A primeira pirâmide

— Senhor?

— Pois não?

— Adão na linha sete.

— Pode passar.

— Só um minuto.

— Alô?

— Oi, Adão. Tudo bem?

— Tudo, e o Senhor?

— Tudo. Liguei para fazer uma proposta.

— Diga.

— O que o Senhor acha da ideia de ganhar dinheiro sem sair de casa?

— O que eu acho do quê?

— Ficar rico, muito rico. E sem sequer sair de casa. Basta me perguntar “como”.

— Adão...

— Estou esperando. Basta me perguntar “como”.

— Certo. Como?

— É o seguinte. Eu vou contar o segredo para o Senhor, mas só porque o Senhor está insistindo muito.

— Eu não estou insistindo.

— Bem, é o seguinte. Está rolando um negócio aqui com vendas de suplementos de vitamina. E o lucro é garantido.

— Ah, é?

— Sim. Eu mesmo nem conhecia isso, até que outro dia encontrei o castor. E ele me contou que estava pensando em aumentar a represa dele... aquela represa que ele faz ali no lago, sabe?

— Sim.

— Ele está pensando em aumentar a represa, usando somente o dinheiro que ganhou com esse negócio. Disse que está pensando até mesmo em contratar outros castores para fazer o seu trabalho. O castor está rico!

— Entendi.

— Conversa vai, conversa vem, eu me interessei. E ele disse que ficou rico vendendo suplementos de vitamina, num negócio que os macacos criaram.

— Que negócio?

— Você se inscreve no programa de vendas e recebe os suplementos na sua própria caverna. E pode começar a vender.

— Sei.

— Por isso estou chamando o Senhor para participar, porque sei que o negócio é bom. Basta investir cinquenta cocos no negócio e pronto. Já recebe os suplementos vitamínicos para poder vender.

— Espere... Eu preciso investir cinquenta cocos?

— Isso. Com essa quantia, você recebe os suplementos e todo o material de divulgação para começar a vender e, além disso, se o Senhor chamar outros vendedores para também investir no negócio, recupera todos esses cocos em alguns dias, pois eles também receberão os suplementos e trabalharão para você. Os macacos chamam isso de “construção de equipe”. Em um mês, no máximo, o Senhor terá mais cocos que viu na Sua vida inteira.

— Sei.

— Todos os animais estão mexendo com isso. Os macacos contrataram as hienas e os elefantes. A hiena chamou os guepardos e as girafas. Os elefantes convenceram os crocodilos e os peixes a participarem. Os guepardos chamaram os leões e as formigas. As girafas...

— Já entendi. E cada animal pagou cinquenta cocos?

— Sim. Quer dizer, não. Não é um pagamento. É um investimento. Você recupera os cocos em alguns dias. Basta contratar novos vendedores e montar sua equipe. Imagine só, o Senhor sentado aí em cima, somente administrando a equipe... E os cocos ali, caindo na Sua conta o tempo todo.

— Desculpe, Adão, não estou interessado.

— Olhe, é uma oportunidade de ouro.

— Obrigado. Mas não.

— Bem, eu vou ser sincero com o Senhor...

— Certo.

— Eu comprei isso, mas não consigo contratar um vendedor. Todos os animais aqui embaixo foram contratados e estão procurando vendedores. Falei com dezenas de animais, e todos estão como eu, procurando por vendedores. Ou seja, como eu preciso montar minha própria equipe e não encontro ninguém... pensei no Senhor.

— Entendi.

— Se o Senhor entrar no negócio comigo, dá para falar com os anjos e abrir todo um novo mercado aí. São cocos fáceis!

— Não. Não estou interessado.

— Será que então eu não posso falar com algum anjo que esteja aí perto? Se o Senhor me transferir para algum deles...

— Não, Adão. Sinto muito.

— Bem, entendo. Nem todos nasceram com tino comercial. Vamos deixar para lá.

— Certo. Obrigado.

— Posso aproveitar e perguntar outra coisa?

— Claro.

— O Senhor não quer comprar um pote de suplementos de vitamina? Hoje em dia, aparência é algo importante...

— Não. Obrigado.

— Tem certeza? Não quer dar uma força para mim? Porque eu recebi dez potes disso em casa, mas não consigo vender para ninguém. Como todos os animais se inscreveram no programa, todos têm dez potes disso em casa.

— Sinto muito, Adão.

— E, olhe, os suplementos funcionam mesmo. Se o Senhor visse o material de divulgação...

— Adão, você me dá um minuto?

— Claro.

— Voltei.

— Oi.

— Fui até o Paraíso e voltei. Estou aqui com o material de divulgação. Foram os macacos que fizeram essas folhas de bananeira?

— Isso.

— Realmente, os resultados são impressionantes. Este mico-leão do desenho marcada como “Antes” ganhou tudo isso de músculos?

— Não é demais? Você vê no outro desenho que ele cresceu muito, ficou parecendo um gorila!

— Sim. Porque o outro desenho mostra exatamente isso: um gorila.

— Não, foi força de expressão.

— Não, não foi. São macacos diferentes. Você não precisa ser onisciente para enxergar isso. O primeiro desenho mostra um mico-leão fingindo estar doente. O segundo mostra um gorila na praia, sorridente e bronzeado, segurando um copo com um guarda-chuvinha e abraçado com duas macacas.

— Mas e os suplementos de vitamina...

— Estou com um pote deles aqui. São feijões.

— São o quê?

— Feijões. Mais nada.

— Mas eu... eu estou tomando isso faz dias!

— Sinto muito, Adão. São feijões. Você foi enganado. Todos os animais estão trabalhando com isso aí embaixo?

— Sim. Só o urso que não. Ele está hibernando e todo mundo tem medo de ir lá acordá-lo.

— E todos os animais pagaram cinquenta cocos aos macacos?

— Isso.

— Você faz ideia de quantos cocos os macacos ganharam com isso, Adão?

— Bem, deve ser bastante. Mas este é o segredo da coisa. Todos ganham. Os macacos ganham porque foram os primeiros. Depois, os segundos a investirem ganham também. Depois, os terceiros...

— Até a hora que acabarem os cocos do Paraíso.

— Aliás, sabe que estão rareando mesmo? Eu tive dificuldade de achar cinquenta cocos. Os coqueiros estão praticamente pelados.

— Quantos você achou?

— Três. E olhe que passei dois dias procurando.

— Três? Três cocos no Paraíso inteiro?!

— Isso.

— E como você investiu com apenas três cocos?

— Eu comprei os outros cocos dos macacos.

— Como assim?

— Bem, já faz uns dias que os macacos montaram uma barraquinha de cocos. Eles trocam um coco por três bananas. Como eu arrumei apenas três cocos, comprei os outros que faltavam, pagando em bananas. Aí fui na barraquinha do suplemento de vitaminas, que é logo ali ao lado, e entrei no negócio.

— Adão, deixe ver se Eu entendi. Você comprou cocos dos macacos para poder usar estes mesmos cocos e dar aos macacos?

— Olhe, sei que colocando dessa forma parece estranho, mas... sim, foi isso.

— Adão. Você foi enganado. Você não vai conseguir vender isso para ninguém, e nem vai recuperar seus cocos.

— Como assim? Mas o castor...

— Sabe... existem momentos em que Eu penso se escolhi certo...

— Como assim?

— Nada. Deixe para lá. O que eu quero saber é onde estão os cocos do meu Paraíso.

— Com os macacos.

— Certo. Eu vou resolver isso. Quer dizer, meus anjos vão.

— Será que enquanto os anjos estiverem aqui embaixo, eu posso falar com eles e...

— Não, Adão! Você não vai convencer anjo nenhum a participar disso!

— É que os meus cinquenta cocos...

— Esqueça isso, Adão. Este negócio está acabado. E nunca mais quero ouvir falar de animais vendendo frutas e investindo em negócios no Paraíso!

— Certo.

— E meu conselho é: esqueça isso e vá cuidar do Paraíso.

— Certo. Mas o que faço com os potes de suplementos?

— Eu já disse, são feijões. Aliás, você quer fazer um investimento?

— Que investimento?

— Esvazie o pote na frente da sua caverna, invista o seu tempo em regar os feijões e e daqui a alguns meses você terá um pé de feijão.

— É...

— E vá cuidar do Paraíso.

— Entendi.

— Algo mais, Adão?

— Não, Senhor.

— Até logo.

E assim Deus mandou seus anjos descerem até o Paraíso. Armados com espadas de fogos, fizeram uma auditoria fiscal junto aos macacos e descobriram que o negócio era totalmente irregular e que, desde o início, eles não tinham intenção nenhuma de pagar os outros animais. Em determinado momento, iriam apenas sumir do mapa, mudando-se para outra região do Paraíso.

Felizmente, os anjos impediram tudo isso e relataram a Deus o que havia acontecido. E Deus, depois de matutar bastante sobre o negócio, fez até mesmo um desenho de um triângulo com animais em volta para ver quantos haviam sido enganados. Mas logo ficou com preguiça de desenhar os animais inteiros e passou a desenhar bonecos palitos de um homem mesmo, usando somente as cabeças dos animais, como chacais, águias e leões.

Ao ver que o desenho assumiu uma forma triangular – e que o golpe funcionava da mesma forma - resolveu batizar o golpe de Pirâmide e proibiu terminantemente que aquilo se repetisse. Chamou um anjo e entregou a ele o desenho, pedindo que arquivasse o material na pasta “Esquemas”. Mas o anjo, ao abrir a gaveta “E” do arquivo, sem querer acabou colocando tudo dentro de outra pasta.

Ao invés de arquivar em “Esquema”, arquivou na pasta “Egito”.

E lá o papel com o desenho de um triângulo – cercado de bonequinhos humanos com cabeças de animais – permaneceu esquecido por alguns milhares de anos.


publicado em 08 de Março de 2013, 21:00
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Rob Gordon

Rob Gordon é publicitário por formação, jornalista por vocação e escritor por teimosia. Criador dos blogs Championship Vinyl e Championship Chronicles.


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