Bukowski é a nova modinha das redes sociais

É comum hoje em dia abrir o Facebook e se deparar com frases do escritor Charles Bukowski. No mesmo estilo daquelas que levaram as pessoas à exaustão com as citações de Clarice Lispector e Caio Fernando Abreu.

Isto fez com que fãs mais "jihadistas" do autor se indignassem com ele ter se tornado modinha, dizendo inclusive que isso acabaria arruinando a sua obra. Mas essa nova febre não pode ter um lado bom?

Bukowski motivacional
Motivacional

Qualquer um que já tenha lido um livro do Velho Safado (alcunha de Bukowski) ou que ao menos tenha uma ideia de quem ele foi, logo de cara percebe que seus textos não têm nada a ver com aquelas frases motivacionais que normalmente são compartilhadas.

Entretanto, sua forma ácida de criticar a sociedade, assim como a maneira desviante de pensar e levar a vida, acabaram gerando verdadeiras pérolas.

As citações de Bukowski podem não ter alcançado a mesma proporção que as de Lispector e Abreu, mas vêm crescendo bastante. Referências ao seu trabalho podem ser encontradas em sites, aplicativos e páginas do Facebook. A própria editora que publica o autor no Brasil já percebeu o aumento de interesse e vem investindo na divulgação de sua obra nas redes sociais, em artigos e vídeos em seu site.

Frases fora do contexto e interpretações errôneas

Escutei muitas reclamações em relação ao modismo em torno do autor em mesas de bar, assim como li algumas em blogs que discutiam tanto o fato de Bukowski se tornar uma modinha, quanto a apropriação distorcida de sua imagem. Um dos motivos para a birra desses fãs é a deturpação do contexto.

Um dos exemplos:

Bukowski
O capitão saiu para o almoço e os marinheiros tomaram conta do navio

Ao contrário do que aconteceu com Lispector e Abreu, a maior parte das citações atribuídas ao velho Buk na internet são verdadeiras. A frasezinha super fofa na foto é do livro .

Ela é legítima, mas no original é complementada com o seguinte:

“Não reverenciam suas próprias vidas, mijam em suas vidas. As pessoas as cagam. Idiotas fodidos.
Concentram-se demais em foder, cinema, dinheiro, família, foder. Suas mentes estão cheias de algodão. Engolem Deus sem pensar, engolem o país sem pensar. Esquecem logo como pensar, deixam que os outros pensem por elas. Seus cérebros estão entupidos de algodão. São feios, falam feio, caminham feio. Toque para elas a maior música de todos os tempos e elas não conseguem ouvir.
A maioria das mortes das pessoas é uma empulhação. Não sobra nada para morrer.”

A frase não perde o seu sentido original, mas convenhamos que o enxerto não combinaria muito com a foto bonitinha da flor crescendo no meio do deserto. Nesse caso, se omitiu parte do pensamento de Bukowski para que a citação ficasse mais “apresentável”, dando uma ideia errônea do que são seus textos: sujos e, muitas vezes, deprimentes.

Motivacional
Motivacional

Talvez a mais sensata das reclamações desses fãs é a de que, como os romances e poemas do Velho Buk são o oposto daquilo que os “compartilhadores de frases motivacionais” procuram, e quando estes se depararam com um de seus trabalhos, inevitavelmente ficam decepcionados e ajudam a difundir a ideia mais que equivocada de que Bukowski é pura “bebedeira e putaria” (interpretação muito comum, diga-se de passagem), enquanto na verdade, seus textos são muito mais profundos.

A maior parte da obra de Bukowski possui uma crítica feroz ao modo de pensar excludente da sociedade americana.

No livro Factótum, o famoso anti-herói e álter-ego do autor, Henry Chinaski, vaga por diversas cidades dos Estados Unidos trabalhando em qualquer lugar que pudesse lhe garantir uns dólares no final da semana, sem nenhuma perspectiva de melhora em sua vida. A história se passa em 1944, uma época em que o American way of life era empurrado goela abaixo.

Charles Bukowski em uma de suas famosas leituras de poemas nas universidades americanas
Em uma de suas famosas leituras de poemas nas universidades americanas

É claro que as citações equivocadas ajudam a uma compreensão errônea do trabalho e da figura de Bukowski – tanto ocultando a imagem detransgressor e boca-sujado autor, como também exagerando-a. Isto realmente pode acabar criando uma certa resistência naqueles que desconhecem sua obra e se sentem incomodados com a farra de compartilhamentos no seu feed de notíciasMas, sinceramente, do que adianta reclamar?

Que lado bom isto pode ter?

Uma das diversas montagens encontradas no Google quando buscado “Bukowski frases”
Busque por “Bukowski frases” no Google, compartilhe algo com seus amigos, se mate

Infelizmente, não interessa o que você faça: xingue, grite, ameace de morte, chore, esperneie ou conte tudo para a sua mãe; as pessoas continuarão usando a rede como uma ferramenta para disseminação de inverdades e citações duvidosas.

A receita para suportar tudo isto é simples. Como já dizia Marta Suplicy durante a crise aérea do país, em 2007: “relaxa e goza”. Se você nem ninguém tem como evitar que este tipo de coisa aconteça, então esqueça. Pare de reclamar e espere que ao menos algumas destas pessoas que veem as citações de Bukowski e acham elas “legaizinhas”, realmente procurem por seus livros e bebam direto da fonte.

Outro dia, um amigo meu pediu indicações para começar a ler o Velho Buk porque se interessou por algo que viu na internet. Mesmo.

Se dez em cada cem pessoas que compartilharam as citações lerem um livro do Bukowski, já é bom. Se entre estas dez, cinco gostarem e apenas uma entender a crítica feita por ele, melhor ainda.

Nenhuma frase fora de contexto ou interpretação mal feita do trabalho do cara vai estragar sua obra. A obra dele está lá, impressa e eternizada, pronta para desmistificar qualquer imagem errônea construída sobre ela. Basta que a pessoa se interesse em buscá-la; aqueles que não se interessarem, logo vão esquecê-lo e trocar por um novo escritor modinha do momento.

Numa das vezes em que expus a minha opinião sobre, um conhecido afirmou que Bukowski odiaria esse tipo de associação com seu trabalho. Também acredito nisso, mas creio também que ele odiaria a maioria dos seus leitores de hoje, inclusive aquele que fica todo brabinho por causa dessa história toda.

Ele odiava pessoas. Odiava tudo. E é isso que fez dele o Velho Buk que adoramos.

Para quem ainda não leu Bukowski

Agora sim, motivacional mesmo
Agora sim, motivacional mesmo

O PapodeHomem mesmo já publicou uma frase do Bukowski em sua Fanpage no Facebook
O PdH mesmo já publicou uma frase do Bukowski em sua fanpage

Se ainda não conhece a obra do autor, seus romances são um ótimo começo. Criei uma ordem que facilita a compreensão do autor e de seus personagens – quase sempre autobiográficos. Obviamente essa é só uma dica; ler em uma outra ordem não vai fazer com que se perca.


  • Misto Quente: infância e adolescência problemática;

  • Factótum e/ou Cartas na Rua: a vida ruim, sem perspectiva de melhoras;

  • Mulheres: o poeta já conhecido, mas que possui uma aversão àqueles que o excluíram a vida toda e agora o adoram;

  • Hollywood: o autor famoso que começa a questionar se não estaria se vendendo ao escrever um roteiro para um cineasta famoso.

Todos foram publicados no Brasil pela L&PM. Boa leitura.


publicado em 05 de Junho de 2013, 07:00
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Marcelo Marçal

Formado em História, mas não exerce por opção. Hedonista no sentido bom da palavra (se é que ele existe), especialista em nada, mas apaixonado por cinema, literatura, rugby, futebol e viagens. Escreve mais por amor do que por vocação, e se alegra de não saber aonde vai estar daqui a um ano.


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