“A cada dia
Vamos mais perto
Do outro, daquele,
Enfim, o certo.”
Não servem as preces que aprendemos na infância ou essas que às vezes inventamos. Que um homem tenha morrido, não nos serve, seu sofrimento ou o de outro – importa pouco: somos iguais quando temos dor. Estes desenhos que você faz ainda, aqueles que eu costumava fazer. A memória, essa voz e essas imagens que nos assombram sem parar. O esquecimento que às vezes quero, que às vezes detesto. O filme e a música que outro dia nos fizeram chorar. O instrumento que eu quis tanto aprender – que não é mais do que madeira e aço. As pessoas por quem nos apaixonamos e a própria paixão, que é a mesma, sempre. As três palavras dos que amam (as mesmas, sempre) e que prometemos não esquecer, desnecessariamente. O filho que eu temo e tive, e o teu que não vou conhecer. A outra vida que sigo imaginando. O trabalho, a persistência, a resignação, o pão, a amizade e todas as coisas pelas quais nao me interessei. A soberba. O desamor. A morte. O meu medo sem fim. Coisa alguma nos salva.
E ademais estamos sós. Eu te falo e te ouço, tocamos as mãos e nos olhamos, às vezes, com uma pequena alegria ou um desengano escondido, e ainda assim, ainda assim não nos encontramos. Do início a um fim que entrevemos com pavor disfarçado, lado a lado, atravessamos sós.
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(Este texto apareceu originalmente no Não2Não1, blog sobre relacionamentos mantido pelo nosso Gustavo Gitti.)
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