Ministério da saúde (não) adverte: tire a bunda da cadeira e faça qualquer coisa

Todo mundo sabe que fumar faz mal. Está lá, na caixinha do dito cujo, nas campanhas de TV, nos posts do Facebook, na lei antifumo, na chatice do seu amigo que esconde seu maço de cigarros, nos conselhos intrusivos do colega ex-tabagista, no sermão do médico, da namorada, dos pais, dos filhos. Falo aqui com conhecimento de causa, pois já estive em quase todas essas posições: pode não ser fácil, mas, se começou, você devia mesmo parar. Seu amigo está certo, você está fazendo merda. Provavelmente é mais saudável comer o cigarro do que fumá-lo.

Mas talvez os paladinos da cruzada anti-tabaco devessem pelear com o mesmo afinco em outra questão: atividade física.

Coincidentemente, no momento em que eu estava planejando e pensando com os editores do PdH em uma série de textos sobre vida saudável (abordando, entre outras coisas, motivação, alimentação, atividade física, vícios e saúde mental), o respeitado periódico médico The Lancet publicou uma série de artigos científicos sobre um dos pontos cruciais do nosso percurso: aquele em que desligamos o computador e saímos para nos exercitar.

Também não é novidade que atividade física é um dos grandes determinantes de uma vida saudável. A OMS recomenda há muito tempo, nós médicos recomendamos há muito tempo e até esses malas da Cabana andam recomendando. O que é notável é que essa série de estudos, além de aumentar consideravelmente o respaldo epidemiológico para essas orientações e para políticas que as suportem, quantificou precisa e detalhadamente as repercussões da atividade física (e da falta dela) na nossa saúde, chamando a atenção para o fato de que essa pandemia de sedentarismo – e “pandemia” aqui não é exagero, veja o significado da palavra – nos fode em proporções que nem sonhávamos.

Concluiu-se que não praticar atividades físicas é tão prejudicial à saúde e causa tantas mortes quanto o cigarro.

Deixe-me reiterar: Sedentarismo = fumar.

Você se enxerga nessa imagem?

Se você é dos que se gabam e se sentem superiores por não suportar nem mesmo o cheiro do cigarro, mas também não sente há muitos anos o cheiro de um tênis de exercício, saia dessa posição. Saia correndo.

O abstract de um dos artigos dá uma ideia do nível da nossa autossabotagem

"[...] No mundo inteiro, nós estimamos que a inatividade física causa 6% (variando de 3,2% no sudeste da Ásia a 7,8% na região do Mediterrâneo ocidental) do fardo da doença coronária, 7% (3,9 -- 9,6) da diabetes tipo 2, 10% (5,6--14,1) do câncer de mama e 10% (5,7--13,8) do câncer de cólon. A inatividade causa 9% (de 5,1 a 12,5) de mortalidade prematura, ou mais de 5,3 milhões das 57 milhões de mortes que ocorreram no mundo em 2008. Se a inatividade fosse não eliminada, mas sim diminuída em 10% ou 25%, mais de 533.000 ou mais de 1,3 milhão de mortes, respectivamente, poderiam ser evitadas todo ano."

Lee I-M, Shiroma EJ, Lobelo F, Puska P, Blair SN, Katzmarzyk PT, for the Lancet Physical Activity Series Working Group. Effect of physical inactivity on major non-communicable diseases worldwide: an analysis of burden of disease and life expectancy. Lancet 2012; published online July 18. http://dx.doi.org/10.1016/S0140-6736(12)61031-9.

O comentário dos editores do The Lancet sobre a série traz reflexões interessantes sobre as políticas de saúde e sobre nossas posturas em relação à vida saudável. O acesso requer cadastro, mas é gratuito.

No entanto, não importa se você entende inglês ou não. Se você leu ou não, entendeu ou não. Mais do que qualquer leitura ou entendimento, eu recomendo, de coração, apenas isso: mexa esse traseiro gordo.


publicado em 22 de Agosto de 2012, 10:57
File

Lucas Pedrucci

Gaúcho expatriado, é pianista aposentado, jogador de rugby em fim de carreira, ex-oficial da FAB, paraquedista das categorias de base e meditante wannabe. Seu principal hobby é a Medicina, que estudou na USP e tem praticado no Hospital das Clínicas.


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