Alfaiataria de bicicletas

Cresci em uma cidade bem pequena do litoral de São Paulo chamada Peruíbe.

Quem mora, morou ou visita o litoral de São Paulo sabe bem que, caiçara que é caiçara, anda muito de bicicleta. Chamávamos a região de "China brasileira". Monte o cenário na sua cabeça: adolescente sem grana e seu único bem é a sua bicicleta.

Eu tratei a minha como filho. Cuidava da pintura, alinhava as catracas, as corrente, apertava os pedais. Era um zelo só. Mas alguns caras aqui em Sampa superaram meus sonhos (e cuidados) mais insanos. Os caras da TAG and JUICE,  como eles mesmos dizem, são alfaiates, só que de magrelas.

 

Pablo - o alfaiate de magrelas. (Foto: Felipe Larozza)

Para comprar uma bicicleta com o Pablo Gallardo ou com o Billie, sócios e donos da loja-galeria de arte-bar-lugar foda, não basta entrar, escolher uma e pagar. A experiência vai além, muito além disso.

Lá, eles tiram as suas medidas, trocam uma ideia (uma espécie de entrevista pra saber do que você gosta, como é a sua pessoa), pensam junto contigo sobre como, quando e onde você vai usar a bike e só então começam o processo de montagem de uma verdadeira bike custom - processo esse que pode levar de 6 a 8 semanas. Parece muito, mas é uma bicicleta pra vida inteirinha.

Bater um papo com esses dois é beber de uma fonte bem rica em informação utilitária, estética e modelo de vida. Pablo Gallardo nasceu no Chile e foi criado aqui no Brasil. Além da loja, ele organiza campeonatos de bike polo e corridas em minidromes. Já o Billie é um diretor de arte e faz a curadoria das diversas exposições que acontecem na loja da Tag and Juice. No dia-a-dia, o Pablo cai mais pro social com a galera, enquanto o Billie é o cara de backstage, cuidando das coisas que estão por trás do andamento da vida da loja.

"As bikes devem ser como as pessoas, cada uma tem sua personalidade , seu mood. Nunca fizemos uma (bike) igual a outra"

Quem disse isso foi o Pablo, quando fui visitar a Tag and Juice na última semana. Essa é a fórmula.

"O cliente vem na loja e sempre pergunta -  cadê as bikes?". Tinha algumas bicicletas na loja quando eu fui, mas eram para a demonstração de novos modelos e não estavam à venda. Isso porque, nesse processo de entender por completo a necessidade de quem vai comprar uma bike customizada, não há bicicletas para imediata aquisição.

 

Personalidade da Black Mamba (Foto: Felipe Larozza)

A filosofia dos caras tem como base o clássico, mas aqui não estamos falando somente da estética, mas também de peças com uma durabilidade e qualidade impressionantes. Todas as peças são pesquisadas separadamente, de acordo com a vontade e necessidade do cliente. A montagem final, depois de tudo discutido, é completamente artesanal.

Os quadros dessas belezinhas, em alguns casos, são feitos à mão por artesãos chilenos que produzem a peça usando o mesmo processo de fabricação de espadas, forjados um a um. Todas as bikes do mestre Pablo são feitas com quadros de aço, para durar como as bicicletas dos nossos avós. Os bancos são feitos por uma "marca inglesa que faz bancos à mão desde 1822, de couro - o selim se molda ao corpo da pessoa". Todos os fornecedores são muito especiais.

Uma bicicleta montada na Tag and Juice tem preço muito variável, já que se trata de uma experiência e compra muito pessoal, feita por cada cliente. Mas, pra dar uma ideia, não se sai pedalando da loja por menos de R$3800,00. Novamente, trata-se de uma bicicleta que, cuidada, vai facilmente passar de pai pra filho, de filho pra neto.

A montagem segue por essa linha, com os alfaiates te explicando a função de cada peça, de cada item e te justificando o porque essa e não aquela. Para quem não gosta dessa onda retrô, "é possível seguir uma estética moderna com essa pegada", porém nada de suspensão, alumínio e banco de gel.

 

"O mercado hoje tem essa coisa da China, maluca, os caras fazem bike sem parar. Linda visualmente, mas em 3 meses ela quebra, você descarta e compra outra"

Em grandes cidades como São Paulo, sempre que falamos em bicicletas, pensa-se em questões sociais, ambientais e em soluções para o trânsito. "Trazemos uma idéia de primeiro modificar o individual, modificando o individual o coletivo se modifica" - Pensamento customizado de ativismo.

 

Os carros na parede são uma afronta - design perfeito, mas hoje "politicamente incorretos" (Foto: Felipe Larozza)

A idéia dos caras é:

 

"Seja feliz, não vamos falar - não saia de casa de carro, use a bike.
Use se quiser, se usar vai ser legal pra caramba. Temos pessoas andando porque é cool, pessoas andando porque são ativistas, pessoas andando por que é divertido, mas no final as estatísticas mostram que têm vários caras andando."

Foi uma conversa sobre estilo de vida, comportamento, direção de arte, curadoria e, claro, bicicletas, tudo isso em meio a montagem de uma exposição de artes, com grafiteiros, pessoas tomando cerveja e foi ai que me dei conta - eles não vendem bicicletas. Vendem muito, mas muito mais que isso.

Sendo assim nada mais justo do que ter no mesmo espaço uma galeria de arte, uma espécie de cyber café, um bar, roupas e - segundo o Pablo e o Billie - a união dessa esquizofrenia é que gera uma discussão sobre comportamento.

Customizar é transcender o produto, é transformá-lo em um pedaço do que é você. Traduzir sua personalidade em algo material.

 

Billie no final de tarde na Tag and Juice (Foto: Felipe Larozza)

A Tag and Juice fica na Vila Madalena, em São Paulo, na rua Gonçalo Afonso, 99. Além do site, eles também alimentam um blog cheio de fotos de bikes, uma mais linda que a outra, vídeos dos eventos que eles promovem e coisas boas que eles veem por aí, nas andanças.

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publicado em 24 de Outubro de 2012, 11:18
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Felipe Larozza

Felipe Larozza largou a publicidade, o banco, a praia e foi abrir um hostel na Vila Maladena. Hoje, troca ideia com os gringos no Santa Maloca e, com fé em deus, ainda vai cobrir guerras como fotojornalista


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