governo de São Paulo (que sempre acha que não precisa de nada do governo federal) e tire sua conclusão.

Para fechar esse texto, na sexta-feira 13, os usuários que tinham se dispersado decidiram voltar à rua Helvética, centro da cracolândia. Foram recebidos com cassetetes (já que as bombas e balas de borracha tinham sido proibidas pelo governador), mas mesmo assim continuaram no local. Com um total de 1,649 kg de crack apreendidos, não me parece que todo o dinheiro gasto até agora tenha sido efetivo para diminuir o problema.

Agora é a sua vez. Já vi opiniões reacionárias demais nos comentários de notícias falando sobre a questão, sem profundidade nenhuma. Você tem uma opinião formada sobre as ações do governo na Cracolândia? Quais são os fundamentos das suas opiniões?


publicado em 16 de Janeiro de 2012, 22:59
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Danilo Scorzoni Ré

Engenheiro Florestal, amante da natureza e de ecoturismo. Apesar de ambientalista, não gosta de eco-chato e ainda acredita na capacidade do ser humano em promover um futuro melhor. É @dscorzoni no Twitter.


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