Aquele mês no qual fiquei sem beber

Já tive quatro textos publicados no PapodeHomem. O primeiro foi uma receita de risoto, ótima pedida para ser acompanhada por um vinho. O segundo sobre a tragédia de Teresópolis, em que narro, entre outras coisas, a culpa por estar bebendo enquanto caminhões com corpos passavam na rua. O terceiro foi um texto sobre Whisky e o quarto sobre como matei meu pai cozinhando, onde conto um pouco de como a relação com meu pai se transformou na cozinha – com comida e vinho.

Em todos os textos há bebida, constatação boba que fiz ao começar a escrever este texto.

Constatação menos boba eu fiz após uma ressaca moral, há pouco mais de um mês.

Após o tradicional encontro das quintas-feiras para beber vinho com meu pai, estiquei o happy-hour tomando um Limmoncello – licor de limão, delicioso especialmente quando gelado – com um amigo. Não lembro de nada. Nem como dormi, nem o que falei com minha mulher, nem nada.

Junto com a ressaca moral, a ressaca normal. Até aí tudo bem, não foi a primeira.

Como era de se imaginar, houve uma longa conversa com minha mulher e entre as constatações, percebi que eu tinha pelo menos 4 dias fixos para beber durante a semana.


  • Segunda-feira: Dia de cozinhar com meu pai (sempre com vinho)

  • Quinta-feira: Vinho

  • Sexta-feira: Cervejinha no boteco com a turma

  • Sábado: Restaurante com outros casais (sempre com vinho ou caipirinha)

Além dos dias certos, sempre havia um gole em casa para relaxar, uma comemoração especial ou um almoço de domingo dividindo uma cerveja com a sogra.

Motivado pela culpa e pelo discurso calmo, sensato e bem fundamentado que ouvi, resolvi fazer uma experiência: Ficar um mês sem beber.

Meu relato não deve estar didático como o do Jader, mas aí vai.

Quem é que manda, afinal?

No primeiro dia após o voto, não fui beber a cerveja de sexta-feira. Mais pela ressaca mesmo.

Nos dias que se seguiram, muita coisa foi passando pela minha cabeça. Muitos programas ficaram chatos. Muito chatos. Tão chatos que comecei a pensar que o chato sou eu. Percebi porque chamam a bebida de lubrificante social.

É oito ou oitenta? Tem que parar? Internamente tentei negociar comigo mesmo. E se eu não exagerar? É só beber menos, oras. Só duas taças na quinta. Só duas na segunda. Só duas latinhas no churrasco. Só que eu nunca bebo com a intenção de ficar bêbado. Com a intenção de não saber como chego em casa. Com a intenção de me expor a riscos.

Tive de admitir que eu não tenho liberdade com a bebida. Ou talvez, que o melhor jeito de ser livre seria ficar sem bebida alguma. Aí sim, eu faria o que é necessário, de modo lúcido, presente. E não faria o que não quero, que não é prudente ou necessário.

O segundo passo foi pensar em como eu responderia à seguinte pergunta:

Conto ou não que acho que isso virou um problema?

"Vamo pro bar, bater um papo"

Enrolei um pouco, falei para uns, enfeitei a verdade para outros. A verdade é que senti vergonha. Cheguei a me sentir emasculado quando minha mulher me ajudou a enfeitar a verdade.

Mas passou. Amigos que bebem bastante me incentivaram: Por que não para de vez? Amigos do peito pegam no meu pé (Deixa de besteira, bebe aí, é só maneirar). Fica confuso contar com as pessoas.

São tantas questões pipocando na cabeça que fico pensando: Isso é tão importante assim?

Fiquei imaginando, algum encontro é natural sem bebida? Dá para sentar com aquele amigo e bater um papo sem uma cerveja ou uma dose? Às vezes, o álcool vira uma muleta para a interação. Sem ele fica estranho falar de certas coisas. Pensei assim, mas na segunda quinzena vi que eu é que estava contaminado por essa ideia. Beber é um hábito, não é uma condição, porra.

Percebi que manter a motivação para meditar e correr pela manhã ajudou muito. Se eu não bebo, tenho certeza de que estarei disposto para correr 5km, para meditar 30 minutos, para chegar no trabalho tinindo.

Alternativas e compensações

Em uma ocasião tentei beber cerveja sem álcool. Não gostei. O gosto é até bom, mas não parece fazer sentido. É como comprar cigarro cenográfico para acompanhar fumantes.

Em bares percebi que água tônica ajuda muito. Não pesa como refrigerante e tem um amargo que cai bem. Ótima pedida.

Passei a beber muita água. Muita mesmo. Isso é bom.

Por outro lado, o chocolate virou quase uma obsessão. Alguém que entende sabe explicar? E eu nunca fui de chocolate.

Bares e restaurantes podem ser difíceis. Já repararam nos cardápios? É só bebida com álcool. Frequentemente fiquei com vontade de pedir uma caneca de chopp como aquelas dos companheiros, mas essa vontade passa. E passa rápido.

Me enchem um pouco o saco, mas sem dúvida tem sido bom fazer essa experiência. Há um orgulho meio idiota em ver os outros meio bêbados enquanto eu estou sóbrio, mas isso também está passando. Me senti sozinho algumas vezes. Não sei se isso é culpa da bebida ou das minhas companhias e programas. Num domingo caminhei 10km com dois amigos – que bebem – e foi muito bom conversar sem ter que vigiar o nível do copo ou a temperatura das latinhas.

Uma sensação que ainda me incomoda é eu achar que estou chato. Muito chato. Os jantares parecem longos, os assuntos se esticam. As esposas (que não bebem) dizem que estou vendo as coisas pelos olhos delas. Isso também foi motivador. Acho que faltava um pouco de empatia para entender o lado da minha mulher.

Este vídeo também ajudou.

Os últimos dias

Ao longo da noite é fácil perceber os caras ficando bêbados, repetitivos e chatos. Mas continuo frequentando os mesmos lugares e eventos. A única diferença é que não bebo.

Voltar de carona me fez perceber na pele o quão louco e irresponsável é aceitar misturar álcool e direção. Ver propagandas, fotos, vídeos e ouvir relatos não chegaram nem perto da sensação de ser o sóbrio andando de carona com um bêbado. Fui burro, mas aprendi.

O principal saldo após esses 30 dias sem beber foi perceber que há mais motivos para não beber do que para o contrário.

Renovei meus votos. Mais 30 dias sem beber. Relatarei novas percepções.

Quero muito saber a opinião de vocês. Quem parou, parou por que? Foi fácil?

Já tentou parar?


publicado em 08 de Outubro de 2012, 07:42
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Vítor Barreto

Editor da Lúcida Letra/2AB Editora, mora em Teresópolis, participa d'O Lugar e se interessa por meditação, comunicação não-violenta e como as pessoas podem se ajudar a viver melhor. No instagram: @vitbarreto.


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