Aos seis anos, ouvi de um palmeirense: “Eu vou matar esse moleque!”

É engraçado como as pessoas precisam de imagens, precisam ver algo acontecendo, para se comover ou mesmo simplesmente se convencer de que algo existe e ocorre mesmo.

No último 30 de setembro, após o jogo entre Coritiba e São Paulo, no estádio Couto Pereira, na capital paranaense, uma menina de 13 anos e seu pai foram agredidos e escorraçados da arquibancada por terem pedido, e ganho, uma camisa do são-paulino Lucas. 13 anos! Todas as televisões filmaram a cena.

O que se seguiu foi uma discussão generalizada sobre "a morte do futebol" e a "violência das torcidas". (Discussão da qual não participaram, claro,os bandidos coxa-branca que hostilizaram a menina.)

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Aconteceu comigo também

Sou são-paulino. Dia 1º de maio de 1994, dia da morte de Ayrton Senna, fui a um estádio pela primeira vez na vida. Tinha 6 anos de idade. Seis anos. Fui com meu pai, que não é são-paulino. É palmeirense. O jogo era justamente São Paulo e Palmeiras. Como eu era a criança, que poderia "não controlar suas reações de empolgação", e ele o adulto, iríamos na torcida do São Paulo. Eu estava com a camisa do meu time, que havia ganho do meu tio e seria o motivo de eu virar são-paulino. Meu pai, como sabia que ficaria na torcida do seu rival, foi sem referência alguma ao Palmeiras.

Chegamos à região do Morumbi sem ingresso e começamos a procurar bilheterias que ainda vendiam entradas. Não encontramos. Meu pai resolveu dar a volta no estádio para procurar outras bilheterias. Quando chegamos no meio da torcida do Palmeiras, um cara enorme, com cara de ódio perceptível até para uma criança como eu na época, com a camisa da Mancha Verde (hoje Mancha Alvi-Verde), nos parou, olhou pra minha camisa e disse:

“Eu vou matar esse moleque!”

Eu tinha 6 anos. Seis anos.

Meu pai respondeu:

“Você vai ter que me matar primeiro.”

Viramos as costas e o “palmeirense” não veio atrás.

Se um animal, bandido, que usa o futebol pra descarregar a sua frustração com a vida, teria coragem de matar um menino de 6 anos, por que não teria coragem de “só” agredir uma menina de 13? Naquele 1º de julho de 1994, na porta do Morumbi, não haviam câmeras, só centenas de “palmeirenses” da Mancha Verde em volta. Mais ninguém. Em Curitiba, dentro do estádio, haviam televisões do Brasil inteiro.

Estou contando uma história que aconteceu comigo há 18 anos. Mas hoje, em 2012, sou obrigado a ouvir e ler que “o futebol morreu”.

O futebol não morreu.

Ninguém morreu.

Nem o futebol, nem eu, nem a menina curitibana. Eu estou vivo, continuo são-paulino e amo mais o futebol do que o meu clube. O problema é que sempre existiram e continuarão existindo fanáticos, animais, ignorantes, bandidos que tentam matar o futebol alegando que o amam. E ninguém tem boa vontade de impedi-los. O mundo não piorou, ele sempre foi assim. E não tenho motivos para acreditar que vai mudar.


publicado em 26 de Outubro de 2012, 12:42
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Leo Morato

Leo Morato é jornalista, paulistano e amoral. Já praticou todas as posições do baixo escalão do mercado de comunicações, é um racionalista extremista e gosta quando as mulheres lhe chamam de forma carinhosa de "bobo", como, por exemplo quando toca 'Surf in USA' com seu air-sax. Twitter: @leomorato.


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