Como dar a volta ao mundo, passo-a-passo

Como muitas das coisas extraordinárias da vida, essa começou numa mesa de bar. Três amigos desanimados com a profissão discutiam o futuro. Em pauta, um intercâmbio para a Índia. Decidimos encarar o desafio e ficar seis meses por lá, mas o tamanho da aventura só foi mesmo definido quando alguém, talvez já por conta da cerveja, achou que viver na Índia não era o bastante.

Se o objetivo é largar tudo para viajar, melhor fazer isso direito. Decidimos dar a volta ao mundo.

 

“Seria legal se a gente não fosse só para a Índia, mas se fizéssemos uma viagem ainda maior. Já ouviram falar dessas passagens de volta ao mundo?”

Descobrimos que uma passagem de volta ao mundo custa cerca de US$ 3,5 mil. Compramos e menos de dois meses depois daquele boteco embarcamos na maior aventura de nossas vidas até então.

Sim, dei uma volta ao mundo. E não, não sou rico. Sou jornalista. Faça as contas e você vai ver que definitivamente eu não tinha dinheiro de sobra. Na realidade, dinheiro era um problema. Depois de pensar bastante, resolvi que valia a pena financiar a viagem. Afinal, eu já tinha financiado outras coisas, tipo um carro, mas nada tinha sido tão útil quanto essa viagem poderia ser. Não me arrependi.

 

Elefantes em Chiang Mai, Tailândia
Elefantes em Chiang Mai, Tailândia

Durante 10 meses, viajei por 15 países e 4 continentes. Morei seis meses na Índia. Nadei no rio Ganges. Pisei no Himalaia. Esquiei na Nova Zelândia. Dormi no deserto, na fronteira da Índia com o Paquistão. Enfim, fiz tantas coisas que fica até complicado listar. O ponto é: essa viagem mudou minha vida, valeu cada centavo. E eu fiz tudo isso com apenas R$ 25 mil, incluindo na conta todos os gastos – passagens, comida, atrações turísticas, cerveja etc.

Agora vou contar como você pode fazer o mesmo.

 

Por onde começar?

Muitos aventureiros deram a volta ao mundo em navios, numa época em que ser viajante era um risco ocupacional e que não havia garantias de retorno para casa. Vasco da Gama, por exemplo, voltou para Portugal num caixão, só ossos.

Hoje, cair na estrada é bem mais seguro – tem quem faça de carro, de bicicleta, a pé, de barco. Basta dar uma olhada rápida na internet e vai encontrar várias histórias de quem largou emprego e vendeu bens para realizar o sonho de ficar alguns anos viajando.

Para quem gosta de conhecer novas culturas, uma viagem dessas é simplesmente sensacional. Eu descobri coisas sobre o mundo externo e interno que jamais imaginaria. A questão aqui não é necessariamente rodar o globo. Isso é o menos importante. Fundamental mesmo é deixar as diferenças culturais agirem e mudarem você um pouco, para depois voltar pra casa e enxergar tudo com outros olhos.

 

Taj Mahal India
Taj Mahal, Índia

Do ponto de vista da locomoção, a forma mais simples e barata de dar uma volta ao mundo é certamente de avião.

Para ter uma noção, considere que uma viagem dessas de carro envolveria um planejamento gigantesco e muito mais dinheiro. Para isso, você teria de solucionar problemas como: O carro pode entrar no país? Como fica a documentação? E o seguro contra terceiros? Como atravessar o carro pelo Atlântico? Coloco o carro num navio e vou de avião? E a gasolina? Onde parar o carro?

Se escolher ir de avião, resta decidir pelo tipo de passagem. É possível comprar uma passagem de volta ao mundo, trechos separados, ou ainda comprar passagens durante o desenvolvimento da viagem, deixando tudo nas mãos do acaso. Nós escolhemos a primeira opção porque viajamos de impulso – foram poucas semanas para planejar tudo. E uma passagem dessas reduz drasticamente a quantidade de planejamento exigido.

 

Uma passagem que não vai para um lugar, mas para vários

Quando decidimos viajar, as passagens de ida e volta para a Índia custavam cerca de R$ 5 mil. A passagem que compramos, de volta ao mundo, custou cerca de R$ 7 mil, com todas as taxas incluídas. Com ela, estivemos na Espanha, Itália, França, Inglaterra, Índia, Nepal, Hong Kong, Tailândia, Cingapura, Nova Zelândia, Chile e Peru. Os dois mil reais melhores investidos da minha vida.

Uma passagem de volta ao mundo é vendida pelos pools de empresas aéreas – Oneworld, StarAllience e Skyteam. As regras variam de acordo com a empresa, mas a ideia é que você compre a passagem com uma companhia, mas complete a viagem voando nas parcerias dela. Essa regra também pode varia, mas são permitidas cerca de 15 paradas.

 

machu picchu, peru
Machu Picchu, Peru

Uma coisa é igual, independente da empresa escolhida: você deve voar sempre no mesmo sentido e garantir uma volta completa no globo. Começou a viagem saindo pelo Brasil e cruzando o Atlântico? Então vai ter que terminar no Brasil, voltando pelo Pacífico. E fazendo várias paradas durante o período da viagem, que pode durar desde alguns dias até um ano.

Comprei minha passagem de volta ao mundo em 2011, quando o dólar custava mais ou menos R$1,60. É óbvio que hoje os preços são mais altos, mas mesmo assim a passagem de volta ao mundo pode compensar. Para outros, gente que tem tempo de sobra e não precisa de um planejamento muito fixo, o melhor pode ser comprar as passagens aos poucos, sempre que aparecer uma promoção em algum canto do globo. Minha próxima volta ao mundo vai ser assim.

 

Mas e o planejamento do roteiro? Os vistos? O transporte?

Há bastante informação disponível na internet. Se você decidir ir para um lugar exótico e distante, provavelmente alguém já foi e escreveu sobre isso. Leia blogs, com dicas de viajantes que, assim como você, um dia pretenderam cair na estrada. Use o conhecimento deles e as coisas facilitam.

Acredite: não é preciso planejar por anos uma viagem dessas. Como tínhamos pouco tempo, optamos por países que não exigiam visto para brasileiros ou que têm sistema de retirada de visto no aeroporto. Por isso excluímos do roteiro países como Japão, Estados Unidos e Austrália – que na época tinha um procedimento de entrada um pouco mais complicado do que hoje. O único visto que tiramos antes de sair do Brasil foi o da Índia, onde ficaríamos metade do nosso tempo na estrada.

 

Tongariro, Nova Zelândia
Tongariro, Nova Zelândia

Planejamos a viagem aos poucos, tudo pela internet. Em primeiro lugar, reservamos hostels e decidimos o que queríamos fazer na Europa, que seria a primeira parada. Na Índia, onde ficamos vários meses, completamos o planejamento, reservando os hostels um a um e eventualmente comprando passagens adicionais de avião – fomos para Indonésia e para a Malásia assim – e pensando no transporte por terra, quando necessário.

 

Mas não é perigoso?

No dia 24 de julho de 2012 eu voltei ao Brasil. Corri riscos? Vários. Mas voltei. A vida é imprevisível. Você pode tremer de medo de viajar de avião, mas sangrar até a morte depois de uma queda no banheiro. O tuk-tuk que quase te atropelou em Bangkok poderia ter sido um carro, em São Paulo. Entre ir e não ir, prefiro não perder tempo sonhando acordado com a viagem dos sonhos ou tendo pesadelos com os riscos envolvidos.

Isso não significa imprudência. Eu jamais iria para um país onde a presença de turistas seja desaconselhada pelos órgãos competentes do Brasil, por exemplo. Também não seria louco de fazer turismo num campo de guerra. É preciso planejar essa parte da viagem com cuidado, sabendo exatamente quais são os riscos do país, qual o comportamento esperado e o que não se deve fazer em hipótese nenhuma.

Por sabermos dos riscos de algumas empresas aéreas do Nepal que nos recusamos a entrar num avião local, quando o dono do hotel onde estávamos nos avisou que haveria um enorme protesto no país no dia seguinte e que deveríamos deixar a cidade imediatamente. Foi por uma falha no planejamento que fomos parar no Nepal exatamente na semana de protestos violentos.

Anote aí: é importante ler as notícias do país semanas antes de embarcar. Muita coisa não chega no noticiário internacional.

 

Ok, mas de onde tirar o dinheiro?

Eu vendi meu carro. Como ele estava financiado em 60 vezes e tinha 5 anos de uso, isso não representou muita coisa. Além disso, trabalhei em dois empregos durante dois meses. Economizei em absolutamente tudo: saídas, bares, cinema. Um café que você toma hoje poderia pagar um dia de hospedagem na Tailândia. Mesmo assim, faltaram 10 mil reais. Foi essa a quantia que resolvi pegar emprestada.

Mas nem todo mundo anima de fazer isso. Tem quem tenha medo. Tem quem não goste. Existe quem não tenha nome limpo para ter empréstimo aprovado pelos bancos.

 

Manali vila no Himalaia India
Manali, vila no Himalaia, India

Bom, o fundamental aqui é entender que viajar pelo mundo durante um longo período não é caro demais e não é coisa só pra gente rica. É um sonho possível, basta um pouco de planejamento e economia. Tem carro? Moto? Quem vai viajar durante meses não pode deixar veículo parado na garagem de casa. Considere vender. Tem emprego? Considere pedir demissão e usar o acerto para dar no pé.

Procure trabalhos temporários, frilas ou um segundo emprego. Os meses antes da viagem são absurdamente corridos: é preciso planejar tudo e dar sangue para colocar a grana no bolso. Pra mim deu certo. Um mês antes de decidir viajar eu estava no cheque especial. No dia em que saí do Brasil não estava mais no vermelho e tinha o dinheiro da volta ao mundo. A viagem foi o impulso necessário para me tirar da inércia em vários campos da vida, inclusive o financeiro e o profissional.

É quase impossível listar todas as coisas que ganhei durante essa viagem. Já as perdas se resumem aos dez quilos que deixei para trás ao largar uma vida sedentária, de quem ficava o dia inteiro com a bunda na cadeira do escritório. Não fizeram falta.

Mecenas: Curso Nomades Digitais

Quem disse que você precisa trabalhar onze meses do ano para poder viajar apenas um? O mundo mudou, a forma de trabalhar mudou e as empresas também estão mudando.

Você não tem mais que trabalhar em um escritório dentro de uma grande cidade, trancado no ar condicionado.

Seu escritório pode ser na beira da praia, em um café em Paris ou numa casa à beira da montanha. 

No curso dos Nomades Digitais, o Eme e a Jaque ensinam usando da sua experiência própria como qualquer pessoa pode se tornar um Nômade Digital e trabalhar de onde quiser. Tudo que você precisa é de um notebook, uma conexão com a internet e bastante disposição para aprender.

E ai, ta afim de conhecer o mundo?


publicado em 27 de Junho de 2013, 11:56
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Rafael Sette Câmara

Virou mochileiro ao mesmo tempo em que se tornou jornalista. Desde então, se acostumou a largar tudo para trás - inclusive empregos - e cair na estrada. Ele escreve sobre viagens no 360meridianos, mas pode ser encontrado também no Facebook e no Instagram.


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