"Até tenho amigos que são"

Nada contra os homofóbicos, até tenho amigos que são...

Olhar para o que fiz no passado tem sido um exercício excelente pra mim. Recomendo. Ao invés de me provocar culpa pelos erros que cometi, sinto como se estivesse desatando nós e tirando alguns quilos dos ombros.

Num artigo recente, investiguei o bullying que pratiquei durante o ensino médio. Aquilo abriu caminho na minha mente para que, outro dia, procrastinando na rede social do Mark, a publicação de um outro conhecido me fizesse ir ainda mais fundo nessa questão.

Quem você é?

Nadei competitivamente durante a adolescência quase toda. Naquela fase, eu e meus amigos estudávamos de manhã, treinávamos a tarde e encaixávamos as outras tarefas (curso de inglês, dever de casa, namoros, vídeo game, etc) no que sobrava do dia.

Em determinadas semanas, nossa carga de treino beirava os 50K, mas posso garantir que pessoas da nossa idade de outros lugarem nadavam bem mais do que isso. Entretanto, treinar tudo isso leva tempo e, como muitos estudavam na mesma escola, a convivência entre nós era intensa. A natação (não a escola) foi, portanto, o lugar onde fiz os amigos mais fiéis que tenho até hoje. Foi lá onde forjei boa parte do meu caráter e da minha personalidade. E é nesse ponto que eu queria chegar.

Naturalmente, dentro daquele grupo de cerca de 50 pessoas havia todo tipo de gente. Baixos, altos, magros, gordos, brancos, negros, pobres, ricos, héteros, homossexuais e todas as outras variações de gênero que existem. Mas sobre esse último aspecto em específico, a maioria de nós ainda não sabia o que era, mas já reproduzia preconceitos relacionados.

A gente repassava sem nem saber o que era.

Esse menino, especificamente, era um dos alvos do grupo. Introspectivo e carinhoso, ele recebia uma série de acusações e, tímido ou sábio, nem se dava ao trabalho de responder, o que retroalimentava os comentários. Para falar a verdade, não sei nem se alguém algum dia descobriu se ele era gay mesmo ou não. O que só prova o quanto isso não importava. Se o grupo pensava que você era, então você podia fazer muito pouco a respeito.

O que você faz?

O pouco que podia ter feito, porém, ele fez.

Com o passar dos anos, fomos crescendo e o desempenho no esporte passou a ser cada vez mais importante. Por se tratar de uma equipe de natação competitiva, o resultado era determinante e se refletia nas nossas relações. Quem tinha moral passou a ser decidido dentro d'água e não mais fora.

Por sorte, ele era um excelente nadador e logo começou a se destacar cada vez mais. Venceu competições, bateu recordes, acumulou medalhas e calou a boca de quem debochava dele. Me recordo do dia em que um garoto mais uma vez zoava ele, quando alguém virou e disse: você fica aí falando enquanto ele te dá um pau na piscina. Por que você não cala a boca e treina mais?

Você pode imaginar como foi a reação das pessoas nessa hora.

Foi exatamente dessa forma nada amistosa que o assunto foi encerrado. O tal garoto não virou amigo da galera, nem fazia questão disso, mas passou a ter um pouco mais de paz e seguir sua vida. Isso porém não muda o fato de que passaram-se anos até que ele tivesse a sorte de ver os critérios para zoação mudarem. O impacto que os comentários agressivos podem ter gerado internamente ao longo de tantos anos de humilhação são incalculáveis.

Da mesma forma, o resultado não deixou de ser apenas pontual. Enquanto o garoto em questão conseguiu sair do foco com seus resultados, outros não tiveram a mesma sorte. O grupo não deixou de ser homofóbico, apenas mudou de alvo.

Quando você faz?

No meio dessa história, segui o tempo todo na posição de observador passivo. Nunca levantei a voz para defendê-lo. Só conseguia pensar que se eu tomasse alguma atitude, poderia ser o próximo alvo. Assim, mesmo sem ter proferido uma única palavra violenta contra ele, me senti responsável por ter compactuado com aquilo por anos.

O tempo passou novamente e alguns de nós pararam de nadar, outros mudaram de cidade, e nunca ninguém nos puniu ou educou sobre o assunto. Eu precisei começar a viver em outros contextos para ver a luta de alguns grupos ganharem voz e me dar conta de como aquilo que permitimos que acontecesse era errado.

Eu também tinha motivos pra me envergonhar.

Gostaria de me confortar dizendo que não foi minha culpa, afinal, eu era só um menino. Mas toda vez que penso nisso me lembro que foi exatamente esse o argumento das mães confrontadas pela atitude de seus filhos com o colega de equipe.

Preferi, portanto, adotar um outro caminho para desatar este nó e, se você passou por algo parecido, tenho uma sugestão.

Que tal se, daqui em diante, nós não nos calássemos mais perante uma injustiça?

Que tal usar o pouco que tivermos ao nosso alcance para impedir que situações como essa se repitam?

Eu escolhi fazer o possível, sair dali, contar pra todo mundo e estimular um debate que mostre para essas pessoas que não tem nada de errado com elas, mas com os outros. E quer saber? Já comecei.


publicado em 21 de Outubro de 2016, 23:00
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Breno França

Editor do PapodeHomem, é formado em jornalismo pela ECA-USP onde administrou a Jornalismo Júnior, organizou campeonatos da ECAtlética e presidiu o JUCA. Siga ele no Facebook e comente Brenão.


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